Uma parte considerável do cinema contemporâneo se move em torno da palavra obstinação. De jogadores de futebol a cientistas e artistas, todos são chamados a se superar, quando não a se reinventar.
Em "O Próximo Passo", é o caso de Elise Gautier, papel de Marion Barbeau, que sofre uma séria lesão de ligamento no tornozelo direito, o que acontece logo após descobrir que, enquanto dança, seu amado transa com outra bailarina.
A desgraça nunca vem sozinha, mas no caso de Elise ela é agravada pelo frio diagnóstico dos médicos —o tratamento será duro e não há grande chance de que volte a dançar. Elise quase se conforma com a ideia, mas a ajuda de seu jovem fisioterapeuta Yann, papel de François Civil, vai dar novo alento a ela.
Ainda assim, é preciso ganhar a vida. A melhora é lenta, as dores, constantes et cetera. Para piorar, um encontro com o pai, vivido por Denis Polalydès, dá a certeza de que o forte dele não é compreender a filha.
Como nenhuma provação é eterna, Elise encontra uma boa amiga e conselheira (pois é mais velha) na pessoa de Josiane, papel de Muriel Rubin, enquanto trabalha como garçonete numa espécie de hotel que no momento abriga um grupo de dança moderna. Ali, Elise ganha a oportunidade de se reencontrar com a dança, embora todos os seus problemas restem por resolver —os afetivos, os profissionais (voltará a dançar?) e os familiares.
Por fim, há um piscar de olhos ao hip-hop, um aceno à cultura da periferia, normalmente riscada do mapa da cultura tida como normal. Quem melhor representa esse aspecto é o hábil bailarino Mehdi, vivido por Mehdi Baki. Ou seja, vamos parar de pensar no balé apenas como expressão aristocrática ou burguesa.
Como se vê, o quadro pode ser original, mas as questões propostas visam criar um filme com apelo vasto ao público que busca diversão, se possível de bom gosto e capaz de introduzir a um ou dois segredos do balé e a muitos detalhes de um demorado tratamento, ao longo do qual Marion precisa transcender a si mesma, enfrentar a dor e o medo, se superar.
Como se vê, para descrever o estado de espírito em que o espectador é mergulhado há que se recorrer a quase todo o vocabulário com que a ideologia neoliberal busca se naturalizar. E, como o diretor Cédric Klapisch não é um idiota, sabe que deve temperar isso com questões mais clássicas, supostamente eternas —as dificuldades das relações entre gerações no âmbito familiar, no âmbito amoroso.
Klapisch é capaz de criar um desenvolvimento liso à sua trama —que corre suavemente diante de nossos olhos, cumprindo todas as obrigações da convenção sem deixar a impressão, quase sempre, de as estar cumprindo— e de criar momentos de muita beleza, sobretudo nas cenas de balé, seja clássico, moderno ou hip-hop. Ao mesmo tempo, explora a fotogenia de seus atores e produz a imagem de uma juventude sempre saudável e capaz de lidar bem com seus problemas.
Um imenso "mas" no longa —não são raros os momentos em que se tem a impressão de estar diante de um filme publicitário. Por exemplo, e é só um exemplo, a cena em que um casal corre desabaladamente, um na direção do outro, pelas ruas de Paris.
É só um exemplo do que "O Próximo Passo" produz em matéria de imagens capazes de agradar ao espectador, recorrendo à sua memória televisiva. É também uma demonstração das vicissitudes que enfrenta um filme, hoje, em busca de um público razoavelmente mais amplo.
No caso, alterna algo informativo (talvez não inédito, mas isso não é tão importante) com um tanto de "cinema de qualidade" e outro tanto de lugares-comuns. No fim, contudo, não se pode dizer que não seja uma boa diversão.
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