Mostra 'Flávio de Carvalho Experimental' vislumbra experimentalismo hoje

Exposição une 52 obras do modernista, concebidas entre 1930 e 1973, a trabalhos de artistas e coletivos das últimas décadas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

'Retrato de José Geraldo Vieira', de 1951, óleo sobre tela de Flávio de Carvalho

'Retrato de José Geraldo Vieira', de 1951, óleo sobre tela de Flávio de Carvalho Coleção Museu de Arte Brasileira-Faap/Reprodução

São Paulo

"Não entendi nada, adorei, foi o que eu e a amiga falamos. Uma resenha recorrente à época", diz a certa altura a narradora de "Meu Ano Flávio de Carvalho", terceiro livro de Thais Lancman. As personagens estão saindo de uma montagem de "O Bailado do Deus Morto" —peça de Flávio de Carvalho (1899-1973) original de 1933— no Teatro Oficina, que nos últimos anos tem reapresentado o texto.

O trabalho de Carvalho é não raro definido como experimental, adjetivo que pode dizer muito e ao mesmo tempo não dizer nada, dependendo do objeto ao qual está associado. No caso do modernista, que expandiu o que era considerado arte no Brasil em vários períodos, a experimentação parece ser o caráter mais urgente de sua obra.

Em cartaz no Sesc Pompeia até domingo (29), a mostra "Flávio de Carvalho Experimental" procura apresentar as diferentes facetas do artista —que explorou arquitetura, performance, artes plásticas, cenografia, design e moda— por esse viés subversivo.

Réplica de máscara de alumínio produzida por Flávio de Carvalho para a peça 'O Bailado do Deus Morto' (1933)
Réplica de máscara de alumínio produzida por Flávio de Carvalho para a peça 'O Bailado do Deus Morto', de 1933 - Coleção Teatro Oficina/Divulgação

Compondo um panorama das contribuições de Carvalho no período de transição entre as vanguardas brasileiras do início do século 20, a exposição traz 52 obras, concebidas entre 1930 e 1973, além de documentos, maquetes e reproduções fotográficas. Réplicas das máscaras produzidas para "O Bailado do Deus Morto" também compõem a mostra.

Foram incluídos ainda trabalhos de dez artistas e dois coletivos, todos produzidos nas últimas duas décadas —acerto da curadoria de Kiki Mazzucchelli e Pollyana Quintella. A ideia é encontrar reverberações da produção de Carvalho no presente.

"São artistas que se posicionam contra um certo conservadorismo atávico na sociedade brasileira, de modo análogo a Flávio", afirma Mazzuchelli. Para a curadora, o experimentalismo nas artes visuais hoje parece estar na revisão dos próprios cânones artísticos e na representatividade de grupos historicamente invisibilizados na historiografia da arte ocidental.

Destacam-se, por exemplo, as bombetas (como são chamados os bonés de crochê) do artista Crochê de Vilão, a grande passarela vertical de Maxwell Alexandre e os retratos de Panmela Castro —um da professora Djamila Ribeiro e um autorretrato.

Posicionados numa grande vitrine que apresenta uma coleção significativa de retratos de autoria de Carvalho, os trabalhos de Castro se destacam em meio às outras obras, que representam intelectuais ligados às elites da época, sobretudo homens brancos.

"As obras históricas constituem uma espécie de inventário da grande rede de interlocutores das mais diversas áreas que Flávio manteve ao longo dos anos", explica Mazzuccheli. "Panmela, por sua vez, tem produzido uma série de retratos de sua própria rede intelectual e afetiva, e o retrato da professora Djamila Ribeiro, uma mulher negra, é um exemplo de como essas redes intelectuais vem mudando nos últimos anos no Brasil."

Se a mostra apresenta a multiplicidade de materiais e técnicas —que reforça o interesse de Carvalho, bem como de seus pares contemporâneos, por novos meios e materiais—, o trabalho de Lancman propõe-se a fazer o mesmo na literatura.

Caleidoscópico, escrito na fronteira entre gêneros literários —mistura de ensaio, crônica, diário e ficção— e cheio de referências a Carvalho e outros artistas, "Meu Ano Flávio de Carvalho" é considerado, inclusive pela autora, experimental. "Eu quis me afastar de uma narrativa mais linear justamente para experimentar os limites da narrativa e da ficção tanto em temas quanto em formas e maneiras de escrever. O resultado é uma obra não convencional."

Lancman, que também pesquisa a produção literária em diálogo com obras de arte contemporânea, vê a literatura brasileira hoje —porque mais diversa— também mais aberta a experimentações.

Por outro lado, a produção que cai no mainstream, segundo ela, ainda está bastante fechada no que diz respeito a formas e temas, sem ter a experimentação como norte. "Ou se inserem e atualizam alguma linhagem de uma literatura precedente, ou produzem um tipo de literatura que parece feita com um algoritmo de Netflix", aponta. "Se o mainstream tem alguma capacidade de absorção do experimentalismo, a do mainstream brasileiro me parece relativamente baixa. Se isso parte dos autores, do mercado, ou de ambos, não ousaria dar um diagnóstico."

Para Mazzuchelli, muito do que era considerado experimental ao longo do século 20 se naturalizou no contexto das artes hoje, especialmente no que diz respeito à forma e na incorporação de outras disciplinas. Isso permite compreender, por exemplo, os limites da narrativa em torno do modernismo brasileiro.

"Apesar de ter sempre se posicionado contra o moralismo da sociedade burguesa e da igreja católica, Flávio, assim como muitos dos artistas de sua geração, pertencia a uma elite financeira e patriarcal —e foi justamente essa posição de privilégio que permitiu que atuasse como um artista radical", finaliza a curadora.

Flávio de Carvalho Experimental

Meu Ano Flávio de Carvalho

  • Preço R$ 45,90 (214 págs.)
  • Autoria Thais Lancman
  • Editora Folhas de Relva
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.