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Rock in Rio

Rock in Rio é shopping center ao ar livre com música no cardápio

Festival deixou o pioneirismo de 1985 para trás e se curvou ao mercado, em vez de seguir ditando tendências

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Carlos Albuquerque

Whitesnake e Dua Lipa. A primeira atração internacional do Rock in Rio, em 1985, e a última atração internacional do Rock in Rio 2022. Entre esses dois extremos, evoluiu o festival e o mundo ao seu redor.

Rock in Rio 2022 - Mauro Pimentel/ AFP

A edição aberta pela voz machona de David Coverdale colocou o Brasil na rota de shows e virou referência —de som, luz e palco— para as produções no país.

A edição que seria encerrada pela voz felina de Lipa coroou mais um ano de sucesso comercial, mas deixou uma clara constatação. Se a vida começasse agora, o Rock in Rio seria apenas mais um grande festival, como outros.

Em 1985, não havia nada parecido no Brasil. Em 2022, o Rock in Rio concorre com Lollapalooza e vê, a distância, como vai a saúde de referências como o festival de Glastonbury, na Inglaterra. Vai bem, diga-se de passagem.

Com o apoio de conglomerados como Live Action e AEG, festivais de música viraram um dos grandes negócios do showbusiness, movimentando milhões de dólares e atraindo dezenas ou centenas de milhares de pessoas. O romantismo de Woodstock virou um pôster na parede.

O Rock in Rio acompanhou essa curva ascendente e hoje exibe a grandiosidade desse tipo de evento. Muitas atrações parecidas, muitos palcos, muita gente, muitos interesses. Mas algo ficou pelo caminho.

Hoje, a tão falada "experiência" do evento perde com a opressiva presença das marcas que patrocinam o festival. A Cidade do Rock parece um imenso shopping ao ar livre, com várias praças de alimentação e alguns palcos oferecendo música no cardápio. Sobram letreiros, falta verde.

Alguns ajustes são específicos e fáceis de resolver, como o som, que esteve algumas vezes baixo na edição de 2022. Outros, porém, são mais complexos. Apesar da sua celebrada grandeza, o Rock in Rio parece não ter noção da sua força e ainda se curva ao mercado na hora de escolher suas principais atrações, quando poderia ditar as regras e indicar caminhos e tendências.

As descrições do line-up no site do festival valorizam números de streams e ouvintes no Spotify, pouco mencionando qualidades artísticas.

Citar nomes e alternativas é entrar no escorregadio terreno das preferências pessoas. Mas…
Racionais MCs, Criolo e Emicida são potentes demais para um palco secundário. Baco Exu do Blues não deveria ser atração só na tenda de um banco. A América do Sul precisa estar presente. A África precisa estar presente, urgentemente. Chemical Brothers melhor que Marshmello.

Os acertos desta edição —como a escalação só de mulheres no último dia, por exemplo— indicam o caminho. O Rock in Rio, o festival que começou quando o Brasil buscava recuperar a democracia e hoje vê o país lutando para não perdê-la, precisa ser menos bandejão e mais caldeirão.

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