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Por que 'Todas as Flores' humilha 'Travessia' e mostra erro da Globo

Novela de João Emanuel Carneiro, no streaming, vem repercutindo melhor que a de Gloria Perez, na TV aberta

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São Paulo

A Globo vive uma situação inusitada. O carro-chefe de sua programação, a novela das nove, vem sofrendo uma acirrada concorrência interna –se não nos índices de audiência, pelo menos na repercussão na imprensa e nas redes sociais.

Sophie Charlotte, Mariana Nunes, Regina Casé e Letícia Colin, do elenco de 'Todas as Flores' - Estevam Avellar out.2022/Globo

Isso porque a emissora decidiu produzir e lançar, ao mesmo tempo, duas "novelas das nove". "Travessia", de Gloria Perez, é a atual ocupante da faixa mais nobre da TV brasileira. Já "Todas as Flores", de João Emanuel Carneiro, está disponível na plataforma Globoplay, ao ritmo de cinco novos capítulos por semana.

A ideia nunca foi promover um confronto entre os dois títulos, mas é o que aconteceu. "Travessia" vem alcançando números no Ibope bem inferiores aos de sua antecessora, "Pantanal", e sendo criticada pela trama confusa. Por seu lado, "Todas as Flores" tem agradado ao público, que reclama que ela deveria ocupar o horário da "rival" na TV aberta.

Isso quase ocorreu. Anunciada há cerca de dois anos, a novela de Carneiro estava originalmente prevista para substituir "Pantanal". No início deste ano, a Globo mudou de planos. A obra seria encurtada para apenas 85 capítulos; o elenco, enxugado, e a estreia se daria primeiro no streaming.

Para seu lugar, a emissora escalou Gloria Perez, cuja última novela, "A Força do Querer", exibida em 2017, inovou ao promover uma espécie de rodízio de protagonistas.

Infelizmente, "Travessia" não tem nada de novo. Isso até não seria um problema, já que "Todas as Flores" tampouco tem algo nesse sentido. Ambas são novelões tradicionais, com mocinhas sofredoras, vilões pérfidos e todos os demais clichês da nossa teledramaturgia.

No entanto, "Travessia" também apresenta uma história cheia de furos, um par central que não conquistou o público e alguns atores problemáticos no elenco.

A protagonista Brisa, vivida por Lucy Alves, é alvo de um vídeo "deepfake". Seu rosto é colado no corpo de uma ladra de bebês, e o vídeo viraliza. Confundida com a verdadeira criminosa e perseguida na rua em São Luís, no Maranhão, ela foge às pressas para o Rio de Janeiro.

O vídeo não é de autoria de nenhuma organização sombria, mas fruto de uma brincadeira de dois adolescentes. O fato de viralizar tão rapidamente e provocar uma mudança drástica na vida de sua vítima tem muito do exagero que marca a escrita de Gloria Perez.

Brisa chega ao Rio, mas não avisa a família, que ficou no Maranhão. Diz que não lembra o telefone de ninguém, nem o próprio endereço. Ela ainda perde contato com o namorado Ari, papel de Chay Suede, que também foi para a capital fluminense. Num mundo onde não faltam maneiras de se comunicar, este silêncio é absurdo.

Para complicar, Suede e Alves não têm muita química, apesar de serem ótimos atores. O mesmo não pode ser dito da novata Jade Picon. A influenciadora digital e ex-BBB ganhou um dos papéis principais, a patricinha Chiara, que se envolve com Ari.

Sem nunca ter atuado, a paulistana Picon teve apenas seis meses para se preparar. Teria se dado melhor se a direção não a obrigasse a forçar um ridículo sotaque carioca. Esse vexame poderia ser facilmente evitado —era só dizer que a personagem estudou a vida inteira em São Paulo.

Jade Picon vem sendo massacrada nas redes sociais, mas nada se compara à onda de repúdio que se ergueu contra Cássia Kis. Intérprete da executiva Cidália, a veterana atriz fez campanha pró-Bolsonaro nos bastidores de "Travessia", infernizando os colegas. Também deu declarações homofóbicas e, totalmente desprovida de bom senso, foi rezar na chuva junto com manifestantes golpistas que bloqueavam uma estrada.

Kis se tornou um problema para a Globo, que tenta passar uma imagem de tolerância e inclusão. Seu papel na novela será diminuído, já preparando o terreno para um possível desligamento da atriz. A emissora também proibiu seus programas de variedades de convidar a intérprete.

Enquanto isso, com perdão do trocadilho, tudo são flores para "Todas as Flores". Ao contrário de "Verdades Secretas 2", a primeira novela da Globo a estrear primeiro no streaming, o folhetim de João Emanuel Carneiro não tem maiores ousadias. A trama central é digna de um dramalhão cubano da década de 1950 —mocinha cega sofre nas mãos da mãe corrupta e da irmã invejosa, às quais ela só conheceu depois de adulta.

Mas "Todas as Flores" tem uma vantagem indiscutível. Com menos personagens e menos histórias paralelas, o ritmo da novela é mais ágil que o habitual.

Além disso, o elenco bem escalado traz Regina Casé como a matriarca Zoé, a primeira vilã, a primeira rica e a primeira loira da carreira da atriz. As irmãs vividas por Sophie Charlotte e Letícia Colin —respectivamente, a bondosa Maíra e a cruel Vanessa— também conseguem ultrapassar os estereótipos de seus papéis.

"Todas as Flores" será interrompida em janeiro, por causa do "Big Brother Brasil", e retomada no final de abril, quando o reality show —um grande chamariz de público para o Globoplay— tiver acabado. Assim fica claro objetivo da Globo, que é alavancar sua plataforma de streaming, e não testar novas fórmulas em sua dramaturgia.

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