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Como sexo e irreverência invadiram Paris com a Miu Miu e a Thom Browne

Estilistas se mostram nostálgicos ao se inspirarem em trabalhos passados enquanto buscam a alternância dos códigos

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Vanessa Friedman
Paris | The New York Times

"Mude a história", dizia o folheto deixado em cada assento do desfile de Stella McCartney na Piazza do Centro Pompidou. Jerry e Jessica Seinfeld estavam por lá, batendo papo com Jeff Koons em plena madrugada. Os desfiles de Paris estavam enfim acabando, e a citação —de Yoshimoto Nara, artista japonês conhecido por seus retratos de meninas rabugentas e de olhos arregalados, cujo trabalho inspirou ao menos em parte a coleção— parecia servir como epitáfio para a temporada. A nostalgia predominou desde que a Fendi abriu a temporada em Nova York com uma celebração de 1997 e do nascimento de sua bolsa Baguette.

Outro traço característico foi o sexo, ou interpretações sobre o que é "sexy". É algo notável se considerarmos que as coleções, formadas principalmente por roupas femininas, coincidiram, de muito perto, com um período em que os direitos das mulheres estão sob ameaça cada vez maior. Mas não se pode afirmar que houve uma grande reconsideração do papel que a moda desempenha em estimular e expor o poder feminino nas passarelas.

Modelos desfilam looks da coleção primavera 2023 da Miu Miu durante a Semana de Moda de Paris
Modelos desfilam looks da coleção primavera 2023 da Miu Miu durante a Semana de Moda de Paris - Simbarashe Cha/The New York Times

Uma exceção foi Miuccia Prada, que combinou as duas coisas em seu desfile sem firulas para a Miu Miu, apostando forte no conjunto de traços que fez muito sucesso duas temporadas atrás —tops curtíssimos acompanhados por peças de corte baixo para a parte inferior do corpo—, e ajudou a acelerar a tendência rumo à retomada da moda da virada do milênio e às barrigas nuas, onipresente nos desfiles das quatro últimas semanas.

Mas desta vez ela optou por um foco mais funcional: cintos largos dotados de bolsos, com capacidade de carga semelhante à de uma sacola de compras, aparentemente presos com velcro à traseira das peças e capazes de funcionar como microssaias em uma emergência, retomando a velha ideia do cinto como saia.

Eles vinham acompanhados por calções boxer de corte masculino com as faixas de cintura aparentes, deixando de lado os vestígios de lingerie da temporada passada, e por tops em forma de sutiã, em muitos casos feitos de denim desbotado ou couro, com jaquetas e casacos combinados exercendo a função de camada superior. O desfile também incluía camisetas cor de barro em camadas, três delas de uma vez, ou decoradas com strass, além de peças de malha reluzentes e com transparências.

Cintos destacáveis também apareceram no desfile da Sacai, no qual Chitose Abe parece ter decidido controlar a tendência de complicar demais as peças híbridas que são sua assinatura, concentrando-se em pregas, com grande efeito. Havia pregas nas mangas dos agasalhos esportivos e nos traseiros de calças justas, e elas também foram usadas para criar um efeito trapezoidal nos cortes das jaquetas de corte preciso.

E em todas as peças havia cintos, de gabardine, com grandes bolsos salientes e inchados que lembravam um pouco alforjes, em mais uma referência histórica de que a moda parece estranhamente incapaz de abandonar, vide os vestidos de coquetel da Lanvin. Elas, porém, ofereciam um lado prático. É possível usar as peças com ouj sem os bolsos afixados, a depender do quanto a pessoa precise carregar. Isso dispensa o uso de bolsas.

Ainda assim, na maioria das vezes, o sistema parece ter voltado ao passado, com acrobacias na passarela, celebridades de Instagram e multidões lotando todos os espaços, dentro e fora dos locais de desfile, e fãs uivando pelas estrelas mais recentes do k-pop, que são presença indispensável na primeira fila dos desfiles recentes.

Os estilistas estão escavando seus próprios passados em busca de inspiração. Bem, quem não adoraria uma oportunidade de voltar atrás e fazer as coisas de novo, mas melhor, desta vez? O revisionismo é uma das grandes promessas da moda. Pelo menos para quem souber como usá-lo.

McCartney sabe, revisitando os sucessos que estabeleceram sua fama na virada do milênio: as calças hipster Savile Row, casacos de tamanho exagerado, blusas feitas com correntes, tudo isso nas cores primárias do museu em que aconteceu o desfile, mas com a confiança refrescante que só o tempo parece criar.

Mas embora o filme de abertura da Chanel, estrelado por Kristen Stewart, que meditava sobre a evolução da identidade, pareça ter tocado na mesma ideia —a de que "deveríamos atear fogo ao melhor do passado para que possamos começar de novo", como disse a atriz, talvez apontando para as dificuldades da estilista Virginie Viard com os legados de Coco Chanel e Karl Lagerfeld, e suas tentativas de tomar o controle de uma marca de herança tão forte—, o resultado foi menos que convincente. Em parte porque ele poderia ser resumido em uma palavra: shorts!

Esporte, bermudas, buclê, black-tie, xadrez, sapateado, passadista. Não importa qual seja o material ou estilo que você imagine, Viard o transformou em um short. Muitas vezes emparelhado com um casaco clássico e um par de meias arrastão decoradas com strass ou meias baixas. Isso tudo parecia menos uma revisão significativa dos códigos herdados do que um esforço um tanto transparente de conquistar o voto dos jovens. A diversidade de tamanhos na passarela, por outro lado, foi um verdadeiro passo à frente.

Modelos desfilam looks da coleção primavera 2023 da Thom Browne durante a Semana de Moda de Paris
Modelos desfilam looks da coleção primavera 2023 da Thom Browne durante a Semana de Moda de Paris - Simbarashe Cha/The New York Times

Pelo menos no caso de Thom Browne, que retornou a Paris depois de dois anos para demonstrar, mais uma vez, que as ferramentas da vida dos riquinhos americanos do passado têm lugar na Opéra Garnier, a reinvenção de uma história conhecida contou com um elenco um tanto inesperado e uma moral da história no final.

Isso tomou a forma de uma retomada barroca e paródica da história de Cinderela, em quatro atos, estrelada por Gwendoline ("Game of Thrones") Christie, MJ ("Pose") Rodriguez, um monte de tecido Oxford, e a promessa de que o "sapatinho cabe em todos os pés". No mundo de Browne, todas as heroínas podem ir ao baile de formatura da escola suburbana.

E elas podem fazê-lo em casacos tecnicolor de tafetá varsity transformados em capas de ópera, mais tarde abandonadas na passarela para revelar conjuntos com estampa de bolinhas e saias e calças baixas que revelam as roupas de baixo, tudo isso em uma sinfonia de tons de bala de goma. Também casacas, espartilhos e saias poodle extremas —que em vez de poodles traziam a imagem de Hector, o dachshund de Browne—, bem como vestidos de baile com algo de punk, e minissaias pregueadas.

No final da trilha sonora, "You're the One That I Want", de "Grease", trouxe de volta o príncipe e princesa, que começaram a dançar na passarela junto com os modelos. E aí entrou um Cadillac cor-de-rosa, no lugar da abóbora transformada em carruagem. Era muito difícil não sorrir.

O mesmo vale para o parque de diversões futurista criado pelo artista francês Philippe Parreno para a Louis Vuitton e o estilista Nicolas Ghesquière: um cenário na forma de uma gigantesca flor vermelha extraterrestre posicionada no centro do Cour Carrée do Louvre, com luzes carnavalescas em movimento e estames estendidos para o céu. Os modelos —e mais o embaixador da Vuitton, Jung Ho-yeon— saíram de dentro da flor, usando peças igualmente superdimensionadas que destacavam os adereços metálicos das bolsas da marca.

Um casaco de tweed em formato oval trazia um zíper enorme que se estendia até o queixo, como se fosse uma gola rendada. Fivelas gigantes serviam como cintos de espartilho, por sobre calças florais. Alças de ombro falsas criadas por tecidos estampados enfeitavam peças de couro, e alças reais se estendiam até as bainhas de vestidos de couro. Os cadeados dourados que decoram todas as bolsas Louis Vuitton serviam como elos para as alças de um vestido avental.

Detalhes irreverentes como esses não mudam a história, exatamente, mas brincam com ela, oferecendo, por fim, uma dose de alternância de códigos de moda que parece particularmente apropriada.

Tradução de Paulo Migliacci

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