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'Stranger Things 4': do bullying a pesadelos, veja de onde vem o horror

Quarta temporada da atração da Netflix acerta ao se apoiar nos clássicos 'A Hora do Pesadelo' e 'Carrie, A Estranha'

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De tantas imagens impactantes e bons efeitos especiais, a que mais marcou a primeira fase da quarta temporada de "Stranger Things" foi a que mostrou a atriz Sadie Sink, que vive Max, levitando, com os olhos revirados e o corpo a ponto de se retorcer, para o olhar atônito dos amigos, reunidos abaixo dela, em um cemitério.

Bom para ela que todos perceberam que o antídoto para não ter os ossos quebrados, o maxilar deslocado e os olhos esbugalhados, se chocando violentamente contra o chão, era ouvir a música favorita, criando assim uma distância saudável entre a realidade e o mundo invertido.

Logo que a personagem, sempre com seu discman a tiracolo, tem contato com "Running Up that Hill (A Deal with God)", de Kate Bush, ela consegue acordar do transe e se safar da morte. A cena, presente em todos os trailers desta temporada, é um símbolo das diversas referências do horror dos anos 1980 que influenciaram os irmãos Matt Duffer e Ross Duffer, criadores da atração da Netflix.

Se você não quiser saber spoilers da temporada, é melhor parar de ler esta análise por aqui.

atriz levita e revira os olhos
Sadie Sink como Max Mayfield em cena marcante da quarta temporada de 'Stranger Things' - Courtesy of Netflix

É nesse jogo de estar dormindo e não conseguir acordar do próprio pesadelo que se baseou a sequência de filmes protagonizada por Freddy Krueger, "A Hora do Pesadelo". Nesse sentido, não só Max é abduzida a um mundo de escuridão, do qual não consegue achar a saída, mas Eleven, papel de Millie Bobby Brown, sofre ao topar se submeter a um tratamento para recuperar os seus poderes.

Foi exatamente nos anos 1980, década em que a série estava ambientada, que Krueger se tornou famoso, ao começar a matar as crianças da rua Elm. A certa altura ele até consegue ressuscitar com pesadelos os protagonistas do filme anterior, reforçando um emaranhado de tempos com o qual "Stranger Things" chega a se aproximar, em certos momentos, do mundo rocambolesco de "Dark".

É nesse clima de ficção científica que se passa a parte da atração que acompanha Eleven. De volta ao laboratório de Hawkins, ela vai novamente entrar nesse quebra-cabeças entre sonho e realidade para tentar descobrir quem motivou o massacre no local, do qual ela apenas se lembra de alguns trechos.

Esse clima onírico da série, que aposta ainda em portais capazes de viajar no tempo e no espaço —em dado momento, Nancy Wheeler, papel de Natalia Dyer, percebe que não só está no mundo invertido, como retornou dois anos no tempo—, nada mais é do que uma metáfora do quanto de horror há dentro de nós mesmos e, daí, a dificuldade de nos livrarmos dele. Quanto tempo o espectador não passa se questionando se foi Eleven mesmo quem matou todas aquelas criancinhas?

Maior nome do terror atual, Stephen King estava certo quando questionou a produção de "Stranger Things" sobre ter dividido a quarta temporada em dois. Afinal, ninguém quer esperar justamente para saber se a mesma Nancy vai sucumbir e ser absorvida pelos pesadelos do vilão Vecna.

Mas King não pode reclamar de não ter sido lembrado. Se Wes Craven, pai de Freddy Krueger, ficaria feliz em ter tanta influência ainda hoje no imaginário popular de jovens e adultos, o escritor de "Carrie, A Estranha", de 1974, foi claramente citado na cena em que Eleven reage violentamente, cravando um patins na testa da colega que praticava bullying contra ela.

No livro, que foi depois adaptado ao cinema, a protagonista, vítima da mãe fanática religiosa e da zombação dos colegas no colégio, é levada ao limite no baile de formatura, quando se vinga de todos ao expor seus poderes telecinéticos e acaba causando um massacre na cidade.

A julgar sobre o que os irmãos Duffer costuraram nesses primeiros episódios, os próximos devem ser ainda mais horripilantes com o embate direto da turma de nerds com o vilão Vecna, agora representado por um ator de carne e osso e com um passado que justifica todas as suas maldades.

O único fio que fica solto é o fato de esses acontecimentos só terem chegado ao conhecimento do espectador nesta temporada, o que em literatura é avaliado como recurso de pobreza dramática, o deus ex-machina —utilizado para indicar uma solução inesperada, improvável e mirabolante para terminar uma obra ficcional.

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