João Carlos Martins volta ao Carnegie Hall celebrando Mehmari como sucessor de Villa-Lobos

Maestro volta à famosa sala de concertos reverenciando a cultura brasileira em festa pelos seus 80 anos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lúcia Guimarães
Nova York

O Brasil voltou. A frase, um bordão repetido com frequência nas últimas semanas, no Brasil e no exterior, estava no ar na noite deste sábado (19), no Carnegie Hall, em Nova York.

A volta do maestro e pianista João Carlos Martins à lendária sala de concertos onde estreou há pouco mais de 60 anos, foi o triunfo de um trapezista sem rede. Uma noite desafiada por uma pandemia, 25 cirurgias, três embolias pulmonares, um acidente que resultou em atrofia de dedos na mão e uma concussão cerebral causada por um ataque durante um assalto.

João Carlos Martins toca no Carnegie Hall, em Nova York, com a orquestra NOVUS NY
João Carlos Martins toca no Carnegie Hall, em Nova York, com a orquestra NOVUS NY - Gabi Araújo/Divulgação

E, antes de tudo, pela doença neurológica que começou a afetar o músico há 64 anos, quando os médicos mal conheciam a rara Distonia Focal. Se a emoção da plateia era evidente quando o maestro entrou no palco para reger a orquestra Novus NY, o calvário de Martins, de 82 anos, não era critério para avaliar a qualidade da música.

Explicando sua rotina extraordinária de riscos e percalços de saúde, ele mostrou seu rigor. "Já cancelei concerto em cima da hora," disse, mencionando que não tinha condições de prever se conseguiria se sentar ao piano no final.

Pela primeira vez, Martins regeu nos Estados Unidos usando as "luvas biônicas", criadas para ele há três anos pelo designer industrial paulista Ubiratan Bizarro Costa. As luvas que permitem ao pianista pela primeira vez, em décadas, tocar no teclado com os dez dedos, foram também um auxílio na regência, porque estabilizam os pulsos e ajudam a prevenir espasmos nos braços.

O programa escolhido para a noite, que tinha sido planejada para celebrar os 80 anos do maestro, em 2020, mas foi cancelado pela pandemia, era forte em simbolismo celebratório —biográfico e brasileiro. A primeira parte do concerto foi dedicada ao compositor alemão Johann Sebastian Bach, cujo repertório ocupou posição central na carreira de Martins.

A primeira parte incluiu também os "Concertos de Brandenburgo nº1 e nº3" —"que Bach compôs no período mais feliz de sua vida", afirma o maestro— e terminou com uma versão pessoal e lírica da popular cantata "Jesus, Alegria dos Homens".

A segunda parte do programa foi dedicada ao Brasil, país que estreou no Carnegie Hall há 60 anos, não só no concerto do pianista, mas, em 1962, quando Antônio Carlos Jobim, João Gilberto, Luiz Bonfá e Sérgio Mendes se juntaram ao saxofonista Stan Getz para apresentar a bossa nova ao hemisfério Norte.

O "Prelúdio nº 4" das "Bachianas Brasileiras", de Heitor Villa-Lobos, garantiu o assombro de quem nunca ouviu o compositor, mas a presença brasileira era numerosa na plateia. A orquestra NOVUS NY, fundada em 2011, só foi apresentada a João Carlos Martins em pessoa no primeiro ensaio, na quinta-feira (17).

Quem conhece qualquer compositor ancorado nas tradições musicais nacionais, seja Villa-Lobos, Alberto Ginastera ou Béla Bartok, sabe do desafio para intérpretes estrangeiros no primeiro encontro com as peculiaridades de cada um, especialmente as rítmicas. No final do ensaio, o maestro respirou aliviado e disse —"estamos em casa."

O comentário foi ecoado por André Mehmari, o celebrado compositor niteroiense, cuja peça "Portais Brasileiros Nº2 (Cirandas)" teria sua estreia internacional no fim do programa. "Fiquei emocionado com o comprometimento da orquestra," disse ele, mencionando a cadência nordestina da composição. Para ele, o fagotista Brad Balliett "arrasou".

Mehmari foi apresentado por João Carlos Martins no Carnegie Hall como o sucessor de Villa-Lobos. O compositor discreto, que nem ao palco foi para o aplauso final, diz que tem vontade de se esconder sob uma mesa cada vez que ouve a comparação.

As cirandas da série dos Portais, que Mehmari continua a compor, foram uma encomenda para a Orquestra Bachiana Filarmônica Sesi-São Paulo, fundada por João Carlos Martins. O maestro sugeriu que, para a noite no Carnegie Hall, uma fantasia incorporasse canções folclóricas brasileiras, como "Escravos de Jó" e "Peixe Vivo", num total de 11 canções que a plateia brasileira era ouvida cantarolando baixinho.

A peça foi ovacionada, e Martins realizou os solos com brio. A noite se encerrou com um tributo ao italiano Ennio Morricone e ao alemão Robert Schumman, de quem Martins executou as "Cenas De Infância".

A passagem de João Carlos Martins por Nova York incluiu uma exibição do longa biográfico "João, O Maestro", de 2017, na Americas Society, e uma coletiva na Organização Mundial de Saúde, a OMS, com participação de autoridades médicas internacionais envolvidas na pesquisa de tratamentos para a Distonia Focal.

O músico brasileiro tem engajado liderança da OMS e integra o comitê diretor da Leon Fleisher Foundation, cujo nome homenageia o grande pianista americano e amigo de Martins, também vítima da Distonia Focal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.