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Contido, 'A Mãe' explica importância da figura materna nas periferias

Filme dirigido por Cristiano Burlan tem atuação precisa de Marcélia Cartaxo e apaga clichês sem apelar ao dramalhão

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A Mãe

  • Classificação 14 anos
  • Elenco Marcelia Cartaxo, Mawusi Tulani e Helena Ignez
  • Produção Brasil
  • Direção Cristiano Burlan

Durante uma projeção de "A Mãe", a produtora-executiva do filme descreveu uma cena sintomática. Em plena filmagem, Marcélia Cartaxo, a atriz do filme, pediu a Cristiano Burlan, diretor do filme, para expor toda a intensidade dos sentimentos que carregava sua personagem, cujo filho está desaparecido.

O diretor consentiu. Então Cartaxo chora, grita, berra, quebra coisas. Ao final, Burlan comenta "está ótimo". "Isso é tudo que eu não quero ver no filme."

Bela providência, que resume bem o espírito do longa, pois, em casos como esse, o caminho do excesso não leva à sabedoria, ao contrário do que pretendia William Blake. Leva apenas ao dramalhão inconsequente.

A discrição, ao contrário, pode muito bem dar conta da experiência de uma mãe cujo filho desaparece sem razão. Talvez esteja em alguma farra, ou embarcado em uma viagem com amigos. Talvez esteja morto.

Marcélia Cartaxo em cena do filme "A Mãe", de Cristiano Burlan, exibido no Festival de Gramado
Marcélia Cartaxo em cena do filme 'A Mãe', de Cristiano Burlan, exibido no Festival de Gramado - Divulgação

O caminho da contenção, trilhado por Burlan, supõe exatidão. E, nesse caso, a familiaridade do cineasta com o meio representado —ele é criado na periferia paulistana— conta muito. Afinal, é mais "um filme de periferia", com os infalíveis clichês do gênero, a começar pela violência policial. Como fugir à banalidade?

Tais clichês não existem à toa. A questão é representar determinadas situações dando peso de originalidade a elas. Nesse quesito, Burlan consegue criar a atmosfera da existência "nas quebradas" de modo a equilibrar a normalidade —ou seja, pessoas que trabalham, ganham a vida, se divertem— com a anormalidade —o sumiço do rapaz e o decorrente sofrimento da mãe.

Ao mesmo tempo se trata de suprimir certos clichês infalíveis, tipo tráfico de drogas seduzindo adolescentes, como consumidores ou portadores, criminosos, vítimas e crentes por toda parte. Mas violência policial não falta.

Assim, durante uma abordagem noturna contra dois jovens numa rua, procedimento tristemente trivial, podemos ver que um dos garotos, de gênio mais forte, responde de modo altivo a um policial. Nada de mais, apenas o necessário para despertar o instinto sádico de um policial, que reage com a conhecida violência.

Não é em torno disso, e sim do desaparecimento de um adolescente que o filme se move. Mais especificamente, em torno da figura materna e sua busca. Busca que envolve, primeiro de tudo, a delegacia local. Mas também as relações com a vizinhança, que são de proximidade e cooperação, mas se tornam de um momento para outro de retraimento e desconfiança.

Não sabemos de imediato por que isso acontece, mas esse é um dos pontos fortes do filme —manter a curiosidade do espectador atenta menos ao fato em si (o desaparecimento do filho) do que a essas sutilezas da vida nos bairros de periferia paulistana (as chamadas comunidades).

Outro mérito indiscutível do filme é evitar que o desaparecimento do rapaz se torne um conflito entre bem e mal, com o bem sendo representado pelos habitantes do bairro distante.

Ao tomar a mãe como centro, o filme enuncia, primeiro, uma das questões centrais da vida familiar das famílias pobres, isto é, as mães exercem a função materna e os pais se ausentam, seja por qual motivo for.

Isto é, à mãe cabe responder pelo sustento e educação do filho, ao mesmo tempo em que cabe a ela se afligir quando ele desaparece do colégio ou, como no caso aqui, desaparece. E, se um infortúnio desse tipo acontece, resta a ela, e a mais ninguém, descobrir o que se passa com o jovem.

Esse foco tem o mérito de apagar a maior parte dos clichês sobre a vida na periferia —situações reiteradamente desenvolvidas por filmes ou outros meios; não necessariamente falsas, mas desgastadas pelo uso— e, de algum modo, buscar esses temas em sua origem, explicar tudo isso.

Se o resultado final é animador, isso se deve seja à secura do desenvolvimento, de que Burlan suprime todo excesso melodramático, seja à atuação precisa de Marcélia Cartaxo, que, se pensou em fazer de sua personagem um ser desesperado, soube se conter com igual desenvoltura.

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