Descrição de chapéu Artes Cênicas

Nudez no teatro corre risco frente aos cliques indiscretos do público e preocupa atores

Celulares ávidos por tirar momentos do contexto cênico incomodam também comediantes de stand-up

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Matt Stevens
Nova York

​Jesse Williams foi indicado para um prêmio Tony no mês passado por seu trabalho em "Take Me Out", uma peça muito elogiada sobre beisebol e homofobia. Mas quando seu nome disparou nos "trending topics" do Twitter, um dia depois, foi porque alguém havia gravado sorrateiramente uma cena de nudez que ele faz na peça e a veiculado online.

Em entrevista recente, Williams, que se tornou astro como parte do elenco de "Grey’s Anatomy", disse que o incidente não o perturbava. "Venho aqui para trabalhar. Para dizer a verdade no palco. Sempre serei vulnerável", ele disse. Mas o ator também deixou claro que não aceitava positivamente o que tinha acontecido com ele, afirmando que "pôr fotos não consensuais de alguém na internet é realmente repulsivo".

Público guarda seus celulares em bolsas antes que comece o espetáculo em um teatro de Nova York
Público guarda seus celulares em bolsas antes que comece o espetáculo em um teatro de Nova York - Calla Kessler/The New York Times

Os celulares há muito tempo vêm causando incômodo em apresentações ao vivo, quando tocam em momentos inesperados, e também irritam os artistas quando as pessoas os usam para gravar o trabalho deles ilicitamente. Agora, a onipresença de smartphones com câmeras ainda melhores está levando alguns atores, especialmente celebridades, a reconsiderar cenas que os levariam a aparecer nus no palco, dado o risco de que algo que deveria ser apenas um momento efêmero termine vivendo para sempre online, fora de contexto.

"Dez anos atrás, não acho que minha primeira reação seria perguntar se um ator aceita a possibilidade bastante elevada de que algo seja filmado ou fotografado e vá parar na mídia social", disse Lisa Goldberg, agente de imprensa que representa atores da Broadway, de cinema e de televisão, sobre discussões que teve com clientes que foram convidados a fazer cenas em que apareceriam nus. "Mas essa é uma das primeiras coisas que eu menciono para os meus clientes hoje."

A nudez no palco se tornou comum nos últimos 50 anos, e grandes astros, como Nicole Kidman e Daniel Radcliffe, já fizeram cenas sem roupa na Broadway quando a peça assim requeria. Ser parte da realeza do teatro não oferece proteção –Audra McDonald, ganhadora de seis prêmios Tony, percebeu em 2019 que alguém a havia fotografado durante uma cena de nudez em "Frankie and Johnny in the Clair de Lune". A atriz tuitou a respeito, dizendo que "isso não foi nada legal".

Jesse Williams em cena da peça 'Take Me Out' no Helen Hayes Theater em Nova York
Jesse Williams em cena da peça 'Take Me Out' no Helen Hayes Theater em Nova York - Sara Krulwich/The New York Times

Os recentes vídeos de Williams surgiram a despeito das medidas extraordinárias que o Second Stage Theater, responsável pela produção de "Take Me Out", tomou para proteger a privacidade dos atores que aparecem nus. Os espectadores têm de guardar seus celulares em bolsas especiais que ficam fechadas até que o espetáculo termine.

As bolsas, produzidas por uma empresa chamada Yondr, se tornaram cada vez mais comuns nos últimos anos, especialmente em shows de stand-up, porque os comediantes não gostam de ver seus esquetes registrados e se preocupam com a possibilidade de que alguns deles causem reações negativas caso reproduzidos fora de contexto.

Cerca de 1 milhão de bolsas Yondr foram usadas em espetáculos ao vivo em abril, umas cinco vezes mais do que o número usado no mesmo mês em 2019, segundo a empresa. Outros espetáculos com cenas de nudez estão experimentando usar o acessório –no final de maio, o Penguin Rep Theatre anunciou que usaria produtos da Yondr em sua montagem de "Mr. Parker" em um teatro off-Broadway, porque a peça contém um breve momento de nudez.

Graham Dugoni, que fundou a Yondr em 2014, lamentou que muitas pessoas ainda tenham dificuldade para aprender a se comportar "como seres humanos num planeta no qual carregamos computadores no bolso".

"Uma foto de alguém nu é evidentemente um caso muito extremo", disse Dugoni. "Mas o esquete de um humorista ser tirado de contexto e difundido na mídia social e reinterpretado não beneficia essa forma de arte. É uma forma de mordiscar e despedaçar a coisa aos poucos, e isso leva o artista a se fechar em busca de proteção."

Daniel Radcliffe, no centro, na peça 'Equus' no Broadhurst Theater em New York, em montagem de 2008
Daniel Radcliffe, no centro, na peça 'Equus' no Broadhurst Theater em New York, em montagem de 2008 - Sara Krulwich/The New York Times

Mas as precauções não são infalíveis. Uma noite de comédia no Hollywood Bowl no mês passado deveria ter acontecido sem a presença de celulares, mas quando Dave Chappelle, que encabeçava o elenco, foi derrubado no palco, surgiram vídeos registrados por algumas pessoas que conseguiram burlar as regras.

E, algumas semanas atrás, quando Chris Rock fez sua primeira apresentação de stand-up depois de ser esbofeteado por Will Smith no palco durante a cerimônia do Oscar, os espectadores que tinham comparecido a um espetáculo dele no Wilbur Theater, em Boston, foram solicitados a guardar os celulares em bolsas Yondr.

O uso dos aparelhos só era autorizado em um pequeno espaço na área do saguão, onde um espectador pediu timidamente para usar o celular porque tinha se esquecido de enviar uma mensagem de texto à babá de suas crianças. Vídeos daquela apresentação também emergiram.

A facilidade de gravar e subir vídeos preocupa algumas pessoas que precisam decidir sobre tirar a roupa em outras ocasiões, entre as quais universitários, que estão reavaliando a sensatez de tradicionais corridas nuas pelos campi, e frequentadores de praias de nudismo, que cada vez mais ficam atentos a câmeras. Mas a questão está se tornando especialmente séria no teatro, em que atores solicitados a aparecer nus têm de consentir quanto a isso como parte de seus contratos.

Kate Shindle, presidente do Actors’ Equity Association, um sindicato pela igualdade entre atores, disse em entrevista que muitos atores acreditam que o teatro ao vivo "exista para ser desfrutado dentro de quatro paredes" e que, "se essa santidade for comprometida, o trabalho sofre". Gravações feitas pela audiência, ela disse, podem gerar uma sensação de "violação —mesmo que a pessoa esteja completamente vestida".

Autorização prévia por escrito é necessária para qualquer registro fotográfico ou em vídeo que envolva nudez, dizem representantes do sindicato. Isso inclui qualquer vídeo que vá ser incorporado ao Theater on Film and Tape Archive, o arquivo de gravações da Biblioteca Pública de Artes Cênicas de Nova York, disse Patrick Hoffman, diretor e curador do arquivo, que detém mais de 4.400 gravações em vídeo de produções teatrais ao vivo.

A maioria dos atores aprova as gravações. Mas ao longo dos anos alguns recusaram ter cenas de nudez gravadas para o arquivo. Em alguns casos, as cenas foram gravadas por seus substitutos, e em outros a gravação do espetáculo simplesmente não foi realizada. Alguns vídeos de espetáculos que contêm nudez e fazem parte do arquivo foram formatados de maneira especial para que pesquisadores possam assistir a eles mas não possam repetir trechos, acelerar ou voltar os vídeos.

Tatianna Casas, que trabalha para a empresa Yondr, ajuda público de peça a guardar seus celulares em bolsas antes de um espetáculo
Tatianna Casas, que trabalha para a empresa Yondr, ajuda público de peça a guardar seus celulares em bolsas antes de um espetáculo - Calla Kessler/The New York Times

Fotos obtidas sem autorização já eram problema para os atores que apareciam nus no palco muito antes que o iPhone chegasse ao mercado, há 15 anos.

No ambiente teatral atual, no qual a nudez é prática regular na Broadway e até em algumas produções do Metropolitan Opera, a situação é muito diferente da que existia em 1969, quando a coreógrafa Margo Sappington, integrante do elenco da produção original de "Oh! Calcutta!", que envolvia nudez frequente, esteve entre os atores detidos pela polícia sob a acusação de indecência, depois de uma apresentação em Los Angeles.

Mesmo naquela era, anterior aos smartphones, as câmeras eram um incômodo, disse Sappington. Por isso, o grupo teatral decidiu adotar uma medida preventiva de baixa tecnologia. Se alguém visse uma câmera na plateia, do palco, os atores paravam o espetáculo, interpelavam o fotógrafo e chamavam os seguranças.

"Agora, na escuridão de um teatro da Broadway, é impossível ver os smartphones", ela disse. "As pessoas são desrespeitosas demais. Fico pasma."

E o vazamento do vídeo de Williams tinha algo de familiar para Daniel Sunjata, que interpretou o mesmo personagem, Darren Lemming, quando "Take Me Out" estreou na Broadway, em 2003. Fotos de suas cenas de nudez também vazaram, mas não se espalharam tanto, numa era anterior ao momento em que o Facebook e o Twitter se tornaram tão onipresentes.

"A principal diferença entre aquele momento e agora é a amplitude", disse o ator. "É a velocidade, a rapidez com que as coisas podem se espalhar."

Mas os vazamentos incomodaram Sunjata, que já tinha dificuldades com as cenas de nudez, para começar. Ele disse que chegou a consultar seus advogados e que queria "ver gente punida".

Segundo ele, a principal diferença entre atuar nu no palco oito vezes por semana diante de uma plateia e ter essa nudez fotografada tem menos a ver com a permanência da foto do que com a falta de contexto que a cerca. "Uma pessoa que não tenha assistido à peça só vê caras nus no palco."

A nova montagem de "Take Me Out" tomou medidas adicionais para impedir que espectadores filmem os atores. Para complementar as bolsas Yondr, o Second Stage Theater instalou uma câmera infravermelha com a capacidade de se mover na vertical e horizontal, para que a equipe de segurança possa determinar se há membros da audiência tentando filmar as cenas de nudez.

Numa apresentação da peça no mês passado, dois membros da equipe do teatro foram posicionados diante da audiência, nas duas pontas do palco. Eles ficavam em pé durante as cenas que incluíam nudez. Mas apesar de todas as precauções, mesmo assim um celular tocou, aos cinco minutos do primeiro ato.

Quando perguntei a Williams se ele aceitaria fazer outra peça em que apareça sem roupa, ele hesitou. Não sei", disse. "Minha reação nunca é tão quente, ou alta, ou negativa, quanto todo mundo espera."

Tradução de Paulo Migliacci

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