Descrição de chapéu
Cinema

'O Debate' traz conversa inteligente como um antídoto ao fascismo

Longa de Caio Blat une política e jornalismo com imagens que são precisas na descrição do Brasil atual

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O Debate

  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Débora Bloch, Paulo Betti e Caio Blat
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Caio Blat

Narrativas distópicas costumam florescer em tempos de crise, já que a imaginação do desastre por vir costuma se alimentar das mazelas do presente. Talvez por isso seja difícil evitar certa apreensão diante das primeiras cenas de "O Debate", ambientado num futuro próximo —e bem parecido com a realidade atual.

O filme se inicia na sede de uma emissora carioca, durante o debate televisivo entre os dois candidatos que disputam o segundo turno da eleição presidencial. Os políticos, porém, nunca chegam a ser vistos na tela. Vividos por Débora Bloch e Paulo Betti, os protagonistas são dois jornalistas, ele editor, ela âncora, responsáveis pelo principal telejornal do país.

Enquanto decidem se levam ao ar os resultados de uma pesquisa duvidosa ou discutem como editar o debate no jornal da meia-noite, o casal relembra a própria história, de amor e separação.

Longa 'O Debate', que costura política com debates sobre amor e casamento
Longa 'O Debate', que costura política com debates sobre amor e casamento - Divulgação

Até que ponto um jornalista deve interferir no jogo político? Seria melhor manter a neutralidade? Existe imparcialidade? Essas são algumas das questões que estruturam os diálogos sempre sagazes da dupla, que passam por temas que despertam reações emocionadas, como aborto, segurança, pandemia, corrupção.

Escrito por Jorge Furtado e Guel Arraes, mestres da narrativa audiovisual, o roteiro se destaca pela inteligência —e abundância —das falas dos dois personagens principais. Há, de um lado, o engajamento de Paula, que busca livrar o país do fascismo; de outro, o comedimento de Marcos, que defende o compromisso com a verdade e o respeito às leis.

Em lances que lembram a edição do debate entre Collor e Lula em 1989, na TV Globo, apresentadora e editor agem com a crença de que seu trabalho poderá influenciar o resultado do pleito, marcado para o dia seguinte. Será que a televisão ainda tem esse poder, em campanhas eleitorais recheadas de fake news propagadas nas redes sociais? Essa pode ser uma fragilidade do filme, mas não compromete a trama.

Rápidos e loquazes, os jornalistas envolvem o espectador, que logo se vê torcendo por um ou por outro, num jogo de espelhos com relação às falas dos presidenciáveis. O filme opta por não mostrar nenhum flash do debate entre os candidatos, de modo que as baixarias ficam mesmo fora de campo, sem lugar na tela.

Há, de fato, certa verborragia, que deixa pouco espaço para o silêncio, para as ações mais físicas ou para a expressividade dos ambientes, numa tradição cinematográfica herdeira da televisão. É louvável, porém, o esforço do filme em manter a conversa num nível alto, sem cair em ataques pessoais, acusações torpes, argumentos de autoridade.

Nesse sentido, "O Debate" é um filme didático: ele ensina a conversar com educação e inteligência, ainda que os interlocutores divirjam e que os temas suscitem reações emocionadas. Haveria hoje algo mais necessário do que essa disposição para o debate civilizado?

A aposta do filme na futurologia de curto prazo é sem dúvida arriscada, mas também corajosa. Se os presidenciáveis da ficção não chegam a ter corpo e voz na narrativa, as descrições que os jornalistas fazem deles lembram muito os candidatos à frente das pesquisas na campanha eleitoral real que vivemos.

Um é o presidente atual, com discurso fascista e mentiroso, que tenta a reeleição após uma gestão desastrosa da pandemia e uma crise econômica sem precedentes; o outro, mais razoável, apresenta uma visão complexa da realidade e tem o voto dos protagonistas.

O filme chega aos cinemas poucas semanas antes do primeiro turno e só o futuro dirá quão rápido "O Debate" envelhecerá. Qualquer que seja o resultado das eleições, porém, as imagens do longa de Caio Blat são precisas na descrição do atual momento político.

A ficção futurista não precisa ser distópica, já que imaginar o futuro é também desejá-lo, e o desejo é o primeiro ingrediente para um mundo melhor. "O Debate" parece fruto da vontade de conversas inteligentes, antídoto poderoso contra o fascismo, a violência, o conservadorismo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.