Descrição de chapéu Televisão pantanal

Como José Loreto encarna o Brasil em papéis de doces perdedores que exalam sexo

Conhecido pelo carisma, ator driblou escândalos e ressurgiu em 'Pantanal' até fazer seu 1º protagonista na novela 'Vai na Fé'

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José Loreto em ensaio para a revista L'Officiel retratado pela fotógrafa Mylena Saza

José Loreto em ensaio para a revista L'Officiel retratado pela fotógrafa Mylena Saza Mylena Saza

Rio de Janeiro

José Loreto toca violão e balbucia uma letra sobre estar apaixonado. Seu primeiro protagonista numa novela, o cantor pop decadente Lui Lorenzo, de "Vai na Fé", da Globo, usa camisa aberta até o umbigo, joias no pescoço, orelhas, braços e dedos —e carrega a inocência de quem acredita veladamente na mais banal das paixões.

Loreto encarna um astro anacrônico e um tanto ingênuo, que não consegue fazer nada sem a ajuda dos amigos ou da família, um sedutor tão peculiar quanto sua ascensão na carreira —em seu momento de maior brilho depois de quase duas décadas na televisão.

Numa pausa entre as dezenas de gravações que teria naquela tarde, nos Estúdios Globo, no Rio de Janeiro, Loreto mal admite estar vivendo um protagonista. "Gosto dos bons coadjuvantes", diz. "Não sinto protagonismo. Protagonista dessa novela é a [atriz] Sheron [Menezzes], é a [personagem] Sol. Estou entre um protagonista e um bom coadjuvante."

Loreto tem sido bom coadjuvante desde que estreou na Globo, em 2005, como o Marcão de "Malhação". Desde então, cresceu como o Darkson, em "Avenida Brasil", viveu o lutador José Aldo e viu sua popularidade se multiplicar com o peão Tadeu, de "Pantanal".

São papéis que refletem o apelo de Loreto. Descrito como cativante e trabalhador, ele não tem o tipo físico do galã clássico da Globo —Chay Suede e Rômulo Estrela, no ar em "Travessia", seguem mais essa linha—, seus lábios avantajados se impõem, e o tom de sua pele é mais escuro, ainda que ele também ostente os olhos claros e o corpo escultural.

Mas José Loreto nunca foi visto como um mocinho. Desde quando viveu o amalucado Candinho, do folhetim "Flor do Caribe", até o vilão Pedro, antagonista de "Boogie Woogie", os papéis que interpretou foram sempre laterais, diferentes entre si, a maioria deles personagens fracassados e, quase nunca, os mais celebrados.

"Dei muita sorte", diz o ator. "Darkson foi o primeiro que abriu as portas, deu visibilidade. Foi minha primeira novela de cabo a rabo, porque antes eu fazia participação. Na novela seguinte, fiz o Candinho, em ‘Flor do Caribe’, que era um aluado. Personagens muito diferentes. A partir do momento que fiz um e outro, a galera me botou no radar."

Mesmo fora da trama principal da novela, Darkson se destacou pelo carisma —palavra usada com frequência para se referir a Loreto. A diretora Amora Mautner, de "Avenida Brasil", percebeu o magnetismo logo de cara.

"O [então diretor] Ricardo Waddington falou ‘o Loreto vai ser uma estrela’", conta Mautner. "A gente olhava aquele menino, achava carismático, mas como ele podia ter tanta certeza? Quando fez o teste, aí teve certeza."

Waddington, "no meio de uns cem meninos", diz Mautner, notou Loreto —que depois chegou a atuar em "Mutantes", da concorrente Record. "A maior valência é que ele se entrega", afirma a diretora. "Em ‘Avenida Brasil’, ele era, digamos assim, virgem de atuação. E ele foi de corpo e alma."

Darkson, de "Avenida Brasil", era um vendedor de rua que ganhou destaque com seu envolvimento com Tessália, personagem de Débora Nascimento. Na vida real, os dois depois chegaram a se casar e tiveram uma filha.

O diretor artístico Gustavo Fernandez, que esteve com Loreto tanto em "Avenida Brasil" quanto no sucesso "Pantanal", ressalta o trabalho duro do ator. "O comportamento é uma coisa muito característica dele. Era um ator jovem, mas muito comprometido. Chegava no horário, nunca o vi com o texto na mão, sabia as cenas decoradas."

O diretor artístico Paulo Silvestrini, de "Vai na Fé", endossa. "Conheço gente que estudou com ele na época de formação, e ele já era conhecido por ser muito estudioso, dedicado, concentrado", diz. "São características que a gente observa hoje, porque esse personagem exige —ele canta, toca, tem a coreografia. É de uma dedicação ímpar."

Loreto nasceu em Niterói, no Rio de Janeiro, e descobriu o teatro na escola. Cursou dois anos da faculdade de economia para agradar aos pais. "Nunca fiquei profetizando minha vida", ele diz. "Quando fiz ‘Malhação’, nem imaginava estar na TV. Fiz um teste e caí aqui. Estava fazendo teatro, queria ser ator de teatro, aí a TV entrou na vida."

Entre Darkson e Tadeu, dez anos se passaram, um casamento e um cancelamento, além dos outros papéis na Globo. No período, algumas escolhas podem ter causado danos.

Primeiro, ele topou interpretar Eurico Júnior, um bad boy que fazia par romântico com Luz, vivida por Marina Ruy Barbosa, em "O Sétimo Guardião". A novela não deixou saudades, mas acabou levando até sua separação de Nascimento.

Na época do folhetim, pipocaram rumores de que Loreto teria traído a mulher, que acabou encerrando o casamento com ele. O ator era assunto nacional por estar supostamente se envolvendo com Barbosa e participando da lenda do "surubão de Noronha", quando um perfil no Instagram começou a divulgar supostos encontros de sexo grupal entre atores da Globo na ilha.

Verdade ou mentira, a trama da vida real reverberou muito mais do que a própria novela que estava no ar. "São escolhas", ele diz, desconversando. "Por isso acho que dou sorte. Quando troquei o [filme do Sidney] Magal para fazer ‘Pantanal’, poderia ter sido um ‘Sétimo Guardião’ —que não foi lá essas coisas."

Foi a ida para "Pantanal", depois da separação e dos dois anos se preparando para encarnar Sidney Magal no cinema, que trouxe Loreto de volta aos holofotes. "Eu não andava a cavalo", ele conta. "Da primeira vez que peguei o texto para ler, ficou duro."

Fernandez, o diretor, lembra o processo. "Ele fazia questão de se relacionar com os peões, sair para tocar gado, acordar às quatro da manhã", diz. "Nas cenas do Tadeu se sentindo rejeitado pelo pai, como ele é muito estudioso, já tinha lido os capítulos seguintes e acabou fazendo muito bem."

Mas talvez o que mais alavancou o personagem de Loreto foram as cenas de voltagem sexual elevada e a química que ele apresentou com Julia Dalavia, a Guta. Não é verdade que os papéis anteriores do ator não tenham explorado sua sensualidade, mas ela nunca esteve tão explicitada como em "Pantanal".

E, mesmo carioca e de origem urbana, Loreto se encaixou como uma luva no universo de "Pantanal". O bioma próprio do interior do Brasil acabou sendo o ambiente adequado para florescer um ícone sexual que tem mais a cara de seu país do que os tipos europeus que frequentam o horário nobre da Globo.

Em "Vai na Fé", Loreto chega ao protagonismo, mas seu personagem segue pouco ortodoxo —e um tanto fracassado. Se Tadeu não era o filho preferido, não era correspondido em seu romance nem era o melhor peão, Lui Lorenzo tampouco é um artista no auge da fama, mas um "boy lixo" decadente, que seduz pela sinceridade —e, como o ator está acostumado, pelo carisma.

"O Lui Lorenzo acredita que se apaixona e dura pouco, nas flores que manda, nas letras que canta, que é um grande artista", afirma Rosane Svartman, autora da novela. "Então não podia ter cinismo. O Loreto entrou na pele do personagem com verdade."

É uma verdade que se relaciona com a carreira do ator. Como o personagem, Loreto está à beira dos 40 anos —pela primeira vez na carreira, ele não interpreta alguém na casa dos 20 anos. Mas, ao contrário do cantor, cujas glórias ficaram no passado, Loreto sabe que nunca esteve tão em evidência quanto no presente.

"É muita felicidade, mas levanta a ‘responsa’ —o sarrafo ficou mais para o alto", diz. "Fiz um personagem tão legal, uma novela tão maneira, e emendar num trabalho tão diferente dá esse friozinho na barriga. É a hora da carreira, da idade, que a gente vai dando carimbadas do tipo ‘confirma’ ou foi só sorte mesmo?"

Exagerado de propósito, Lui Lorenzo é também uma possibilidade de Loreto continuar a explorar o próprio corpo e expandir limites de atuação. "Fazer um cantor é complicado, tem uma metalinguagem. É como se a gente botasse para fora nossos lados obscuros."

Nos corredores da Globo e no elenco de "Vai na Fé", todos parecem torcer para Loreto, que tem trabalhado de segunda a sábado e tirado os domingos para ensaiar as músicas. A sensação é de que ele é acessível como os seus personagens, um galã de carne e osso na contramão do astro ressabiado, que forja a confiança de um super-herói. Não à toa, ele sonha em viver Chorão e Walter Casagrande, ídolos humanos, nas telonas.

"Já fui cancelado, ‘reaprovado’, muita coisa aconteceu comigo", diz. "Agora é mais trabalho, mais pressão. Me deram um violão na mão, não perguntaram se sei cantar, dançar. Você tem um palco e se vira, ‘me entretenha’. Por isso que domingo liguei para as meninas e falei para ensaiar. Temos um show para fazer."

O jornalista viajou a convite da TV Globo

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