Mayhem chega ao Brasil com cheiro de morte e história de polêmicas

Banda norueguesa reafirma valor para o gênero mesmo com casos de homicídio e incêndios em igrejas

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Amanda Cavalcanti

Há 35 anos, em agosto de 1987, um grupo de garotos noruegueses beirando os 20 anos lançavam um EP de seis músicas que mudaria o metal extremo para sempre.

"Deathcrush", da banda Mayhem, é um marco do black metal --subgênero sombrio do metal, com gravações em baixa fidelidade, guitarras distorcidas e letras misantrópicas e satanistas. Na quinta-feira, a banda, hoje o maior símbolo do gênero mundialmente, comemorou o aniversário do lançamento com um show no Carioca Club em São Paulo e no sábado se apresenta em São Luís, no Maranhão.

Retrato da banda Mayhem
Retrato da banda Mayhem - Divulgação

As quatro décadas de carreira do Mayhem foram marcadas pela inovação no som brutal e pelos chocantes acontecimentos que seguiram os anos iniciais da banda --entre eles, o suicídio de um dos membros, o assassinato de outro e o anticristianismo radical que levou ao incêndio de diversas igrejas na Noruega.

O Mayhem foi inspirado por bandas de thrash e death metal --Venom, Motörhead, Slayer, Bathory e até a brasileira Sarcógafo--, mas em "Deathcrush" já mostrava que tinha mais a acrescentar à cena underground do metal.

Além dos riffs contagiantes do guitarrista Øystein Aarseth, que adotou o nome Euronymous, o EP também contava com uma faixa de introdução eletrônica feita pelo compositor alemão Conrad Schnitzler especialmente a pedido de Aarseth. As mil cópias inicialmente prensadas de "Deathcrush" se espalharam rapidamente pela Noruega.

"O Mayhem era uma daquelas bandas de quem todo mundo ouvia falar, mas poucos tinham escutado de fato", disse Bård Eithun, conhecido como Faust, em "Lords of Chaos", ou lordes do caos, de 2003, livro sobre os primórdios do black metal.

Baterista do grupo Emperor, ele foi um dos muitos músicos inspirados pelo Mayhem a começarem suas próprias bandas. Uma cena de grupos de black metal foi se formando em Oslo --Emperor, Darkthrone, Thorns, Immortal, Gorgoroth e outras--, em volta do Mayhem e, principalmente, de Euronymous.

Outro membro chave da cena foi Per Yngve Ohlin, o Dead. O vocalista sueco entrou no Mayhem em 1988 e ajudou a banda a cavar ainda mais um espaço próprio no black metal. Segundo o livro "Barulho Infernal", Dead incorporou o "corpse paint" (as "pinturas de cadáver" de rosto branco e olhos pretos) às apresentações da banda e chocava o público se automutilando no palco.

Dead era "obcecado com a morte, melancólico e deprimido", como uma vez descreveu o baterista do Mayhem, Jan Axel Blomberg, também conhecido como Hellhammer. Essa combinação se revelou trágica e Dead cometeu suicídio em abril de 1991. Seu corpo foi encontrado por Euronymous e a primeira reação do guitarrista foi comprar uma câmera descartável e tirar fotos do cadáver do amigo, que ele mais tarde usou na capa do álbum ao vivo "Dawn of the Black Hearts".

A atitude foi duramente repudiada pelo baixista Jørn Stubberud (Necrobutcher), que deixou a banda. Desfalcados de vocalista e baixista, o Mayhem escalou como substitutos, respectivamente, os músicos Attila Csihar e Varg Vikernes para gravar o primeiro álbum de estúdio do grupo.

Vikernes estava na época iniciando seu projeto solo Burzum, que foi lançado pelo selo de Euronymous, Deathlike Silence Productions, e também se tornou influente na cena de black metal. Os dois músicos iniciaram uma espécie de queda de braço pelo posto de líder do black metal norueguês. Anticristãos, eles se desafiaram a queimar igrejas da Noruega --foram oito só em 1992.

A rivalidade entre os dois se intensificou e, num confronto em agosto de 1993, supostamente a respeito de pagamentos da gravadora que nunca foram feitos a Vikernes, o músico assassinou Euronymous a facadas em seu apartamento. Sua prisão dias depois levou o caos à cena de black metal, e diversos outros músicos foram presos por incêndios e outro assassinato, motivado por homofobia.

O álbum "De Mysteriis Dom Sathanas" foi lançado em 1994 em homenagem a Euronymous, mas com as linhas de baixo gravadas por Vikernes. Hellhammer disse ao The Observer em 2005 que ele havia prometido aos pais de Euronymous que as regravaria, mas não o fez porque achou "apropriado que assassino e vítima tocassem no mesmo disco".

Alguns anos depois, Necrobutcher voltou ao Mayhem e segue sendo o único membro fundador. O line-up que vem ao Brasil é formado por ele, Hellhammer, Csihar, e os guitarristas Morten Iversen (Teloch) e Charles Hedger (Ghul).

Muitos livros, documentários e filmes foram feitos sobre a conturbada história do Mayhem e do black metal norueguês, incluindo o notório "Lords of Chaos", de 2016, que se inspira no livro homônimo mas adiciona um tanto de ironia e humor à situação trágica, para a ira dos fãs e dos músicos.

Varg Vikernes, que foi solto em 2009 após cumprir sua pena, usou seu canal no YouTube para chamar o filme de "porcaria inventada" -- antes de ser expulso da plataforma por simpatias nazistas.

A história da banda é chocante e trágica, mas o legado deixado pelo Mayhem é valioso, mesmo três décadas depois de seu primeiro lançamento. Ao falar sobre a banda no documentário "Until the Light Takes Us", o músico Fenriz, do Darkthrone, tece críticas à pintora mexicana Frida Kahlo e desdenha do que ele chama de "arte da repressão". "Eu gosto da arte mais rica e problemática que vem da exaustão da vida fácil."

Mayhem

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