Descrição de chapéu Obituário sergio paulo rouanet (1934 - 2022)

Morre Sergio Paulo Rouanet, criador da Lei de Incentivo à Cultura, aos 88 anos, no Rio

Professor e ensaísta de múltipla formação, ele também era membro da Academia Brasileira de Letras e foi diplomata

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São Paulo

Morreu neste domingo, aos 88 anos, Sergio Paulo Rouanet, intelectual de vasta carreira que criou a lei que levou seu sobrenome durante a passagem que teve pelo governo de Fernando Collor de Mello como secretário da Cultura.

O carioca foi diplomata de carreira desde os anos 1950, tendo sido embaixador na Dinamarca, cônsul-geral em Zurique e ocupado postos na Organização das Nações Unidas, na Organização dos Estados Americanos e chefias de departamento no Itamaraty, em Brasília, antes de integrar o governo federal.

sérgio paulo rouanet
Sergio Paulo Rouanet, diplomata e ensaísta que foi secretário da Cultura e morreu neste domingo - Rossana Lana - 3.jul.2000/Folhapress

Em 1991, o professor foi convidado por Collor para ocupar a Secretaria Nacional de Cultura, que tinha status de ministério à época, cargo no qual ficou até o ano seguinte. Depois, retomou atividades em embaixadas na Alemanha e na República Tcheca.

Formado em ciências jurídicas e sociais, Rouanet fez doutorado em ciência política e deu aulas no Instituto Rio Branco. Ele também ocupava, havia 30 anos, a cadeira de número 13 da Academia Brasileira de Letras.

A passagem breve do intelectual pelo governo foi marcada por uma das mudanças mais significativas no cenário cultural brasileiro, a criação da Lei Rouanet, que nasceu do Programa Nacional de Apoio à Cultura e serviu de estímulo financeiro para a realização de projetos artísticos no Brasil.

Seu mecanismo permite que o governo federal autorize empresas e pessoas físicas a descontarem do Imposto de Renda valores diretamente repassados a iniciativas culturais, como produção de livros, preservação de patrimônios históricos, festivais de música, peças de teatro, espetáculos de circo, programas audiovisuais etc. Ou seja, em vez de se pagar o imposto da totalidade, ela permite a reversão de parte dele a um projeto cultural.

Essa prática, conhecida como mecenato, foi o que permitiu —e ainda permite— o apoio a centenas de projetos culturais em todo o país, embora seus críticos apontem que ela tenha beneficiado sobretudo iniciativas concentradas no eixo São Paulo-Rio de Janeiro.

Aqueles que são críticos à lei também apontam que, ao permitir empresas que deduzam dos seus encargos parte do repasse, elas acabam priorizando projetos mais por critérios econômicos e comerciais do que efetivamente culturais.

A norma sofreu ampla reforma durante o governo de Jair Bolsonaro, quando deixou de levar o nome de seu criador e passou, por exemplo, a limitar os cachês de artistas que recorrem a ela em R$ 3.000.

Rouanet morreu como um dos nomes mais lembrados da guerra que Bolsonaro travou contra o setor cultural, entregue por boa parte de seu mandato a Mario Frias, ex-ator de "Malhação" que foi de galã teen a bolsonarista armado, e André Porciuncula, um ex-policial militar sem nenhuma experiência com cultura que comandou a Lei Rouanet até março, quando ambos deixaram o governo para se candidatar a uma cadeira na Câmara dos Deputados pelo PL.

Nos últimos quatro anos, projetos alinhados à agenda ideológica de Bolsonaro, como os de arte sacra, foram priorizados, enquanto que os dissonantes foram barrados. Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso do Festival de Jazz do Capão, que recebeu um parecer técnico desfavorável após se proclamar como um evento antifascista.​

Com a guinada ideológica, a Rouanet também passou a ter atraso de meses na aprovação e análise dos projetos, de tal modo que alguns produtores se viram obrigados a entrar na Justiça contra a Secretaria Especial da Cultura para obter a liberação das verbas.

Seu sobrenome também não sai da boca de alguns dos maiores cantores do país, sobretudo dos do gênero sertanejo que são aliados do presidente, caso de Zé Neto, da dupla com Cristiano, que gerou uma onda de controvérsias nas redes sociais que acabou sendo conhecida como "CPI do sertanejo".

A polêmica surgiu depois que Zé Neto criticou uma tatuagem que Anitta fez no ânus e afirmou que os sertanejos não precisavam recorrer à Rouanet para tocar suas carreiras, o que Bolsonaro diz ser uma "mamata", quando muitos de seus shows, com cachês milionários, são pagos por prefeituras que hoje viraram alvo de investigação do Ministério Público.

À parte da política cultural, Sergio Paulo Rouanet também deixa um legado nas prateleiras. Entre seus livros, estão "Mal-Estar na Modernidade", uma reflexão sobre o Iluminismo, tema no qual se especializou ao longo de sua formação acadêmica, e os volumes de crítica literária "Riso e Melancolia" e "Os Dez Amigos de Freud".

Rouanet atuou ainda na imprensa numa coluna no Jornal do Brasil e em colaborações no extinto caderno Mais!, deste jornal. Deixa três filhos e a mulher, a socióloga Barbara Freitag.

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