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Filmes

Ennio Morricone é visto com paixão pelo diretor de 'Cinema Paradiso'

Giuseppe Tornatore não dribla a admiração pelo interlocutor, mas ver o compositor falar é um espetáculo por si só

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Ennio, O Maestro

Os documentários sobre grandes músicos tendem a ser especialmente bem aceitos pelo público. Fácil de entender –rever um ídolo na tela, entrar em contato com sua música e, assim, ser remetido à memória afetiva que suas melodias trazem pode ser uma experiência emocional tão grande que é até comum que espectadores cheguem ao fim de documentários musicais bastante medíocres tomando esses filmes por obras-primas.

"Ennio, O Maestro" não é em nada medíocre –embora tampouco seja uma obra-prima–, mas lida com um material tão forte que seria um filme precioso ainda que esteticamente fosse deplorável. Fala, de forma assumidamente apaixonada, sobre Ennio Morricone, morto em 2020, o músico italiano que revolucionou as trilhas sonoras de cinema, se tornando tão influente e constante na obra de cineastas de primeira linha que virou, também, um dos poucos compositores de formação clássica a ganhar status de pop.

Ennio Morricone em cena do documentário 'Ennio', de Giuseppe Tornatore, o mesmo diretor de 'Cinema Paradiso'
Ennio Morricone em cena do documentário 'Ennio', de Giuseppe Tornatore, o mesmo diretor de 'Cinema Paradiso' - Divulgação

Dirigido por Giuseppe Tornatore —o mesmo de "Cinema Paradiso", também musicado por Morricone—, o documentário é a atração de abertura do 8 e 1/2 Festa do Cinema Italiano, ciclo de filmes que se inicia nesta terça-feira em seis capitais, exibindo até dia 11 também obras recentes de outros nomes importantes do cinema da Itália, como Paolo Taviani, com "Leonora, Adeus", e Michelangelo Frammartino, com "Il Buco".

"Ennio" tem formato tradicional e evita riscos —narra a trajetória de Morricone em ordem cronológica, alternando depoimentos de amigos e admiradores com trechos de filmes com suas trilhas, além de trazer o próprio biografado falando de sua obra.

Mas Tornatore emprega um tipo de montagem irrequieta, meio alucinada, que fornece uma glicemia extra ao material. Apesar do pouco arrojo formal, são duas horas e meia de pura pulsação, de sangue nas veias, de adoração por um ídolo.

O pequeno Morricone queria ser médico, mas o pai trompetista o convenceu a seguir a mesma carreira. O garoto não tardaria a se mostrar bem mais do que um bom instrumentista –seu cérebro altamente musical permitia a ele criar arranjos inovadores e compor partituras de grande sofisticação técnica.

Nos anos 1960, auge da popularidade das "canzoni" italianas, Morricone se tornaria famoso por seus arranjos —hits como "Sapore di Sale" e "Il Mondo", apesar de serem de autoria de outros músicos, se tornaram amplamente conhecidos nas versões formatadas pelas ousadias sonoras de Morricone.

Ennio Morricone em cena do documentário 'Ennio', de Giuseppe Tornatore, o mesmo diretor de 'Cinema Paradiso'
Ennio Morricone em cena do documentário 'Ennio', de Giuseppe Tornatore, o mesmo diretor de 'Cinema Paradiso' - Divulgação

No cinema, foi com Sergio Leone que ganhou projeção. Suas experimentações na trilogia do "homem sem nome", cujo ápice se daria em "Três Homens em Conflito", de 1966, o tornaram um dos mais requisitados autores de trilhas. A inserção de sons dissonantes que remetiam a elementos do Velho Oeste, como as notas estridentes que lembravam uivos de um coiote, valeram a ele a reputação de gênio musical.

Morricone tinha um dom para compor música atonal, de vanguarda, mas sua capacidade musical ia muito além. Também criava melodias belíssimas —só alguém com uma pedra de gelo no peito não se comoveria ao ouvir os temas principais de "Era Uma Vez no Oeste", de 1968, ou de "La Califfa", de 1970.

Sem falar, é claro, da magistral trilha de "A Missão", de 1986, em que, misturando partituras do século 18 com um coro étnico e um simples tocar de oboé, produziu uma das trilhas mais musicalmente elaboradas e melodicamente efetivas da história do cinema.

Ennio Morricone em cena do documentário 'Ennio', de Giuseppe Tornatore, o mesmo diretor de 'Cinema Paradiso'
Ennio Morricone em cena do documentário 'Ennio', de Giuseppe Tornatore, o mesmo diretor de 'Cinema Paradiso' - Divulgação

Tornatore nos diz que Morricone foi uma figura de vida pessoal desinteressante, que seu pensamento raramente se afastava da música. Sua figura discreta trazia um mistério –os olhos melancólicos e o jeito manso de falar contrastavam com certos posicionamentos inesperadamente assertivos (como quando dizia ser inaceitável compor para filmes que também tivessem partituras de outro músico).

Havia em Morricone uma certa ausência, não se sabe do que exatamente; ele nunca parecia estar 100% onde estava. Ao mesmo tempo em que era nitidamente uma personalidade sensível, que se comovia com certa facilidade. Ver o maestro falar acaba sendo um espetáculo por si só.

Tornatore não dribla a admiração pelo tema de seu filme, então o documentário resulta inevitavelmente hagiográfico. Mas essa visão não distanciada se revela, no fim das contas, favorável ao filme. É uma obra intensa e febril sobre um músico que compunha trilhas com as mesmas características. Mais que um documento sobre a trajetória de Morricone, é uma (merecida) declaração de amor ao músico.

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