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'Blonde' exalta sedução de uma Ana de Armas espantosa e impecável

Olhares, sorrisos e voz, tão característica de Marilyn Monroe, como adulta se fazendo passar por criança, são perfeitos

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Blonde

  • Quando Estreia nesta quarta (28), na Netflix
  • Classificação Não informada
  • Elenco Ana de Armas, Adrien Brody e Julianne Nicholson
  • Produção EUA, 2022
  • Direção Andrew Dominik

Este é um daqueles filmes de uma lista que só parece crescer, que causa mais barulho e repercussão por fatos que não têm necessariamente a ver com o que é exibido na tela, mas sim com fuxicos de bastidor, quase sempre fruto de algum recalque ou preconceito.

Foi assim com o recente "Não se Preocupe, Querida", de Olivia Wilde, com "Sr. e Sra. Smith", de 2005, com Brad Pitt e Angelina Jolie, com "Prova de Vida", de 2000, com Meg Ryan e Russell Crowe, e até com "Cleópatra", de 1963, com Elizabeth Taylor e Richard Burton.

No caso de "Blonde", não foi um affair de bastidor ou uma briga de mulheres, sempre um tema popular, que provocou a comoção, e sim a origem latina da protagonista, Ana de Armas, de "Sem Tempo para Morrer", o último filme de James Bond, e "Entre Facas e Segredos".

 Ana de Armas em cena do filme 'Blonde', de Andrew Dominik
Ana de Armas em cena do filme 'Blonde', de Andrew Dominik - Divulgação

A atriz nascida em Havana, em 1988, tem sido consistentemente elogiada por seus papéis em Hollywood, para onde se mudou em 2014, depois de uma temporada muito produtiva na indústria audiovisual da Espanha, país de onde saíram seus pais.

Mas daí a encarnar Marilyn Monroe, um dos produtos de exportação mais bem-sucedidos do século 20, foi um pouco demais para o coraçãozinho do público e de parte da crítica dos Estados Unidos, que implicaram com um suposto –e imperceptível— sotaque cubano da protagonista.

Quando o ator galês Anthony Hopkins ganhou o Oscar como o psicopata americano Hannibal Lecter em "O Silêncio dos Inocentes", há 30 anos, o seu sotaque, ou as escorregadelas no jeito inglês de pronunciar uma palavra ou outra, não foi mencionado por ninguém. Mesma coisa quando o inglês Daniel Day-Lewis ganhou o Oscar interpretando o presidente americano Abraham Lincoln, em "Lincoln", de Steven Spielberg, há uma década.

Gwyneth Paltrow também não foi recriminada pelo sotaque americano que deixava escapar quando fez o papel da jovem inglesa Viola De Lesseps, em "Shakespeare Apaixonado", pelo qual também foi premiada com um Oscar.

É como se, entre eles, pessoas do primeiro mundo que têm o inglês como língua nativa, fosse até um pouco charmoso exibir um leve sotaque do outro continente. Mas uma Marilyn cubana foi muito desaforo.

E que injustiça. Ana de Armas é, de longe, a melhor coisa de "Blonde". O visual é espantoso de tão parecido. Mas a interpretação também é impecável. Os olhares, os sorrisos, as caras de susto e a voz, tão característica de Marilyn, como uma adulta se fazendo passar por criança ao mesmo tempo em que ri um pouco de si mesma, que consegue ligar e desligar o botão de superstar em um nanosegundo, como fazia a atriz americana, são perfeitos.

Já a trama, essa é uma colagem de situações reais e imaginárias, algumas em cores, outras em preto e branco, muitas delas traumáticas, que parecem querer dizer que Marilyn era um ser frágil e inocente que apenas reagia às ações de outras pessoas e também do acaso, todos muito cruéis.

Começando por sua infância instável e violenta. Filha de uma editora de cinema solteira e com problemas mentais, papel de Julianne Nicholson, Norma Jeane, nome de batismo de Marilyn, passou os primeiros anos de vida num vaivém de lares temporários e orfanatos, ciclo que só teve fim quando ela se casou aos 16 anos com um vizinho. Essa última parte não aparece no filme. Na infância, Norma Jeane é vivida pela atriz mirim —e americana— Lily Fisher.

Começou a trabalhar como modelo ainda adolescente e já tinha grandes ambições. Lia os clássicos, ouvia Beethoven, tomava aulas de atuação no Actor’s Lab, de Hollywood, e de literatura na Universidade da Califórnia.

Mas isso também não está no roteiro. Em "Blonde", é como se Marilyn fosse um produto de geração espontânea, fruto da beleza natural e da alienação de uma mulher sem sorte, que não tinha a menor ideia do seu talento nem de seu poder de sedução.

Mais tarde, no começo da vida adulta, na versão deste longa de duas horas e 46 minutos (pelo menos não é uma série), passou a colecionar experiências traumáticas, todas por culpa de homens diversos.

Começando pelo pai, que ela nunca conheceu, até o presidente John Kennedy, com quem teve um caso retratado como um episódio único e perturbador (e não é o "Happy Birthday, Mr. President", que Marilyn cantou, meses antes de morrer, com o vestido nude com pedrinhas de strass, que Kim Kardashian vestiu –e danificou– no Met Gala do ano passado).

Entre um e outro, passaram pela vida e pela intimidade da atriz uma longa lista de machos repugnantes que no filme, assim como no romance de Joyce Carol Oates em que o roteiro é baseado, não são nomeados. Joe DiMaggio, o ídolo do beisebol americano com quem ela foi casada por nove meses é "o ex-atleta". Seu terceiro marido, o escritor Arthur Miller, com quem viveu por quatro anos, é "o dramaturgo".

Há o executivo de estúdio que a estupra antes de dar a ela seu primeiro papel no cinema; o ator Charlie Chaplin Junior, com quem viveu um romance a três e que depois tentou vender fotos dela nua para seu segundo marido; e o "ex-atleta", com quem ela se casa sem a menor convicção e que a agride fisicamente.

E há os fotógrafos, todos homens, que surgiam do nada cada vez que ela aparecia em público e cujos cliques soam como tiros. É como se a presença deles fosse violenta e indesejada, como se a fama daquela mulher não tivesse sido procurada por ela, mas um acidente de percurso.

Ainda que todos os fatos tenham acontecido como mostra "Blonde", Marilyn Monroe não foi uma vítima. Ela é uma personagem criada por Norma Jean e que, por si só, é uma invenção genial, um produto único, como ninguém nunca mais conseguiu replicar. Além de uma grande atriz cômica, como sua breve obra, de apenas uma década de duração, pode provar a quem tem dúvida.

Marilyn Monroe pode ter sido tudo fruto de uma intuição fora do comum, pode ter sido uma estratégia meticulosa, pode ter sido um plano de fuga sensacional. O que não pode ser, e disso ninguém me convence, é um imprevisto.

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