'Imagem do Brasil no exterior não poderia ser pior', diz Kenneth Maxwell

Um dos mais importantes brasilianistas, historiador inglês exalta papel de José Bonifácio no processo da Independência

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São Paulo

Quando estava na graduação em história no St John's College, na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Kenneth Maxwell ouviu do seu tutor, Harry Hinsley: "Olhe para o sul".

Foi o que fez desde então. O historiador britânico de 81 anos está entre os maiores brasilianistas em atividade desde a década de 1970. Como observador atento do passado e do presente do país, Maxwell afirma: "A imagem do Brasil no exterior não poderia ser pior, um reflexo do que acontece na Amazônia".

O historiador inglês Kenneth Maxwell, 81, especialista nas relações entre Brasil e Portugal, na sede da Folha - Zanone Fraissat/Folhapress

A avaliação dele em relação à política global passa longe do otimismo. "Jair Bolsonaro é populista como Donald Trump e Boris Johnson. Esse é um grande perigo para o mundo. Estou muito preocupado com o futuro porque Trump pode retornar à Presidência dos EUA", afirma.

De volta há quase dez anos à Inglaterra, seu país natal, Maxwell passou a maior parte da sua carreira acadêmica nos EUA, onde lecionou nas universidades Yale, Princeton e Columbia. Foi diretor do programa de estudos brasileiros de Harvard.

Como especialista nas relações entre Brasil e Portugal no século 18, lançou livros que se tornaram referências na área, como "A Devassa da Devassa" (1977), a respeito da Inconfidência Mineira —na verdade, Conjuração Mineira, conforme ele ensina.

Na última segunda (29), Maxwell apresentou uma conferência em um congresso da USP dedicado às reflexões sobre o bicentenário da Independência do Brasil. Na ocasião, discorreu sobre o marquês de Pombal (poderoso ministro sob o reinado de dom José 1º na segunda metade do século 18) e a vinda da corte para o Brasil, em 1808.

Cinco dias depois, o historiador visitou a Folha, jornal do qual foi colunista, e falou à reportagem. Veja a entrevista e, na sequência, a íntegra da conferência.

O senhor tem conseguido acompanhar os novos livros lançados por conta dos 200 anos da Independência?

Não tenho acompanhado tudo. Li "Adeus, Senhor Portugal", é interessante ao fazer uma crítica à historiografia relacionada a esse assunto, de nomes como Varnhagen [autor de "História Geral do Brasil"]. O livro mostra também a crise fiscal no fim do regime do Dom João 6º e durante o governo de dom Pedro 1º. São dados novos que explicam como esses problemas financeiros estimularam as agitações populares em cidades como Rio de Janeiro, Recife e Salvador. Essa pressão social não costuma ser muito abordada nas obras sobre a Independência.

Depois da palestra na USP, um português me disse que, ao ler sobre a história do Brasil muitos anos atrás, tinha tido a impressão de que não houve exatamente uma Independência, e sim um presente dos portugueses para os brasileiros. Há uma ressonância disso nessa vinda do coração do dom Pedro 1º para o Brasil, uma necrofilia do Bolsonaro que é inacreditável.

Outro livro que me parece importante é "Planos para o Brasil, Projetos para o Mundo: O Novo Imperialismo Britânico e o Processo de Independência (1800-1831)", de José Jobson A. Arruda. Ele fala dos planos da Inglaterra e de Portugal antes da vinda da corte para o Brasil, em 1808, e mostra como essa transferência foi totalmente planejada. Há toda uma documentação sobre isso.

Esses novos estudos também têm reavaliado o papel de dom Pedro 1º. O que o sr. pensa sobre a relevância histórica dele?

Em 1815, houve a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, esse é um momento importante porque o Brasil passou a estar no centro do império. Foi algo único no mundo. Como se Nova York tivesse sido o centro do mundo anglo-saxão naquela época. Essa é uma diferença considerável da história do Brasil em relação aos outros países da América Latina.

Sobre dom Pedro 1º em específico, ele teve, sim, um papel importante, mas acho que as intervenções de José Bonifácio e do grupo de pessoas que tinham sido formadas em Portugal, os brasileiros de Coimbra, também foram bastante relevantes. Eram um grupo liberal, sucessores do marquês de Pombal.

Bonifácio queria o Brasil como uma amálgama, com negros, indígenas, com todos. Propôs o fim da escravidão, mas acabou sendo jogado fora pelo dom Pedro. Como um intelectual, um liberal, ele era uma esperança grande para o Brasil, mas foi tirado de cena.

E qual sua opinião sobre lorde Cochrane?

Era o Lobo do Mar durante as Guerras Napoleônicas e depois acabou sendo expulso das Forças Armadas britânicas. Após uma passagem pelo Chile, ele veio para o Brasil, chamado por dom Pedro 1º e José Bonifácio.

Era um navegador de enorme capacidade e foi graças a ele que o Norte e o Nordeste ficaram com o Brasil. Sem Cochrane, seria impossível que o Brasil tivesse saído desse período como um país unificado. Os portugueses queriam manter o domínio sobre Recife, Belém e outras cidades dessas regiões e foi ele quem impediu.

Retratado sobre um fundo azul, rodeado por uma moldura circular dourada, está Thomas Cochrane, homem branco de cabelos acobreados que usa uma farda militar do século 19.
Retrato de Alexandre Thomas Cochrane, feito em 1925; a obra integra o acervo do Museu do Ipiranga - Domínio público/Acervo Museu Paulista (USP)

O senhor lançou um livro que se tornou referência no estudo da Inconfidência Mineira, que é 'A Devassa da Devassa'. Entre as suas descobertas, existe alguma que considere especialmente relevante?

Descobri, por exemplo, que o fim da Devassa da Conjuração Mineira [processo que resultou mais tarde na condenação à morte de Tiradentes] aconteceu antes da denúncia do Joaquim Silvério dos Reis [que ficou conhecido como delator do movimento mineiro]. Isso muda totalmente a história tradicional da Inconfidência, quero dizer da Conjuração Mineira –Inconfidência foi a palavra imposta pelo grupo que estava no poder.

Eu escrevi sobre essa cronologia no meu livro, mas as pessoas ainda acham que foi daquela forma [muitos livros indicam que o visconde de Barbacena, governador da província de Minas Gerais, suspendeu a derrama e abriu a Devassa após as denúncias de Silvério dos Reis, o que é incorreto segundo as pesquisas de Maxwell] .

Está preparando um livro sobre o terremoto de Lisboa de 1755?

É, na verdade, sobre a reconstrução de Lisboa. É um exemplo do racionalismo de Pombal, a reconstrução foi feita com um plano moderno para a época. Previa passagens para as águas, considerava questões de saúde pública e projetava casas com sistema contra incêndio. Para isso, Pombal teve um consultor importante, Antônio Nunes Ribeiro Sanches, uma figura relevante do Iluminismo.

O senhor teve uma longa carreira acadêmica nos EUA e voltou para Inglaterra, seu país natal, onde está há quase dez anos. O que poderia dizer sobre a imagem do Brasil lá fora nesse momento?

Não poderia ser pior, um reflexo do que acontece na Amazônia. Os desmatamentos… Os ambientalistas têm bastante influência na mídia. Na década de 1990, escrevi artigos sobre as queimadas no Brasil e, já naquela altura, foi um grande escândalo.

Além disso, Bolsonaro é populista como Donald Trump e Boris Johnson. Esse é um grande perigo para o mundo. Estou muito preocupado com o futuro porque Trump pode voltar à Presidência dos EUA.

Na Inglaterra, não temos um governo, temos um zumbi [o primeiro-ministro renunciou há quase dois meses]. Johnson está falando apenas para os seguidores do Partido Conservador, que, em geral, são pessoas mais velhas, mais brancas, que moram na zona rural.

Essa imagem tão negativa do Brasil no exterior se justifica? Ou há exagero?

Faz sentido sim. Bolsonaro tem esse discurso atrasado há muitos anos.

Existe uma chance de uma ruptura antidemocrática no Brasil nos próximos meses?

Existe a tentação de Bolsonaro querer fazer como Trump [em janeiro de 2021, o então presidente dos EUA incitou seguidores a invadirem o Capitólio, em Washington]. Não se pode desconsiderar essa possibilidade. Esses questionamentos em relação à eficácia do sistema eleitoral são totalmente idiotas. O sistema brasileiro é fantástico.

Não estou dizendo que vai acontecer [uma ruptura], mas é preciso atenção.

Quais os efeitos da Guerra da Ucrânia na Inglaterra?

O principal é a alta de preços, o impacto da economia tem sido muito severo. Vejo isso nas minhas contas de água e de luz. Com exceção dos mais velhos, os ingleses não têm experiência nenhuma com inflação.

E vai piorar porque o inverno está chegando em quatro meses. Agora, no verão, não precisamos usar o sistema de aquecimento, mas daqui a pouco ele será necessário. Como as famílias mais pobres farão? Vão escolher comprar comida ou pagar o sistema de aquecimento?

Raio-X Kenneth Maxwell, 81

Nascido na Inglaterra em 1941, graduou-se em história no St John’s College, em Cambridge. Nos EUA, lecionou nas universidades Yale, Princeton e Columbia, e dirigiu o Centro de Estudos Brasileiros do David Rockefeller Center for Latin American Studies, da Universidade Harvard. Autor de livros como "A Devassa da Devassa", sobre a Conjuração Mineira, "O Livro de Tiradentes" e "O Império Derrotado", a respeito da revolução e da democracia em Portugal. Foi colunista da Folha durante vários anos.

Veja a íntegra da conferência de Kenneth Maxwell na USP

"De Pombal à vinda da Corte: Mudanças do Reino" foi o tema da apresentação, realizada no dia 29 de agosto

Sou muito grato à professora doutora Vera Lúcia Amaral Ferlini e à cátedra Jaime Cortesão, da Universidade de São Paulo, pelo convite para participar desta conferência sobre o bicentenário de Independência do Brasil. E é especialmente oportuno que estejamos todos aqui no auditório nomeado pelo nosso saudoso Nicolau Sevcenko, da USP e também de Harvard. Filho de refugiados ucranianos, devemos lembrar.

E é também importante lembrar que Jaime Cortesão exilou-se no Brasil, pela sua forte oposição à ditadura militar portuguesa e depois ao regime de Salazar. Jaime Cortesão foi feroz defensor da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão e da autonomia das universidades.

O historiador Nicolau Sevcenko (1952-2014) em mesa realizada em 2002 - Joao Wainer

É particularmente bom para mim aproveitar esta oportunidade desse reencontro com os meus velhos colegas e amigos, o professor Jobson de Andrade Arruda e a professora Maria Arminda do Nascimento Arruda. E também com os professores Carlos Guilherme Mota e Fernando Novais.

Pertencemos à mesma geração, jovens professores de história da década de 1960 e 1970 —ao menos na entrada no mundo acadêmico num período de forte contestação e conflitos—, num Brasil que ingressa nos anos de chumbo, e nos Estados Unidos por causa da Guerra do Vietnã.

O Carlos Guilherme me notificou da perseguição dos seus colegas da USP, particularmente o Caio Prado Júnior. À época, mobilizei uma carta de protesto público, assinada pelo meu orientador, da Universidade Princeton, Stanley Stein, e por meio dele Richard Morse em Yale, e Charles Wagley na Columbia, e outros distintos professores americanos. E eu fiz uma petição de protesto na Assembleia da American Historical Association, a pedido de Ralph Della Cava.

É importante lembrar neste momento de ataques à liberdade de expressão, aos intelectuais e às universidades os desafios que enfrentamos no passado, e vocês enfrentaram, especialmente aqui no Brasil. Encontrei pela primeira vez o Carlos Guilherme em um navio de mala real inglesa, o Aragon, em 1967, en route do Rio de Janeiro para Lisboa. Carlos Guilherme ia para Toulouse para estudar sob a orientação do grande historiador das revoluções no Atlântico no século 18, o doyen francês, o professor Jacques Godechot.

Em Lisboa, fomos convidados para jantar com o doutor Ayala Monteiro, então diretor de serviços internacionais da Fundação Gulbenkian. Era um jantar memorável no apartamento dele, na rua das Janelas Verdes, com uma vista maravilhosa para o rio Tejo. Depois da refeição deliciosa, ele nos serviu um café feito, disse orgulhosamente, de grãos de café de várias partes do território português, na África, na Ásia e no Brasil.

Quando eu disse, em 1964, a Ayala Monteiro que tinha a intenção de estudar a Independência do Brasil, ele me disse que não havia nada a estudar: a independência do Brasil teria sido presente dos portugueses aos brasileiros. Não pretendo falar mal do doutor Ayala Monteiro porque ele foi o responsável pelo meu engajamento com o mundo luso-brasileiro, e sou eternamente grato por isso e também à Fundação Gulbenkian.

Mas, naquele momento, ele articulou uma certa verdade sobre as atitudes dos portugueses para com o Brasil e vice-versa –que se verifica simbolicamente na atual necrofilia do Planalto com a ida do coração no formol do dom Pedro 1º a Brasília, com honrarias militares, como se isso não pusesse em questão os próprios sentidos da comemoração de certa descolonização. O coração —não devemos esquecer— de um príncipe português, futuro imperador do Brasil, e depois, futuro rei de Portugal.

Mas vamos para o assunto da minha palestra…

As três vertentes ou os três legados da influência pombalina no Brasil no período antes de 7 de setembro de 1822. Todos são frutos das ações do marquês de Pombal e todos são reflexos do seu Iluminismo e do seu despotismo, ou resultados do paradoxo pombalino, de um Estado extremamente racional com um Estado extremamente despótico.

Martinho de Mello e Castro foi um bom representante do lado metropolitano do legado de Pombal. Mello e Castro foi ligado à industrialização portuguesa promovida por Pombal, e à dominante oligarquia de grandes casas de homens de negócio, protegida pelo marquês, e que sobreviveu à sua queda do poder em 1777.

Mello e Castro foi responsável pelo abandono da administração bem cuidadosa, característica do tratamento dado ao Brasil pelo marquês. Pombal nunca esqueceu a mobilização dos brasileiros – de todas as etnias – contra os invasores holandeses, no século 17 no Nordeste. E sempre alertou os governadores portugueses dessa história nas suas instruções. E o abandono dessa política de conciliação pelos seus sucessores resultou diretamente na eclosão da Conjuração Mineira.

Retrato do marquês de Pombal (1699-1782) atribuído a Joana de Salitre - Reprodução

O primeiro legado é então o impacto das reformas pombalinas no Brasil, do seu Iluminismo, a renovação da educação, da organização militar depois da guerra de sete anos, da criação dos coronéis de milícias empossados em todo o território brasileiro, entre os chamados "homens de bem" regionais.

Esta tradição é exemplificada pela atuação de Pombal e de seus seguidores, particularmente dom Rodrigo de Sousa Coutinho, futuro conde de Linhares, e de José Bonifácio de Andrada e Silva.

Em contrapartida, o impacto também pombalino do autoritarismo e despotismo, especialmente a sua ação contra a Companhia de Jesus, e a aristocracia —e o estímulo de um poderoso grupo de empreendedores portugueses, ligados, no caso brasileiro, às políticas pós-pombalinas de um neomercantilismo feroz, exemplificado pelo Martinho de Mello e Castro, de pelo intendente geral da polícia, Diogo Inácio de Pina Manique.

Pina Manique era um homem da confiança do marquês de Pombal e grande inimigo depois das ideias oriundas da Revolução Francesa. Foi responsável pela proibição de livros, de publicações, e pela perseguição a intelectuais supostamente ligados às ideias revolucionárias e jacobinas.

Essas duas vertentes foram resultados das políticas pombalinas —e é de fato parte do paradoxo da dominação de Pombal em Portugal e no Brasil—, um homem do despotismo, mas também do iluminismo. Mas ambos têm impactos pós-pombalinos no Brasil —na Conjuração Mineira, e na formação da geração luso-brasileira dos anos 1790, exemplificada por José Bonifácio. E que idealizou um grande e moderado e federativo império luso-brasilero, com sede no Rio de Janeiro.

O segundo grande passo está ligado ao impacto de eventos, de contingências, que resultaram no Brasil uma diminuição da influência das ideias republicanas e federalistas —tão importante nos casos das conjurações mineira e baiana, de 1798, e depois da vinda da corte portuguesa ao Brasil a eclosão da rebelião republicana e federativa em Pernambuco durante 1817.

Mas tudo isso é o reflexo da Grande Revolta dos africanos escravizados de Saint-Domingue, nas Antilhas francesas, em 1792, e na formação, em 1805, da Segunda República Independente das Américas, a república de ex-escravos no Haiti, o que representava uma grave ameaça existencial às zonas de escravatura nas Américas, do Rio de Janeiro à Virgínia. E mudou completamente a reação das pessoas brancas nas Américas aos indícios de rebeliões internas —que sempre nas Américas traz a possibilidade de uma ameaça racial à classe dominante.

O terceiro e último aspecto é o impacto da cronologia. As atitudes antes e após as revoluções francesa e haitiana. Até 1789 e 1792 podíamos falar de uma época das Revoluções Atlânticas. Depois entramos numa época de uma forte onda contra revolucionária, liderada pelo poder naval britânico.

É importante lembrar que a independência brasileira aconteceu nesta jornada contrarrevolucionária, sob os olhos dos britânicos, mas também do príncipe Metternich. E a mulher de dom Pedro era não menos de uma arquiduquesa austríaca, Maria Leopoldina, nascida no palácio de Schönbrunn, em Viena. É importante lembrar que a independência do Brasil aconteceu nesta época, não a da revolução atlântica, mas no período de plena contrarrevolução Atlântica.

Em carta ao futuro marquês de Pombal, em agosto de 1752, o duque Silva-Tarouca relembrou as ideias imperiais de dom Luís da Cunha, seu colega nas negociações de Utrecht.

"É o Brasil, adonde os Reys de Portugal podem vir sucessivamente a ter hum Imperio, como o da China, e ainda mayor que a França, Allemanha e Hungria, unidas se fossem em hum só corpo", observou ele. Se Portugal tinha 2 milhões de habitantes, a América Portuguesa —pelo menos 30 vezes maior— poderia sustentar 60 milhões, igual ao que o padre Du Halde estimava como sendo a população da China.

Muito cuidado, portanto, deve-se ter em povoar a América Portuguesa, prosseguia o duque, "Moiro, Branco, Negro e Índio, Mulato ou Mestiço, tudo serve, todos são homens, são bons se os governam ou regulam bem e proporcionadamente ao intento". Da população virá o desejado progresso agrícola e comercial. E, em especial, na grande bacia amazônica devem ser mantidas tropas, fortalezas e bons administradores… "Que a povoação é, ao meu fraco entender, o tudo: não servindo de mais nada muitas mil léguas de desertos."

As profundas mudanças internas do sistema luso-brasileiro advieram da interação de complexas transformações sociais e econômicas, das decisões políticas e da política internacional. Portugal e sua colônia do Novo Mundo chegaram a um novo tipo de relacionamento. Pelo fim do decênio de 1770 tanto internamente, na estrutura imperial, quanto externamente, entre o Império e o mundo em que se situava, a situação era substancialmente diversa da que prevalecera na maior parte do século 18.

O fim da idade do ouro produzira a emergência de uma burguesia nacional poderosa, implantada na metrópole. Os interesses desta elite mercantil-industrial metropolitana, embora ainda subordinados a uma ampla escala de prioridades imperiais, sob o controle de um ministro todo-poderoso, iam-se tornando crescentemente incompatíveis com o mercantilismo notavelmente flexível do estado pombalino.

"Os nomes e vestidos velhos" que o duque Silva-Tarouca re­comendara como sempre capazes de disfarçar "grandes disposições em novas" tinham acobertado iniciativas incoerentes com a política colonial formulada no interesse exclusivo da metrópole.

As "máxi­mas infalíveis" de Mendonça Furtado escondiam aberrantes carac­terísticas não mercantilistas. A Junta do Comércio de Lisboa ajuda­va diretamente empresas industriais e transformadoras no Brasil. A Companhia do Grão-Pará e Maranhão mantinha uma fábrica de tecidos no Pará. Tanto as companhias exclusivas quanto a adminis­tração colonial local valiam-se do pagamento de subsídios e de pre­ços garantidos para estimular novas mercadorias.

Além disso, ho­mens da colônia, eminentes por suas riquezas e posições na socieda­de, participavam agora da nova organização militar-administrativa. O governo português atuava, na maioria dos casos, conforme as prudentes recomendações de Pombal ao governador de Mato Grosso, Luís Pinto de Sousa Coutinho.

Havia algo de sólido no raciocínio em que se baseava a adver­tência de Pombal a Luís Pinto. A heroica tradição brasileira de an­tagonismo às invasões estrangeiras nunca era esquecida por ele. A luta de Pernambuco e da Bahia contra os holandeses, no século 17, e as recentes ações contra os franceses no Rio de Janeiro, no século 18, eram citadas seguidamente em sua correspondência diplomática, oficial e privada. Precisamente tais exemplos eram usados para justificar a ampla base local das instituições militares da colônia, com a criação de numerosos regimentos de reserva (auxiliares) sob o controle dos magnatas locais.

Vista aérea do Forte das Cinco Pontas, no Recife, construído pelos holandeses no século 17 - Reprodução

A histórica participa­ção e mobilização dos brasileiros em sua defesa própria também era gratuitamente apontada aos ingleses, cujo governo enfrentava a re­volta de seus colonos na América do Norte. Pombal observou, em novembro de 1775, que as táticas dos anglo-americanos eram idên­ticas às dos pernambucanos: "os habitantes da América inglesa es­tão actualmente copiando e seguindo o mesmo idêntico plano com que os bons vassallos portugueses de Pernambuco e da Bahia de Todos os Santos se propozeram lançar, como lançaram, fora d’aquelas duas úteis capitanias os usurpadores hollandezes".

Pombal notou que os exér­citos de Jorge 3º jamais derrotariam os rebeldes, embora a perda da América inglesa pudesse ser evitada se Londres agisse com pru­dência e permitisse que os colonos tivessem seus próprios parla­mentos, que sempre poderiam ser controlados pelos funcionários reais e pela distribuição de favores.

Por uma formidá­vel combinação de circunstâncias é que o crescente conflito aberto no interior do esquema imperial coincidiria com o desmoronamen­to do sistema mercantilista da potência colonial europeia mais po­derosa.

Assim, a despeito das tendências estarem, nos dois lados do Atlântico, salientando os interesses divergentes e contraditórios en­tre Portugal e Brasil, Pombal continuava a ver a pressão externa contra o Império português como ameaça muito mais perigosa do que a possibilidade da desintegração interna. Enquanto ele perma­neceu no cargo não houve recuo na política que pusera em prática, nem no modo tolerante e flexível com que ela era implementada.

Já nos anos da década de 1770, quando o velho marquês de Pombal ficava mais solitário e desconfiado em sua preeminência, e o peso esmagador da máquina governamental altamente centraliza­da produzira uma imensa base nos autos administrativos, a dire­ção central afrouxou. Embora isso não tivesse imediatas e sérias consequências em Portugal, houve uma significativa lassidão no rigor da vigilância da Real Fazenda sobre as Juntas da Fazenda colo­niais.

Retrato do marquês de Pombal em gravura - Reprodução

Esse estado de coisas teve resultados particularmente danosos em Minas, onde a Junta regional era parcialmente responsável pela arrecadação do quinto real da capitania, anteriormente a mais importante das receitas da Coroa, sendo ainda responsável direta pela contratação da arrecadação das substanciais entradas de Minas, dos dízimos da capitania e de outras receitas.

Pelo fim do decênio de 1770 tinham sido postas de lado, virtualmente, as estipulações da lei de 1750, a despeito do contínuo fracasso do intento de completar as cem arrobas anuais da cota de ouro. Depois de vários esforços mal-sucedidos, nos primeiros anos 1770, a taxa per capita —a derrama— para completar o montante jamais fora imposta, embora prevista em lei.

Como tenho explicado na "Devassa da Devassa", a autoridade governamental, localmente, sempre se apoiara em um acordo de tolerância mútua entre os poderosos da zona e a administração real. Um Estado do século 18, entretanto, embo­ra formalmente autocrático, contava em última instância com limi­tados poderes de coerção. O sistema pombalino, reconhecendo e oficializando esse status quo, e carente de burocratas honestos e efi­cientes, assumia riscos consideráveis ao trazer as oligarquias locais tão para perto da estrutura governamental.

Na imensidão brasileira, o poder e a riqueza não eram contidos pelas restrições mais sutis de uma sociedade tradicional. Medidas que pareciam lógicas em um país pequeno como Portugal, onde a autoridade do monarca sem­pre estava próxima, e as benesses ou o descontentamento do gover­no central podiam se fazer sentir mais rápida e efetivamente, produ­ziam na colônia efeitos completamente opostos aos pretendidos.

Supervisionar e conter as atividades dos interesses privilegiados estabe­lecidos de Lisboa era bem diferente do que controlar os dos colabo­radores coloniais admitidos no esquema administrativo-militar do Brasil.

Na América portuguesa os postulantes à posição de agentes da autoridade real não eram, comumente, distinguíveis da plutocracia brasileira, e o Estado em vez de moldar os colaboradores esco­lhidos ao seu interesse era, ao contrário, submetido às ambições pessoais e aos interesses dos homens que participavam dos órgãos do governo.

E, ainda, a participação de homens de negócios e latifundiários na administração pública só funcionava em favor dos interesses do Estado quando havia coincidência dos interesses imperiais com os locais, e na medida em que a vigilância constante do governo central pressionasse no sentido das prioridades gerais sobre os interesses pessoais e facciosos da oligarquia local.

A participação dos grupos locais no próprio mecanismo governamental, bem da maneira como o duque Silva-Tarouca recomendara no início do decênio de 1750, não dava como resultado obrigatório o fortalecimento dos vínculos naturais entre metrópole e colônia, que eram objetivo do duque e, na opinião de Pombal, o corolário implícito do procedimento.

Mas como eu já disse, a questão cronológica é crítica…

Dom Rodrigo de Souza Coutinho, que sucedeu a Mello e Castro como ministro dos Domínios Ultramarinos em Lisboa, tinha procurado conciliar os brasileiros que tinham sido tentados a seguir os conspiradores mineiros, incluindo receber propostas favoráveis do exilado conjurado, José Álvares Maciel, para desenvolver minas de ferro em Angola.

Entre 1796 e 1803, dom Rodrigo introduziu uma série de grandes reformas em Portugal e no Brasil. Colaborou estreitamente com os metalúrgicos brasileiros, Manuel Ferreira da Câmara e José Bonifácio de Andrada e Silva, que tinham sido enviados aos principais centros europeus pelo seu irmão dom Luis de Souza Coutinho, com instruções compostas pelo abade Corrêa da Serra.

Mas dom Rodrigo reagiu com fúria à trama baiana de 1798, claramente influenciada pelas revoluções Francesa e Haitiana. As autoridades portuguesas tinham razão em estar preocupadas. O Diretório (1795-1799) na França estava de fato a considerar o apoio a um movimento anticolonial na Bahia, incluindo ter relatórios sobre a Bahia de oficiais que tinham visitado a cidade.

Dom Rodrigo ordenou que os revolucionários baianos com as suas "abomináveis ideias jacobinas" não recebessem qualquer moderação na sua punição. Quatro dos líderes foram enforcados no centro da cidade, e três deles, homens livres de cor, Lucas Dantas, João de Deus, e Manuel Faustus, foram decapitados e esquartejados, e partes dos seus corpos cortados expostos em locais públicos. Sete homens, cinco homens livres de cor e dois escravos foram publicamente chicoteados e forçados a testemunhar as execuções.

Eles, juntamente com os restantes prisioneiros foram, sob a instrução de dom Rodrigo, para serem "totalmente separados dentre os leais vassalos da rainha", e serem literalmente abandonados ao longo da costa africana.

Nascido em Santos, em São Paulo, José Bonifácio tinha passado 36 anos na Europa. Era aluno de Domenico Vandelli em Coimbra, um cientista trazido de Itália pelo Marquês de Pombal, onde José Bonifácio ganhou o doutoramento em mineralogia. Tinha sido patrocinado numa viagem de estudo científico de dez anos à França, Alemanha e Suécia, pelo ministro português, Luís Pinto de Sousa Coutinho.

José Bonifácio tinha mobilizado os estudantes de Coimbra em oposição armada aos franceses durante a Guerra Peninsular. O filho de Vandelli, Alexandre Antônio Vandelli, tinha casado com Carlota Emília de Andrada, filha de José Bonifácio. José Bonifácio manteve contato com Rodrigo de Sousa Coutinho que, após a fuga da corte portuguesa para o Brasil, tinha sido elevado a conde de Linhares e era ministro dos Negócios Estrangeiros do Príncipe Regente, dom João.

A 26 de março de 1810, dom Rodrigo tinha dito a José Bonifácio que ele "podia descansar satisfeito com o Brasil, tão grandes são os seus destinos". No entanto, em 30 de outubro de 1811, tinha escrito a José Bonifácio para dizer que estava "muito velho, cansado e estimado menos do que a triste espécie humana, com exceção daqueles como José Bonifácio que mereceram tudo".

Dom Rodrigo morreu três meses mais tarde, a 26 de janeiro de 1812. Numa carta a dom Domingos Antonio de Souza Coutinho, o conde de Funchal, que era irmão de dom Rodrigo, e que era embaixador em Londres e que se dizia ser o próximo ministro no Brasil, José Bonifácio, referindo-se ao papel do Luiz de Vasconcellos e Sousa, o vice-rei do Brasil durante a conjuração mineira, recordou a "perseguição do Kaffir Luís de Vasconcelos, de memória bestial...".

José Bonifácio recomendou a Domingo de Sousa Coutinho a retomada da tradição pombalina para o governo do Brasil e fez uma série de sugestões. Ele escreveu que era essencial conseguir a "mais difícil amálgama que liga o metal heterogêneo, brancos, mulatos, negros livres, e escravos, índios etc., num sólido corpo político". Ele enviar-lhe-ia ideias sobre as novas leis reguladoras da escravatura "que é o inimigo amoral e político mais cruel que temos nesta Nova China que, se não curarmos este cancro, será bom para o Brasil".

Thomas Jefferson tinha tomado a posição contrária. Nas suas "Notas sobre o Estado da Virgínia" (1787), ele expressou o seu medo da miscigenação. Ele argumentou que os negros quando libertados "devem ser removidos para além do alcance da mistura". Acrescentou: "Não será (diferença de cor) a base de maior ou menor proporção de beleza nas duas raças?". Acrescentou: "Acrescente a estas, cabelo fluente, uma simetria de forma mais elegante, o seu próprio julgamento a favor dos brancos, declarado pela sua preferência por eles, tão uniformemente como a preferência do orangotango pela mulher negra em detrimento dos da sua própria espécie".

O próprio Jefferson tinha escrito leis antimiscigenacionistas em 1779, enquanto servia na Assembleia Geral da Virgínia, intitulada "A Bill Concerning Slaves". Afirmava "se qualquer mulher branca tiver um filho de um negro ou mulato, ela e o seu filho sairão da comunidade no prazo de um ano após". Como observa o professor Bruno Carvalho da Universidade Harvard –"considerando que Jefferson foi pai de alguns, se não de todos os seis filhos de Sally Hemings, alguns destes estatutos teriam sido aplicados no seu próprio caso". Aplicáveis seriam certamente à família em que se casou, uma vez que Sally era meia-irmã da sua mulher, ambas filhas de um homem branco rico, John Wayles.

José Bonifácio acabou por regressar ao Brasil em 1819. Como primeiro-ministro de um Brasil independente, introduziu a sua proposta de emancipação em 1824 na primeira Assembleia Constituinte do Rio de Janeiro. Mas descobriu que as suas ideias se revelaram demasiado liberais para os deputados da Assembleia Constituinte. José de Sá Bittencourt, o irmão mais velho de Manuel Ferreira da Câmara, que tinha acompanhado José Bonifácio na sua missão científica patrocinada pelo governo, na França e na Alemanha, tinha escrito entusiasticamente a José Bonifácio em 1821 de Sabará, em Minas Gerais.

José Bonifácio havia sido recentemente nomeado ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros no Rio de Janeiro. José de Sá Bittencourt enviou-lhe uma cópia das suas "memórias mineralógicas da comarca de Sabará". Ele acrescentou: "Com que tristeza, excelente senhor, lembro-me do governo infernal do déspota Barbacena; e com que satisfação vejo agora Vossa Excelência à frente da direção dos assuntos públicos, para dar a este ramo da ciência todo o apoio neste continente que a natureza deu com uma mão liberal, prodigiosamente tudo o que é grande, tanto em minerais como em vegetação. E agora, senhor, a sensação de tanto tempo perdido".

Mas o novo imperador do Brasil, dom Pedro, filho de dom João 6º, retirou em breve José Bonifácio do cargo e exilou-o em Bordeaux, na França. O seu manifesto contra a escravatura foi impresso na França e na Inglaterra. Deveriam ser os argumentos de José Álvares Maciel, que se tinha matriculado em 1782, um ano antes de José Bonifácio na Universidade de Coimbra, e que tinha trazido o "Recueil" em 1788 de Birmingham para o Brasil que ganhou o dia.

Sem os escravos, José Álvares Maciel defenderia junto aos conspiradores mineiros em Vila Rica em 1788, a economia entraria em colapso. José Bonifácio tinha se matriculado em Coimbra no mesmo ano que José Joaquim Maia e Barbalho, que em Nimes, França, tendo entrado em contato com Thomas Jefferson. José Bonifácio tinha desejado a "amálgama" das raças no Brasil. Jefferson queria a segregação racial nos Estados Unidos.

Cipriano José Barata de Almeida foi o deputado de 60 anos que representou a Bahia na reunião da Assembleia Constituinte em Lisboa. Tinha sido um dos únicos oito homens brancos detidos entre os 32 prisioneiros durante a dura repressão da revolta de 1798 dos alfaiates em Salvador. Ele enfureceu os portugueses com os seus discursos e mais tarde tornou-se um dos mais notáveis adversários do conservadorismo de dom Pedro.

Em 19 de Setembro de 1822, perante a hostilidade explícita dos deputados portugueses e de um público barulhento e hostil que se encontrava nas galerias, Barreto disse aos seus colegas acima do burburinho: "Adeus, senhor Portugal, passe por cá muito bem".

Pouco depois, em 5 de outubro de 1822, os deputados brasileiros escaparam secretamente à noite de Lisboa por barco de pacote para Falmouth na Inglaterra, antes de regressarem ao Brasil. Este foi um momento decisivo na separação do Brasil de Portugal. Cipriano Barata foi um jornalista de sucesso e polêmico no Recife que mais tarde foi apreendido e preso e depois transferido para o Rio de Janeiro, onde ficou preso na fortaleza de Santa Cruz sem acusação durante sete anos, vítima do "despotismo" de dom Pedro. Foi libertado pelo recém-criado Supremo Tribunal de Justiça em 1830.

Rafael Cariello e Thales Zamberlan Pereira, no seu novo livro sobre a independência brasileira, começam e terminam com Cipriano Barata, tal como fazem com as observações do espião que trabalha para Paulo Fernandes Viana, o intendente geral da polícia do Rio de Janeiro, o misterioso imigrante francês François Etienne Raymond Cailhe de Geine, responsável pelo "relatório sobre a situação da opinião pública".

A intenção da polícia era obviamente a outra herança de Pombal, através de Pina Manique em Lisboa a Fernandes Viana no Rio de Janeiro. Era o patrimônio do despotismo pombalino. A história da independência brasileira é contada portanto não através da imagem heroica (e plagiada) de Pedro Américo de dom Pedro nas margens do rio Ipiranga, mas através do estabelecimento de instituições, de representação política, e de justiça, e sobretudo através do trabalho fiscal dos orçamentos de Estado em Portugal e no Brasil em momentos críticos de transição política em 1820-1822 e 1828-1831.

Esta é uma "longa história" que se estabelece cronologicamente entre a chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808 e a abdicação de dom Pedro em 1831, e geograficamente é uma "história em profundidade" que se desloca do extremo norte do Brasil em Belém, na foz do poderoso rio Amazonas, para a "banda oriental" do rio da Prata, no extremo sul, que mais tarde se tornou o Uruguai. E inclui a contra-história do aborto republicano em Minas Gerais em 1789 e do federalismo republicano reprimido em Pernambuco em 1817.

Pintura "Independência ou Morte!", de Pedro Américo, no Salão Nobre do Museu do Ipiranga - Eduardo Knapp/Folhapress

Afasta-se politicamente da contestação da insurreição do Porto de 1820, que exigira que dom João 6º regressasse a Portugal e se submetesse a uma nova Constituição, com deputados eleitos e com controle parlamentar sobre as despesas governamentais. Em Fevereiro de 1821, uma massa de soldados e cidadãos armados no Rio de Janeiro exigiu que dom João 6º se comprometesse a dar o seu apoio a um novo regime constitucional e representativo. A convocação em Lisboa de uma Corte Constituinte no início de 1821, com representantes do Brasil, assistiu à chegada a Lisboa de Cipriano Barata da Bahia e Antônio Carlos de Andrada, o irmão de José Bonifácio, de São Paulo.

Os momentos críticos da crise fiscal no fim da residência de dom João 6º no Rio de Janeiro em 1821, e a crise fiscal que marcou o fim do reinado do imperador dom Pedro em 1831. Nessas duas ocasiões, os preços elevados dos alimentos e a inflação e o rebaixamento da moeda e a emissão descontrolada de papel moeda do Banco do Brasil, provocaram distúrbios populares, e a violência antiportuguesa contra pequenos comerciantes e lojistas nas ruas das cidades portuárias.

Mas mostram também que a independência brasileira não foi sem violência, nem sem sorte. E, ao longo de toda a sua história, proporcionam um interrogatório vivo, abrangente, e por vezes altamente crítico, da historiografia da independência brasileira.

Mas terminam com uma reprimenda. Cipriano Barata foi mantido numa fortaleza, "onde o ar não circula, a umidade é constante, e o calor é avassalador". No entanto, teve sempre o serviço de um homem escravizado, contado entre os seus bens, e cujo nome desconhecemos. O recém-estabelecido Estado brasileiro foi capaz de tirar quase tudo de Cipriano Barata, mas não esta propriedade humana que devia ser a ordem suprema da nação emergente.

O Brasil foi, como Cariello e Pereira enfatizam, uma nação construída na base de indígenas escravizados e de povos africanos transportados pelo Atlântico. E foi também uma nação construída com Assembleia Constituinte, com a separação de poderes, com um Parlamento, e com representação por voto. Muito melhor do que o despotismo que a precedeu.

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