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Todos pensam que somos divorciados, dizem George Clooney e Julia Roberts

Amigos íntimos há duas décadas, atores trocam farpas bem humoradas em 'Ingresso para o Paraíso'

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Kyle Buchanan
The New York Times | Melbourne (Austrália)

Julia Roberts começou a entrevista com uma pergunta —"George já está dando trabalho?".
Seu amigo e frequente colega de elenco George Clooney havia precedido Roberts em nossa chamada, ligando da casa na região da Provença, na França, onde vive com sua mulher, Amal. Mas a sala estava raiada de luz solar, tanto que estava difícil ver Clooney.

George Clooney e Julia Roberts nos bastidores do filme "Ingresso para o Paraíso", de Ol Parker
George Clooney e Julia Roberts nos bastidores do filme "Ingresso para o Paraíso", de Ol Parker - Divulgação

"Com esses reflexos você está tentando exteriorizar sua radiância interior, é isso?", disse Roberts. Clooney apertou os olhos para vera miniatura dela no Zoom. "Olha quem fala, você aí com essa lente!", ele ironizou. "Meu computador tem 25 anos de idade!", disse ela.

É com essa troca de farpas bem-humoradas que os dois preferem se comunicar. "É o nosso ritmo natural", diz Roberts. Esse entendimento fácil é a base de uma parceria que abrange vários filmes na telona, desde "Onze Homens e um Segredo", de 2001, até a produção mais recente dos dois, a comédia romântica "Ingresso para o Paraíso", na qual fazem um casal divorciado em constante disputa, mas que se une para impedir o casamento da filha deles (Kaitlyn Dever) com um produtor de algas marinhas (Maxime Bouttier) que ela conhece numa viagem de formatura. Quando os pais divorciados se reúnem, a faísca entre eles reacende.

Quando conversei com Roberts e Clooney, no fim de agosto, não havia luz entrando pelas janelas da casa da atriz —eram apenas 6h da manhã em San Francisco, onde ela vive com o marido, Danny Moder, e os três filhos adolescentes.

Roberts pediu que a entrevista começasse cedo para que ela pudesse despachar os filhos para a escola depois, destacando que acordar muito cedo não é novidade para ela. Para uma cena de "Ingresso para o Paraíso" que acontece ao nascer do sol, ela teve que apresentar-se para trabalhar às 3h da manhã. Foi o mais cedo que ela já teve que comparecer a um set na vida.

"Já eu tive que chegar à 1h", diz Clooney, "por causado trabalho que fazem em meu rosto antes de filmar". "Todas as fitas adesivas, a massa corrida", diz Julia Roberts, soltando uma de suas célebres gargalhadas.

NYT: Quando vocês leram o roteiro de "Ingresso para o Paraíso", cada um pensou no outro como a pessoa com quem queria contracenar?

George Clooney: Me mandaram o roteiro e era evidente que havia sido escrito para Julia e eu. Na verdade, os nomes dos personagens eram originalmente George e Julian. Eu não tinha feito uma comédia romântica de verdade desde "Um Dia Especial" (1996) —não me dei tão bem quanto Julia nesse gênero. Mas li o roteiro e pensei: "Se Jules topar, acho que pode ser divertido."

Julia Roberts: Só fazia sentido fazer o filme com George, por causa de nossa química. Temos uma amizade das quais as pessoas têm consciência, e começamos a história como um casal divorciado. Metade dos Estados Unidos deve pensar que somos divorciados, então já temos isso como um bom ponto de partida.

Clooney: É bom mesmo sermos divorciados, porque estou casado agora, então seria péssimo se não fôssemos divorciados. Só mencionando.

Roberts: Outra coisa é que George e eu temos muita felicidade e responsabilidade em querer fazer uma comédia juntos, para proporcionar às pessoas um momento de férias da vida, depois de o mundo ter passado por um período muito difícil. É como quando você está caminhando pela calçada, está fazendo frio, então você chega naquele pedaço tão bom onde está batendo sol, o sol bate sobre suas costas e você pensa "delícia. É exatamente isso que eu estava precisando."

NYT: É verdade que vocês dois não se conheciam pessoalmente antes de "Onze Homens e Um Segredo?"

Roberts: Quando conheci George, o engraçado é que, na imprensa, já nos identificavam como amigos. Eu tinha lido que havia ido a uma festa na casa dele. Pensei "preciso conhecer esse cara, porque ele parece ser o máximo."

Clooney: Sou divertido.

Roberts: Acho que há alguma alquimia entre nós que as pessoas captam de longe.

Clooney: Sempre me senti atraído pela Julia, por várias razões. Uma delas é que ela é uma estrela de cinema há mil anos, mas ainda assim está sempre disposta a não se levar a sério, e isso faz uma diferença enorme, porque já passamos muito tempo juntos. E ela é uma atriz de talento enorme. Trabalha muito, mas você nunca a vê fazendo esforço. Essa é a qualidade que mais aprecio nos meus atores favoritos, como Spencer Tracy.

NYT: Julia, você é produtora executiva do filme ao lado de George e obviamente tem experiência extensa com comédias românticas. Qual é o ponto de vista que você contribui para o filme, sendo veterana do gênero?

Roberts: Esse é um gênero do qual adoro participar e a que adoro assistir. Acho que não é fácil acertar com uma comédia romântica. Há uma matemática muito simples nesse gênero, mas como você faz para o filme ser especial? Como manter o interesse das pessoas quando elas já podem mais ou menos prever o que vai acontecer?

NYT: Hoje há menos comédias românticas que antes, muito menos mesmo, e você disse que "Ingresso para o Paraíso" foi o primeiro roteiro do gênero desde "Um Lugar Chamado Notting Hill" e "O Casamento de Meu Melhor Amigo" do qual gostou de fato.

Roberts: Acho que a gente não deu o devido valor à safra ótima de comédias românticas que tivemos na época. O espectador não enxerga todo o trabalho, o esforço, as cordas das marionetes, porque é divertido, é doce, as pessoas estão rindo, se beijando e sendo brincalhonas. Outra coisa é que acho que é diferente ler esses roteiros aos 54 anos de idade. Não posso encarar uma história como a de "O Casamento de Meu Melhor Amigo", em que eu caio da cadeira e tudo mais, porque...

Clooney: Porque você quebraria o quadril.

Roberts: Eu quebraria o quadril! Ah, George. Mas foi bacana ler um roteiro apropriado para nossa idade, em que as piadas faziam sentido e eu apreciei e entendi o que essas pessoas estavam passando. É isso que as pessoas querem ver na tela: querem ver a conexão do ator com a obra. Querem ver o espaço que você tem no seu coração para aquele material. Não querem apenas que a gente faça algo engraçado porque elas curtem isso.

NYT: Mas o engraçado é importante. Há uma cena em "Ingresso para o Paraíso" em que seus personagens estão bêbados e dançam "Gonna Make You Sweat (Everybody Dance Now)", deixando a filha e os amigos constrangidos. Aquilo foi coreografado para ser embaraçoso possível, ou vocês improvisaram?

Roberts: As pessoas sempre querem coreografar, mas não dá para determinar os passos. Tem que destampar a caixa e deixar a magia sair voando.

Clooney: Me lembro que no início de minha carreira eu tive que fazer uma cena de beijo com uma garota e o diretor disse "assim não". E eu falei "cara, é assim que eu faço na vida real!". Foi mais ou menos a mesma coisa aqui, porque todo mundo tinha sugestões de como devíamos dançar, mas nós dissemos: "Na realidade temos uns passos de dança horríveis da vida real." E o pior é que Julia e eu já fizemos todos esses passos antes.

Roberts: Dançamos pelo mundo afora.

Clooney: E Kaitlyn e Max ficaram horrorizados de verdade, não foi?

Roberts: Foi demais, eles ficaram sem palavras. Se Danny e eu fizéssemos isso na frente de nossos filhos, eles diriam "putz, quero que um buraco se abra aqui para eu sumir dentro dele." George, ainda estou pasma com essa história do diretor criticando seu jeito de beijar. Não sei como conseguiu se recuperar daquilo. E a gente se beija neste filme. Mas não quero revelar tudo aqui.

NYT: É uma comédia romântica. Acho que as plateias esperam um beijo.

Roberts: Um beijo. E passamos seis meses ensaiando.

Clooney: Isso mesmo. Contei para minha mulher: "Tivemos que fazer 80 tomadas." E ela disse tipo: "Que é isso, como assim?".

Roberts: Foram 79 tomadas de nós dois rindo e uma da gente se beijando.

Clooney: Precisávamos acertar.

NYT: Vocês rodaram o filme na Austrália, certo?

Clooney: Começamos na ilha Hamilton, com um monte de aves silvestres. Julia tinha uma casa bem pertinho da minha, onde eu estava com Amal e as crianças. Eu saía bem cedinho pela manhã e chamava "Caa-caa", e Julia saía e respondia "Caa-caa". Aí levávamos uma xícara de café para ela. Para meus filhos, ela era a tia Juju.

Roberts: Os Clooney me salvaram da solidão e do desespero totais. Estávamos numa bolha, e aquilo foi o período mais longo que já passei longe de minha família. Acho que eu não tinha passado tanto tempo sozinha desde os 25 anos.

Clooney: Outra coisa —quando Danny e as crianças vinham visitar Julia, eles tinham que ir a Sydney e passar duas semanas em isolamento sozinhos antes de Julia poder vê-los.

Roberts: Tão perto e tão longe. Quando chegamos à Austrália inicialmente e todos fizemos quarentena, fiquei um pouco doida. Me lembro de lá pelo 11º dia ficar pensando: "Quem sou eu? Onde estou? Qual é este quarto do qual eu nunca saio?" É uma coisa estranha. Eu não havia realmente previsto tudo isso.

Clooney: É para isso que inventaram o álcool.

Roberts: Ou os cookies com gotas de chocolate.

Clooney: Isso também.

NYT: Julia, este é seu primeiro papel num filme em quatro anos. Você já disse que se vê como mãe e dona de casa, mas seus filhos já estão todos adolescentes. Você acha que a divisão de trabalho e vida na sua vida vai mudar quando eles ficarem maiores e saírem de casa?

Roberts: Vou ver como fica quando a hora chegar. Procuro estar super presente e não fazer planos. Não tenho nenhum trabalho em vista no momento como atriz. Voltar para uma rotina é muito bom. E eu adoro estar em casa, adoro ser mãe. Ficar na Austrália foi realmente complicado devido a todas as normas da Covid, e o fato de não ter sido ainda mais difícil do que foi acho que é uma prova real do valor da amizade e do ambiente criativo em que estávamos, porque não sei mais ser uma pessoa só. Não faz parte de meus dados celulares.

NYT: George, você recentemente também passou alguns anos sem atuar. Quando você passa um período prolongado assim entre um papel e outro, há alguma ansiedade quando vai recomeçar?

Clooney: Se você não sentir aquele friozinho na barriga cada vez que começa a trabalhar é porque já está confiante demais para este trabalho, e isso se evidenciará em sua atuação. No instante em que você pensar que já entendeu tudo ou que sabe o que está fazendo, você não deveria mais estar fazendo.

Tradução de Clara Allain

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