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Lupicínio Rodrigues, que foi esnobado pelo Oscar, ganha filme na Mostra de São Paulo

Documentário de Alfredo Manevy mostra por que compositor caiu no esquecimento e casos de racismo que ele sofreu

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São Paulo

Augusto de Campos disse certa vez que Lupicínio Rodrigues andava, nos anos 1960, meio marginalizado, incompreendido e esquecido fora de sua própria terra. O poeta, que era fã do compositor, comparou o gaúcho a Shakespeare, dizendo que ele formulava como ninguém o sentimento de "cornitude", e tentou traçar hipóteses sobre o que teria acontecido para que ele saísse dos holofotes.

A admiração do poeta por Lupicínio está num dos relatos exibidos em "Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor", documentário de Alfredo Manevy que estreia na 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, neste sábado, dia 22.

O filme mostra como o músico se equilibrou entre o estrelato mediano, as oportunidades limitadas e o talento impactante. O tal ofuscamento do gaúcho, citado por Campos num artigo de jornal em 1967, ganha ali profundidade.

Segundo Manevy, que foi secretário-adjunto de Cultura da cidade de São Paulo e presidente da Spcine, entender o que fez o músico cair no esquecimento popular é o grande motor do documentário, que traz entrevistas com Gilberto Gil, Nelson Coelho de Castro, Zuza Homem de Mello, Jards Macalé, Arthur de Faria e Marcelo Campos.

Gil, por exemplo, detalha conversas que teve com o compositor, morto em 1974, sobre tropicalismo e as diferenças estéticas entre alguns dos principais movimentos musicais do país. Elza Soares, Linda Batista e o próprio Lupicínio também aparecem, em gravações antigas.

"Confissões de um Sofredor" mostra anda que "Se Acaso Você Chegasse", um dos maiores sucessos da carreira do gaúcho, vai além da letra romântica que conquistou o país na década de 1940. A canção não só se tornou trilha sonora do musical americano "Dançarina Loura", como também foi indicada ao Oscar de 1945.

Lupicínio, que na época trabalhava de bedel, porém, nunca foi consultado, muito menos creditado. Que dirá, então, agraciado pelos direitos autorais da trilha. Ainda assim, o documentário mostra que o músico ficou imensamente feliz quando soube.

Para Manevy, muito disso tem a ver com o contexto em que o músico estava inserido, já que, convenhamos, não é todo dia que bedéis têm a chance de ver uma composição autoral brilhar num filme estrangeiro.

Mas sorriso nenhum, claro, enche bolsos de dinheiro. E como houve outras ocasiões em que o músico não recebeu rendimentos pelas obras, surgiu nele o interesse de assumir a Sociedade Brasileira dos Compositores Autorais, na qual atuou por 28 anos.

Embora Lupicínio tenha emplacado vários sucessos entre as décadas de 1930 e 1960, ele nunca conquistou, de fato, autonomia para viver só de música. Durante a carreira, sua principal renda vinha mesmo dos barzinhos que administrava.

"Ele tinha que abrir bares para poder cantar, porque diziam que ele não era cantor. Ele nunca fez um show em Porto Alegre [sua cidade natal]. Isso é muito forte", diz Manevy.

O filme destrincha as diferentes facetas musicais do compositor, que navegou por samba carioca, guarânia , bolero, bossa nova e até tango argentino, e põe luz sobre sua vida pessoal, com várias cenas do próprio gaúcho falando de sua trajetória.

"No fim de sua vida, Lupicínio estava preocupado com esse apagamento que sofria, tinha medo de uma história que não fosse devidamente contada. Então, ele mesmo decide ir atrás de entrevistas", afirma o diretor.

Os lados mulherengo e machista do músico também ganham foco no documentário, que recupera frases dele que, se ditas por qualquer pessoa nos tempos atuais, poderia custar boas doses de cancelamento.

Manevy ressalta, porém, que Lupicínio teve um papel importante em incentivar mulheres, que, muitas vezes, adaptaram suas letras para pronomes femininos, cantando sobre dores de cotovelo sob a lente feminina. É o caso, por exemplo, de Elza Soares, que levou seu vozeirão grave para várias canções dele.

O documentário mostra ainda episódios de racimso sofridos pelo músico, desde os mais explícitos —como a vez em que um restaurante se recusou a atendê-lo por ser ele negro— até os mais implícitos, como o fato de que Ary Barroso, branco, concorreu ao Oscar um ano depois de Lupicínio ter sua trilha não creditada pelo prêmio. A dificuldade de traçar a genealogia do músico também é mencionada.

Se Augusto de Campos parecia não entender por que Lupicínio caía no esquecimento, "Confissões de um Sofredor" parece supor o racismo como causa principal.

Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor

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