Conheça o filme que Will Smith deixou pronto com a Apple antes do tapa no Oscar

Filme era o franco favorito do estúdio para o circuito de premiações, mas se tornou um dilema após polêmica com ator

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Nicole Sperling
Nova York | The New York Times

A Apple tem um problema com Will Smith. O ator é o protagonista de "Emancipation", filme ambientado na Guerra Civil americana que terminou de ser rodado este ano e que a Apple estava encarando como candidato indubitável a prêmios da Academia.

Will Smith recebe o Oscar de Melhor Ator por 'Kin Charles' - AFP

Mas isso foi antes de Will Smith invadir o palco da entrega dos Oscar, em março, e dar um tapa no humorista Chris Rock, que acabara de fazer uma piada sobre a mulher de Smith, Jada Pinkett Smith.

Desde então, Will Smith, que recebeu o Oscar de melhor ator naquela noite, saiu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e foi proibido de comparecer a quaisquer eventos ligados a ela, incluindo a cerimônia dos Oscar, pelos próximos dez anos.

A Apple agora se vê com um filme inédito de US$ 120 milhões nas mãos, digno de prêmios, estrelado por um ator que não é mais bem-vindo na cerimônia de entrega dos prêmios mais importantes de todos. E se vê diante de uma pergunta séria: mesmo que tenha sucesso em termos artísticos, o filme pode superar a bagagem toda que Will Smith agora carrega?

A situação é delicada. De acordo com três pessoas envolvidas com o filme e que pediram anonimato para falar do planejamento da companhia, há discussões na Apple sobre a possibilidade de lançar "Emancipation" até o final do ano, deixando-o aberto a ser cogitado para prêmios. Mas em maio a Variety divulgou que o lançamento de "Emancipation" seria adiado para 2023.

Perguntada para este artigo sobre quando e como pretende lançar "Emancipation", a Apple se negou a responder ou a dizer qualquer outra coisa sobre o filme.

Não há resposta fácil. Deve a empresa adiar o lançamento de um filme baseado num tema de grande importância histórica porque seu ator principal está com o nome sujo? Ou será que a Apple deveria lançar o filme e ver o que acontece? O público pode rejeitar a presença de Will Smith, possivelmente prejudicando um pouco o brilho da marca Apple. Ou pode reagir positivamente a "Emancipation", levando a uma campanha para o Oscar, e que, por sua vez, pode ofender membros da Academia.

E a questão de como fazer a divulgação de "Emancipation" vai atrair atenção especial a uma unidade de marketing de filmes que já vem atraindo críticas em Hollywood por economizar nos custos de sua publicidade e por sua comunicação desajeitada –sem falar que este mês afastou seu diretor de marketing por vídeo.

"Se a Apple guardar o filme na gaveta, isso vai prejudicar seu bom nome? Se o lançar, isso vai prejudicar seu bom nome?", indagou Stephen Galloway, diretor da Faculdade Dodge de Artes Cinematográficas e da Mídia, da Universidade Chapman, e ex-diretor executivo do The Hollywood Reporter. "Hollywood gosta de situações em que ou ela sai ganhando ou sai ganhando. Esta é uma situação em que ela sairá perdendo, de qualquer maneira."

Dirigido por Antoine Fuqua e com roteiro de William Collage, "Emancipation" é baseado na história verídica de um escravo foragido que escapou para o norte do país e alistou-se no exército da União para combater seus antigos captores.

Rodado nos arredores de Nova Orleans e prejudicado por atrasos provocados por furacões e a Covid-19, o filme conta a história de um homem conhecido como "Whipped Peter", ou Peter Flagelado, que foi fotografado de costas, mostrando as cicatrizes do açoite. A imagem mobilizou a causa abolicionista durante a Guerra Civil. As filmagens de "Emancipation" foram concluídas um mês antes da cerimônia do Oscar 2022, em março.

"Emancipation" já estava gerando especulações sobre possíveis prêmios em 2023, mas os planos de lançamento do filme foram postos em dúvida quando Will Smith correu para o palco dos Oscar e estapeou Chris Rock. Mais tarde, na mesma cerimônia de entrega, Smith recebeu o Oscar de melhor ator por seu trabalho em "King Richard: Criando Campeãs".

Embora Will Smith ainda possa ser indicado por sua atuação, as reações ao incidente do tapa significam que as chances de Oscar de "Emancipation" diminuíram muitíssimo.

Alguns na indústria do cinema pensam que lançar "Emancipation" juntamente com outros filmes candidatos a Oscar este ano só vai irritar os eleitores da Academia para os quais a ação de Will Smith foi motivo de constrangimento.

Em conferência recente com jornalistas, Bill Kramer, o novo CEO da Academia, disse que a cerimônia do Oscar de 2023 não vai mencionar o tapa, nem como brincadeira. "Queremos Oscars que celebrem o cinema", ele disse. "Nosso foco agora é sobre isso."

A presença de "Emancipation" poderia dificultar isso. Stephen Gilula, ex-co-CEO da Fox Searchlight, o estúdio responsável por trabalhos oscarizados como "12 Anos de Escravidão" e "Slumdog Millionaire", disse que se o filme fosse lançado no prazo que o viabilizaria para prêmios, entre agora e o final do ano, isso o colocaria sob pressão indevida e colocaria o tapa ao centro das discussões.

"Independentemente da qualidade do filme, toda a imprensa, todos os resenhistas, todos os repórteres, todos os articulistas, todos os prognosticadores de prêmios vão ficar atentos para isso e vão ficar falando do tapa", disse Gilula em entrevista. "Há um risco muito grande de que o filme não seria julgado puramente por seus méritos. Isso o colocaria num contexto muito inviável."

Para alguns, "Emancipation" pode ser bom demais para ser silenciado. A Apple exibiu o filme a uma plateia em Chicago este ano a título de teste, como revelaram três pessoas com conhecimento do fato que pediram anonimato por não estar autorizadas a discutir o assunto publicamente.

Segundo elas, a reação foi tremendamente positiva, especialmente a reação à performance de Will Smith, descrita por uma das pessoas como "vulcânica". No feedback que deram após a sessão, espectadores disseram que o comportamento público recente de Will Smith não os incomodou.

Depois do Oscar, Will Smith mais ou menos desapareceu das vistas públicas. Mas em julho o ator lançou um vídeo em seu canal de YouTube em que disse estar profundamente arrependido por seu comportamento e pediu desculpas diretamente a Chris Rock e sua família.

O "mea culpa" público, que durou pouco mais de cinco minutos e consistiu em Will Smith sentado numa cadeira, falando para a câmera, já foi visto mais de 3,8 milhões de vezes desde 29 de julho, quando foi postado. Mas não está claro se melhorou a imagem de Smith junto ao público. O escore Q de Will Smith, uma nota que mede a popularidade de celebridades nos Estados Unidos, caiu drasticamente depois dos Oscar. Antes do tapa, Smith geralmente figurava entre as cinco maiores celebridades do país, ao lado de Tom Hanks e Denzel Washington, segundo dados fornecidos pela Variety.

Quando sua popularidade voltou a ser medida, em julho - antes de ele lançar seu vídeo de desculpas -, havia despencado de 39 pontos para 24, algo descrito como "queda vertiginosa" por Henry Schafer, vice-presidente executivo da Q Scores Co.

Não seria a primeira vez que a Apple adia o lançamento de um filme. Em 2019 a empresa adiou o lançamento de um de seus primeiros longas, "The Banker", com Anthony Mackie e Samuel L. Jackson, depois de a filha de um dos homens cuja vida serviu de base ao filme levantar acusações de abuso sexual envolvendo sua família. "The Banker" acabou sendo lançado em março de 2020, depois de a Apple ter dito que examinou "as informações disponíveis para nós, incluindo as pesquisas dos cineastas".

Muitos em Hollywood veem a Apple com bons olhos devido à sua disposição de gastar generosamente para adquirir projetos destacados ligados a nomes conceituados. Mas a empresa já foi criticada por não se dispor a gastar muito para divulgar esses mesmos projetos.

Duas pessoas que já trabalharam com a empresa e que exigiram anonimato para falar de seus contatos com a Apple disseram que a companhia geralmente cria apenas um trailer para um filme –uma abordagem frustrante para quem está acostumado com a tradição de Hollywood de lançar múltiplos trailers voltados a plateias diferentes. A Apple prefere confiar em seu app Apple TV+ e a seu próprio marketing para atrair plateias.

Mas pessoas familiarizadas com o pensamento da Apple creem que, mesmo que a companhia opte por lançar "Emancipation" este ano, ela não vai oferecer o filme em suas lojas de varejo, como fez com "No Ritmo do Coração", que em março tornou-se o primeiro filme de um serviço de streaming a levar o Oscar de melhor filme. Essa vitória foi ofuscada pela polêmica envolvendo Will Smith.

(Na última semana, o lançamento do filme ficou definido para 2 de dezembro deste ano nos cinemas, chegando na semana seguinte ao Apple TV+.)

Tradução de Clara Allain

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