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'A História da Felicidade' estuda trajetória da palavra pelos séculos

Livro de Peter N. Stearns desembaça origens e apresenta momentos da humanidade em que termo foi mais popular

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História da Felicidade

  • Preço R$ 79,90 (368 págs.); R$ 49,90 (ebook)
  • Autor Peter N. Stearns
  • Editora Contexto
  • Tradução Roberto Cataldo

Podemos nos perguntar qual a dificuldade para definir o miolo do assunto sobre o qual se está pesquisando. O historiador americano Peter N. Stearns não teve maiores problemas ao delimitar, há pouco mais de dez anos, a sexualidade como objeto de estudos. Seu livro foi um merecido sucesso e virou texto de referência. Agora, porém, ele volta à carga, mas com um tema bem mais escorregadio. Sua "História da Felicidade" acaba de ser traduzida pela Contexto.

A felicidade é muitas coisas ao mesmo tempo. Pode se referir ao prazer com que um chinês assistia ao espetáculo de um circo itinerante há 2.000 anos ou à vaidade provocada, no século 18, pelas roupas coloridas que passavam a ser vendidas em lojas britânicas.

Finlândia teve a maior pontuação nos seis fatores analisados pelo ranking: apoio social, corrupção, renda, liberdade e confiança e expectativa de vida saudável
Finlândia encabeça a lista de países mais felizes do mundo - Getty Image/ BBC Brasil

O fato é que Stearns faz percursos que singularizam o tema da felicidade e o desembaça por meio de explicações que o tornam em determinados períodos mais que evidente.

A começar pela longa passagem ocorrida nos primórdios da humanidade, do período dos caçadores-coletores à adoção do modelo da agricultura. Ela surgiu simultaneamente no mar Negro, no sul da China e na América Central. Por mais que não se tivesse então uma terminologia corrente para designar a satisfação e a saciedade, Stearns infere que na transição a felicidade saiu perdendo, porque a produção agrícola, mesmo que mais abundante, tinha menor valor nutritivo, levando as gerações a perder peso e a se expor a moléstias com maior facilidade.

A propósito, Stearns lembra que o geógrafo e historiador americano Jared Diamond afirmou, meio pateticamente, que a transição para a agricultura foi "o pior erro da história a raça humana".

Um dos motivos pelos quais a felicidade desaparece do vocabulário corrente está na ideia, religiosa ou filosófica, de que os homens e mulheres conseguem alcançar a felicidade na vida posterior à morte. Em paralelo, na Inglaterra do início do século 18 valorizava-se moralmente a "conduta melancólica" em razão de um Deus desprovido de alegria.

Outra maneira tangencial pela qual se aborda a felicidade está na criação, historicamente mentirosa, de uma "era de ouro" da humanidade, marcada no início dos tempos pela abundância de alimentos e a não obrigatoriedade do trabalho. A narrativa surgiu com o escritor grego Hesíodo, no século 6º a.C., e prosseguiu com Platão, com o romano Virgílio e chegou até 1772, quando o marquês de Chastellux, natural da Borgonha, na França, publicou a primeira história da felicidade.

Festejar é uma maneira de se tornar feliz. Em meados do século 19 os britânicos e americanos começaram a comemorar com festinhas os aniversários das crianças. Foi também no Reino Unido, diz Stearns, a partir de 1843, depois da publicação de "Um Conto de Natal", de Charles Dickens, que desejar feliz Natal associou a comemoração ao prazer da ceia no círculo familiar. Naquele ano também se comercializaram os primeiros cartões de Natal.

A felicidade não se mensura. Mas é possível fazê-lo com a quantidade de ocorrência da palavra no idioma escrito para demonstrar sua popularização. O Google –instrumento recente da historiografia –demonstra que a felicidade praticamente inexistia no início do século 17, mas seu uso em seguida aumentou exponencialmente, demonstrando que o conceito entrava de modo acelerado em circulação.

Outra maneira de mensurar está nas pesquisas que indagam nos diversos países se as pessoas são felizes, como o faz desde 2012 o Instituto Gallup, com o patrocínio da ONU. A Finlândia e países escandinavos encabeçam a lista, seguidos por Suíça, Holanda, Canadá e Nova Zelândia. Não muito atrás chegam os Estados Unidos, enquanto entre os países mais infelizes estão os atingidos por conflitos internos, como Sudão do Sul, Iêmen, Afeganistão e Síria.

O livro não faz referência ao Brasil, mas pesquisando o World Happiness Report, os brasileiros ocupam a posição de número 39, atrás de países como Arábia Saudita, Uruguai e Panamá. O que não é nem um pouco honroso, diante da imagem mais que positiva que o país tem em termos de natureza e produção agrícola.

Peter N. Stearns cita por fim, e meio sumariamente, o caso do minúsculo Butão, monarquia localizada no Himalaia, espremida entre a Índia e a China e que tem apenas 830 mil habitantes.

Pois bem, a partir de 1971 o país instituiu a felicidade interna bruta, medida a partir de fatores espirituais, sociais e ambientais, e que prevalece como critério acima do aumento da produção, do PIB. A experiência do Butão é estatisticamente marginal, mas não deixa de transportar uma lição preciosa ao estudo da felicidade.

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