Matthew Perry diz em livro que conheceu o inferno por vício em drogas e álcool

Astro de 'Friends' lembra crise que o levou ao coma e conta que gastou mais de US$ 9 milhões para ficar sóbrio

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Elisabeth Egan
Beverly Hills, Califórnia | The New York Times

Quando eu imaginava Matthew Perry, ator frequentemente identificado com o papel de Chandler Bing, o via no sofá cor de tangerina do Central Perk, ou sentado em uma das poltronas reclináveis gêmeas que havia no apartamento que ele dividia com Joey Tribbiani.

Em setembro, depois de chegar à casa alugada de 600 metros quadrados em que ele mora e de ser conduzida portão adentro pelo cuidador de Perry, me sentei diante dele, que estava acomodado em um sofá branco de uma sala de estar branca, a um mundo de distância de "Friends", a sitcom da rede NBC que esteve em cartaz por dez temporadas e arremessou todos os seus astros a um mundo de fama, fortuna e memes intermináveis.

O ator Matthew Perry em foto postada em sua rede social
O ator Matthew Perry em foto postada em sua rede social - @mattperry4 no Instagram

Em lugar da mesa de pebolim em torno da qual Chandler, Joey, Monica, Phoebe, Rachel e Ross se reuniam, ajudando uns aos outros a atravessar os primeiros capítulos da vida adulta, Perry, de 53 anos, tinha uma mesa de bilhar recoberta de feltro vermelho, que parecia intocada. Havia muita luz na casa, mas não muito calor.

Assisti a cada episódio de "Friends" três vezes —no horário nobre da televisão, em vídeo e na Netflix— mas não estou muito certa de que teria reconhecido Perry se eu o tivesse visto na rua.

Naqueles anos da década de 1990 em que seu programa era uma atração televisiva obrigatória, ele era uma espécie de terrier exuberante, memorável tanto por seu humor físico quanto pela inflexão que fez da frase "não tem como você ser mais [insira seu adjetivo preferido]" o bordão preferido da era. Agora, ele parece mais um buldogue apreensivo, com os vincos na pele do rosto que denotam esse estado.

Como confessou sua antiga colega de elenco Lisa Kudrow no prefácio que escreveu para "Friends, Lovers and the Big Terrible Thing", o livro de memórias de Perry, a primeira coisa que as pessoas perguntam a ele sobre "Friends" é muitas vezes "como está Matthew Perry?".

Perry responde a essa pergunta, no livro que a editora Flatiron lança no dia 1° de novembro, registrando sem enfeite suas décadas de luta cerrada contra o álcool e as drogas.

Seus vícios conduziram, em 2018, a uma odisseia médica que incluiu pneumonia, uma ruptura do cólon, um período em que ele só sobreviveu com a ajuda de aparelhos, duas semanas em coma, nove meses de uso de uma bolsa de colostomia, mais de uma dúzia de cirurgias de estômago e a constatação de que, aos 49 anos, ele tinha passado mais da metade de sua vida em centros de tratamento ou instituições de condicionamento de sobriedade.

A maior parte dessa história é relatada no prólogo. Em determinado momento, ele abre um parêntese para avisar que "pelos próximos parágrafos, este livro será uma biografia e não um livro de memórias, porque eu não estava mais lá".

O livro está repleto de revelações dolorosas, incluindo sobre um período curto em que ele sofreu de disfunção erétil induzida pelo álcool e um episódio no qual Perry descreve uma visita que fez ao dentista, levando no bolso do jeans um saquinho no qual carregava os seus dentes de cima. (Ele deu uma mordida em uma fatia de torrada com manteiga de amendoim e seus dentes caíram, ele escreve "sim, todos eles".)

No começo falando baixinho, e mais tarde, depois de relaxar um pouco, falando em um volume que permitiu que eu parasse de me preocupar com meu gravador, Perry discorreu sobre seus problemas de abuso de substâncias.

Tudo começou com a cerveja Budweiser e o vinho Andrès Baby Duck, quando ele tinha 14 anos, e mais tarde os problemas se agravaram e ele passou a beber litros de vodca e a usar Vicodin, Xanax e Oxycontin. Ele conseguiu evitar a heroína, uma escolha que diz que pode ter salvado sua vida.

Perry disse que estava sóbrio havia 18 meses, o que significa que estava livre das drogas e do álcool quando o programa de reunião do elenco de "Friends" foi ao ar, em maio do ano passado. "Eu devo ter gastado uns US$ 9 milhões tentando ficar sóbrio", ele disse.

A maioria dos viciados não têm os recursos de Perry. Mas eles pelo menos têm o que o ator definiu como "o dom do anonimato"; já no caso de Perry, seus momentos mais sombrios vêm sendo fotografados, registrados pela imprensa e ocasionalmente ridicularizados.

É bom deixar claro que Perry não se preocupa demais com sigilo quanto à participação nos programas do grupo Alcoólicos Anônimos, no qual ele apadrinha três membros. Segundo o ator, o sigilo "dá a entender que há um estigma e que temos que nos esconder". "A propósito, essa não é uma opinião popular."

Perry se animou bastante quando conversamos sobre "pickleball", sua mais recente obsessão. Ele construiu uma quadra na casa para onde está se mudando, no bairro de Pacific Palisades. O ator joga com amigos e contratou instrutores profissionais.

Ele disse que achou "que seria uma boa ideia jogar uma partida do jogo para me animar antes da entrevista, mas basicamente estou a ponto de cair dormindo no seu colo".

O que o inspirou a escrever um livro? Depois de sua prolongada internação em um hospital de Los Angeles, Perry começou a digitar textos sobre a história de sua vida em um aplicativo de anotações de seu celular.

Quando o relato chegou às 110 páginas, ele o mostrou ao seu empresário, que o incentivou a continuar. Ele trabalhava no texto na mesa de jantar de sua casa, por cerca de duas horas ao dia, não mais. "Era difícil enfrentar todas aquelas coisas."

Embora Perry espere que "Friends, Lovers and the Big Terrible Thing" termine por ser enquadrado na seção de autoajuda das livrarias, os fãs de "Friends" encontrarão lampejos comoventes de revelações sobre a série em suas páginas. Perry escreve com gratidão e apreço sobre as dez temporadas em que ele e seus colegas de elenco trabalharam juntos, no auge da série recebendo cachês de US$ 1 milhão por episódio.

Ele recorda um momento em que Jennifer Aniston visitou seu trailer e, "de um jeito meio esquisito mas ao mesmo tempo amoroso", disse a ele que os colegas sabiam que ele tinha voltado a beber. "Nós sentimos o cheiro da bebida em seu hálito", ela disse, e Perry acrescenta que "o uso do plural ‘nós’ foi uma verdadeira porretada para mim". Em outra ocasião, o elenco o confrontou em seu camarim.

Perry também faz uma revelação triste sobre seu casamento, na série. "Eu me casei com Monica e —no auge de meu ponto mais alto em 'Friends', o ponto mais alto de minha carreira, o momento mais emblemático de uma série emblemática— fui levado de volta ao centro de tratamento em um furgão dirigido por um enfermeiro da instituição de sobriedade."

O livro franco, sombrio mas ainda assim engraçado, de Perry vai valer a ele uma cátedra honorária —e espaço nas livrarias— ao lado de figuras como David Carr, Caroline Knapp, Leslie Jamison, Nic Sheff, Sarah Hepola e outros autores que exploraram a batalha renhida pela recuperação, minuto a minuto.

"O inferno existe", escreve Perry. "Não deixe que ninguém diga o contrário a você. Eu estive lá; existe; fim da discussão."

Ele afirmou que agora se sente melhor porque a história será conhecida. "Ela está lá, no papel. O motivo de eu ainda estar vivo certamente é para que possa ajudar outras pessoas."

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