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Pabllo Vittar chama Anitta para fazer ode ao sexo no disco 'Noitada'

Novo álbum da drag queen derrapa no uso insistente do drop, mas entrega uma boa dose de club music para os fãs de pop

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Noitada

A figura de Pabllo Vittar não deveria surpreender o público que costuma bater ponto nas festas do eletrônico anticomercial de grandes cidades brasileiras. Vira e mexe a artista é vista aqui e acolá, discreta e altiva, nos embalos de grifes como Mamba Negra e Batekoo.

Para essa turma, "Noitada" não traz nenhuma novidade. Para um público mais amplo, que faz jus ao título de pop star, seu mais novo álbum é um catálogo de refrescantes combinações do submundo e do pop. Sem deixar de ecoar tendências globais recentes, o disco formata novos sons de pista brasileiros para rádios e palcos sob o esquema pop-popular já conhecido da artista e seus produtores.

Pabllo Vittar em cartaz de divulgação de 'À Meia Noite', single de seu novo disco, 'Noitada'
Pabllo Vittar em cartaz de divulgação de 'À Meia Noite', single de seu novo disco, 'Noitada' - Rodolfo Magalhãs/Divulgação

A tônica de "Noitada" está nítida não apenas na faixa de abertura, que simula a entrada de uma balada com som alto e bafafá por toda parte —elemento observado em vários discos de festa, de Wilson Simonal a pioneiros da house music.

O gosto pela pista também está na estrutura das canções, que mais se assemelham a tracks —as faixas próprias às performances de DJs segundo o jargão da categoria. Boa parte das 11 produções do disco tem trechos adequados para transições, como introduções e arremates sustentados por batidas marcadas ou linhas melódicas sutis.

Os já lançados singles "Ameianoite", em parceria com a cantora Gloria Groove, e "Descontrolada", uma colaboração com MC Carol, incorporam essa fórmula. As batidas clássicas do tamborzão levam aquela enquanto a iteração mais atual do funk de São Paulo e seus subgêneros automotivo e agressivo seguram a outra.

Tudo é guiado por uma levada quatro-por-quatro, aos moldes da club music. A parceria com a funkeira também conta com pequenos breaks, células rítmicas fundamentais a gêneros como o jungle, e uma linha melódica que lembra o célebre Korg M1, teclado que ficou famoso em clássicos da dance music dos anos 1990 como "Show Me Love", da americana Robin S.

Esse som também está presente no último disco da cantora Charli XCX. Em "Crash", a britânica coroou quase uma década de maximalismo digital do hyperpop, gênero que surge tímido, mas sensível, em "Noitada". A faixa "Balinha de Coração", por exemplo, é uma colagem de muitos itens — uma montagem com formas rítmicas do funk do Rio de Janeiro tais quais a macumbinha e o atabacado de DJs como Corvina e Mumu do Tuiuti.

A diva do pop Anitta é uma das colaboradoras de Pabllo Vittar nessa canção e também em "Calma Amiga", interlúdio que celebra a festa com uma voz fantasmagórica, sonoridade típica das correntes mais obscuras da house music

A chegada de Anitta no disco é menos pela verve carioca que pelo hedonismo de "Noitada". O prazer inconsequente é um dos polos magnéticos do álbum. Ele transita nas vozes e nas letras em menções a balinhas e fritações, mas ganha corpo para valer nas mãos de produtores como Ruxell, parceiro de longa data de Pabllo, ou Tonias e Ramemes. Esses jovens são crias de redes sociais como o SoundCloud e softwares de produção de fácil acesso, como o FL Studio — dinâmica que vem mudando a indústria musical no mundo todo nos últimos dez anos.

O afã da curtição desenfreada é, por outro lado, o principal deslize de Pabllo Vittar e turma no disco. O uso excessivo do drop, a sequência da música que se segue a um crescendo muito energético, torna o recurso trivial, ao estilo do EDM empacotado americano que triunfou na década de 2010.

Essa mesma sanha por recriar as sensações da pista nos fones de ouvido também ofusca as capacidades vocais de Pabllo por vezes. Contratenor de muita amplitude, ela é relegada a segundo plano em "Apetitosa". Em que pese a interpretação soturna de Tchelinho, parte do grupo Heavy Baile, a faixa poderia ter presença mais marcante de Pabllo.

A cantora volta a ganhar protagonismo quando retoma o brega pop modernizado que a alçou à fama inconteste. É nesse lugar em que reside o outro polo do disco —o amor deslavado e rasgado, a essência de seus sucessos antigos como "Amor de Que", "Triste com T" ou "K.O."

Em "Culpa do Cupido", Pabllo brinca com as palavras se inserindo mais uma vez na tradição do cancioneiro brasileiro do duplo sentido, de marchinhas de Carnaval ao forró contemporâneo.

"Noitada" também brilha quando se lança na ousadia pop, apontando para caminhos ainda pouco trilhados por quem domina o topo das playlists dos serviços de streaming no Brasil. É o caso de "Derretida", uma lambada brasileira com progressão de acordes de merengue digital —mesma base de Rosalía em seu bem-sucedido "Despechá". Outra faixa dessa linha é "Penetra". O pagodão triunfa com O Kannalha, que salva a música de se tornar apenas um número para cumprir tabela no alcance de referências populares desse álbum.

Pabllo Vittar nunca se furtou a evidenciar essas e tantas outras referências dos interiores e favelas do país. É um escracho intrincado, de muitas camadas, que pega críticos arrivistas de calças curtas e atrai milhões de ouvintes. De certa forma, a cantora trouxe diferentes músicas do país para pistas de dança ainda avessas ao povo nestes últimos anos. "Noitada" faz o caminho inverso, com o adicional de que talvez não seja filho único —a última faixa do disco fala de um tal "after", a festa depois da festa. Uma continuação pode ampliar as derrapadas do álbum ou solidificar seus acertos

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