Nando Reis faz 60 anos, rejeita pecha de 'hitmaker' e defende sofisticação do pop

Cantor e compositor que deixou os Titãs há 20 anos relança primeiro disco solo e diz que sempre quis ter sua Gal Costa

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O músico Nando Reis, que completa 60 anos Divulgação

Rio de Janeiro

Nando Reis respeita o mistério da música pop. Suas canções entraram no imaginário popular transportadas por sua voz ou pelo canto feminino de Marisa Monte, Cássia Eller e Gal Costa.

Ele aceita pensar as razões desse alcance e aponta para a zona incerta do "grau absoluto de consciência" e também das escolhas irracionais, nas noites solitárias com o violão.

O compositor paulistano, que completa 60 anos na próxima quinta-feira, constata as variáveis malucas da criação e segue em frente. "A canção fez sucesso ou entrou no imaginário porque tem uma beleza. É uma resolução. Eu gosto dessa palavra, uma resolução encantadora, surpreendente. Você não a renega. Você a preserva e a contém dentro de si", diz o artista, que passa as férias em sua casa em Jaú, no interior paulista, a quase 300 quilômetros de São Paulo.

Músico Nando Reis - Divulgação

Na celebração dos 60 anos, Reis relança em LP seu primeiro disco solo, o "12 de Janeiro", de 1995, acrescido de faixas bônus no streaming, com uma inédita e versões em voz e violão. Em setembro, vai lançar um disco com 21 faixas, talvez 22, 19 delas inéditas. Na curva dos 59 anos, ele dividiu o show e EP "PittyNando" com a cantora baiana Pitty, de quem se aproximou na quarentena.

Com fôlego mais longo, sua festa particular se incorpora à turnê dos 40 anos da banda Titãs, à qual esteve ligado de 1982 a 2002, adicionando violência poética ao rock brasileiro. Sete anos antes do início da carreira solo, o disco "12 de Janeiro" marca um período de transição. Reis não abandonava os Titãs, contrariando seu impulso interno, mas desenvolvia uma parceria com Marisa Monte.

"Meu disco tem um contraste forte com aquilo que os Titãs vinham produzindo. E esse contraste se dá como por ausência minha no disco ‘Titanomaquia’, de 1993", conta Reis. "Nada do que eu apresentava como contrabaixista era aprovado. Ninguém gostava. O ‘12 de Janeiro’ é um retrato intensificado dessa diferença na forma de cantar, na temática, na sonoridade, na minha onipresença em contraste com quase a minha total ausência na ‘Titanomaquia’."

O álbum "Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão", lançado por Marisa Monte em 1994, apresentou três parceiras suas com a cantora e deu a ele a formação da banda de "12 de Janeiro", gravado poucos meses após a separação. "Nesse disco, realizo algo que as minhas áreas de aderência no entorno se dão muito com a minha relação com Marisa, com quem não só estava trabalhando, como namorando."

Essas experiências cimentaram o gesto arriscado de deixar sua tribo de origem. "Eu vim a me reassegurar num lugar de compositor fora dos Titãs", ele observa. "Passados 20 anos de minha saída, acredito que uma boa parte do meu público talvez nem saiba que eu tenha sido dos Titãs."

Em seu pensamento, uma canção nova não desconsidera o passado de outras canções de sucesso. Algo de cada uma delas fica retido para sempre em seu espírito e se inocula no sentimento estranho de ver nascer uma melodia inédita.

"Relicário", "O Segundo Sol", "Me Diga", "Os Cegos do Castelo", "Pra Você Guardei o Amor", "Por Onde Andei" e as parcerias com Marisa Monte, "Onde Você Mora?" e "Ainda Lembro", entre outras, equilibram complexidade e comunicação.

"‘Da Maior Importância’ é a música-chave da minha história. O violão do Gilberto Gil, a composição do Caetano Veloso e a voz da Gal. É isso. A santa trindade ali presente na versão da Gal no álbum ‘Índia’", ele diz, arrependido de não a ter incluído no show "Trinca de Ases", dividido com Gal e Gil, em 2017.

"O tempo inteiro, na minha vida, isso se estabeleceu como um sonho e depois como possibilidade. Eu emulei durante todo esse processo o desejo de ter a minha Gal, como a Gal foi para Caetano."

Sua presença no repertório de Marisa Monte e Cássia Eller, duas das maiores vozes surgidas nos anos 1990, cumpre a miragem de juventude. Na fase de intimidade com Marisa Monte, a gravação de sua música "Diariamente", no álbum "Mais", de 1991, aumentou a autoconfiança de cancionista. Esse disco trouxe três parcerias da cantora com Reis, dentre elas "Ainda Lembro", com a participação de Ed Motta —até hoje um sucesso radiofônico.

"Marisa e Cássia têm graus de similaridade total pela exuberância das suas vozes. Meu trabalho com Marisa é muito episódico, diferentemente da Cássia, com quem trabalhei muito proximamente até a sua morte. Cássia permanece sendo a cantora que mais gravou músicas minhas. É mais além. Porque ela me chamou como produtor. Dirigi os shows."

Em 40 anos de carreira, ficou menos aparente a sua capacidade de intervenção crítica na música brasileira. Nando Reis tem ideias fortes e pensamentos claros sobre o que ambiciona e o que rejeita. Isso se manifesta na paixão com que analisa o olhar externo sobre sua obra.

"A complexidade e comunicação são as duas vértebras estruturais de pôr uma canção em pé, não só em pé para existir, mas para permanecer. E acho que tem uma coisa com o meu trabalho. Ele é meio incompreendido ou sofre de uma espécie de bullying, que é a ideia de que o trabalho pop prescinde de pretensão, complexidade e sofisticação. Aquele ranço de que o que faz sucesso não é bem elaborado."

Ele expande a sua crítica e expõe os vícios de leitura do pop. "É um preconceito arraigado. Eu sei disso porque vejo a forma como sou enxergado. Tem duas pechas que recaem quando falam de mim, de que sou um ‘compositor romântico’ ou um ‘hitmaker’. O que aparentemente é um elogio, na verdade é uma estupidez. Primeiro, porque parece que o meu trabalho só tem valor se for entendido como hit, o que é uma burrice. Não há um olhar para o meu trabalho. Há um olhar para a música que fez sucesso. Não pode servir como parâmetro crítico."

No último ano, Nando Reis realizou cerca de 120 shows, dentro de uma rotina de sexagenária jovialidade. "Eu alterno períodos de entusiasmo com os de menos entusiasmo. Tenho uma vitalidade física muito grande, que me permite fazer muitos shows e viajar. Todo mundo acha que eu tenho um baú com cem músicas guardadas. Não é verdade. Eu vivo sempre no limite. Eu trabalho um pouco por pressão."

A vontade de arte infinita joga a "finitude inevitável" para depois de seu centenário. "Felizmente, eu superei, atravessei as intempéries da minha loucura, excessos, e hoje sou um homem mais saudável. Tenho em mente que vou viver até os 103, se nada fora dos meus planos acontecer."

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