Como Pabllo Vittar perdeu as amarras para falar de sexo em seu novo disco, 'Noitada'

Drag queen celebra a vitória de Lula e sucesso internacional enquanto canta com Anitta, explora o funk e os prazeres da vida

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Pabllo Vittar em cartaz de divulgação de seu novo disco, 'Noitada'

Pabllo Vittar em cartaz de divulgação de seu novo disco, 'Noitada' Divulgação

São Paulo

Pabllo Vittar não quer ser o Mickey. "É a pessoa que tira foto com todo mundo, tem que ter carisma o tempo inteiro, não pode reclamar. E ninguém está se importando com quem está dentro da roupa do Mickey —no caso, Phabullo Rodrigues", ela diz, lembrando seu nome de registro. "Não sou Pabllo Vittar 24 horas, mas na minha cabeça eu era e precisava ser."

Depois de dois anos em isolamento pandêmico, a drag queen mais famosa do Brasil chegou a questionar sua relação com a música depois de preparar e descartar um álbum que refletia seu estado de tristeza. E foi só a experiência de redescobrir a noite a partir de uma perspectiva renovada que a tirou de um bloqueio criativo e gerou "Noitada", disco hedonista e festeiro que sairá daqui uma semana, nas plataformas digitais.

"Como vou escrever se não vivi? Passei dois anos trancada, sentada no sofá", afirma a cantora. "Tive que levar para a terapia, entender por que eu estava triste em fazer algo que me dava paixão. Era a falta de vivência, que eu também não tinha para compor."

Pabllo Vittar em cartaz de divulgação de seu novo disco, 'Noitada'
Pabllo Vittar em cartaz de divulgação de seu novo disco, 'Noitada' - Divulgação

Pabllo vinha de um período de realizações profissionais. "Batidão Tropical", disco de 2021 que reimagina o chamado tecnomelody sob um verniz pop moderno, foi pensado como uma homenagem singela aos sons de sua infância no Maranhão e acabou tocando em todo o Brasil.

Mesmo com as músicas em alta rotação, ela não podia cantar tudo em público. "Até que, nesse meio tempo, voltei aos palcos, às minhas coisas. Me permiti estar em outros lugares, conhecer pessoas novas."

Enquanto voltava à vida noturna, ela também se sentia mais confortável em abandonar a fantasia de Mickey. "Sei que para as pessoas vou ser Pabllo Vittar independentemente de estar montada, mas tenho consciência de que vou fazer coisas que Pabllo Vittar não faz —sair com amigos, ir a um ‘date’, e eu não tinha isso", afirma a artista. "Estava me sentindo sufocada. E, nesse álbum, eu me sinto bem livre."

Com a equipe que a acompanha desde o início de sua carreira, o coletivo Brabo, Pabllo se isolou num sítio no interior paulista que pertencia a Belchior para rascunhar "Noitada". No processo, percebeu que poderia falar sobre sexo de maneira mais despudorada.

"Dois anos atrás, eu jamais falaria um ‘caralho’ numa música", diz. "Se você reparar, todos os meus álbuns são para a família ouvir, tocam em qualquer lugar. Por mais que tenha algum duplo sentido, não é nada muito [escandaloso]. Neste álbum, já estou bem mais explícita, falando as verdades de como estou me sentindo."

O desejo sexual costura o disco, que captura uma ida à balada, da camisinha colocada numa bolsinha cor-de-rosa à busca pelo after, passando pela entrada de penetra e todos os prazeres que a noite pode oferecer. As sacadinhas continuam, mas agora convivem com uma libertinagem mais desavergonhada.

"Nossa preocupação antes era divulgar a música, tocar nos lugares. Eu não falava e já era um pouco barrada", ela afirma. "Agora, nesse álbum, não tenho nenhum pudor."

Esteticamente, ela está mais próxima do funk. Tem ajuda de MC Carol, em "Descontrolada", do MC Tchelinho e dos DJs Tonias e Ramemes, além de Ruxell —coprodutor de diversas faixas do álbum.

O Kannalha, sensação do pagode baiano de paredão, canta em "Penetra", também produzida em parceria. "Quando vamos tratar de um ritmo que não é tão mainstream, queremos a verdade, para que as pessoas quando ouvirem pensem ‘ainda assim é o Kannalha cantando com a Pabllo’."

A maior participação de "Noitada" é Anitta, que reencontra a parceira de "Sua Cara", hit de 2017 que foi um marco na carreira das duas. Em "Balinha de Coração", a ideia era fugir da canção que se tornou marca registrada da dupla. "A gente queria o oposto", ela afirma. "As referências de ‘Balinha’ vêm do funk, da PC music, do eletrônico."

Pabllo não esconde a admiração por Anitta, a outra brasileira que se apresentou num dos palcos principais do Coachella, o famoso festival americano, no ano passado. Para a drag, a cantora tem uma capacidade única de identificar "o que é novo e que as pessoas não estão fazendo".

São dois dos nomes mais conhecidos do pop brasileiro no exterior, ainda que por vias diferentes. Pabllo baseia sua obra no Brasil para além do eixo, enquanto Anitta tem abordagens diferentes para os mercados de Brasil, Estados Unidos e América Latina.

Quando foi chamada para regravar "Fun Tonight", de Lady Gaga, Pabllo transformou a música num forró. Ela confirma a brincadeira dos fãs, de que ficou com a canção que ainda não havia sido escolhida por outros artistas do disco "Chromatica".

Com Pabllo Vittar, "Fun Tonight" se tornou a faixa mais ouvida do álbum de remixes de Gaga, ultrapassando os 100 milhões de plays no streaming.

"A Gaga fumou maconha ouvindo, me marcou nos status", ela conta, celebrando. "Os outros remixes se parecem muito. Se eu chegasse americanizada com um pop totalmente Britney, eles iam vão falar ‘que bosta’, entendeu? Isso mostra quem é artista e quem é propagador de ideia. Pegar um limão desse e fazer uma limonada dessa, com gengibre, meu amor?"

É uma anedota que reflete a dimensão de Vittar, que empilha turnês no exterior enquanto reúne multidões em seu bloco no Carnaval e chega ao quinto álbum de uma carreira de ascensão ininterrupta. E, mesmo neste lugar de visibilidade, ela foi uma das artistas que mais falou de política no último ano.

Depois de pegar uma toalha com o rosto de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, no show histórico na edição de 2022 do Lollapalooza, ela passou a andar com seguranças —mesmo contra a sua vontade.

"Temos que usar o palco para momentos políticos", diz. "Muitas vezes, não precisa abrir a boca para ser política, mas às vezes a gente tem que tomar medidas drásticas."

Sobre a vitória de Lula, ela diz que a ficha ainda não caiu, depois de quatro anos do país que mais mata LGBTs no mundo sob o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro. Em seu show na posse do novo presidente, ela fez um desabafo sobre ter dado a cara a tapa na última eleição.

"Me frustrava eu falar e muita gente ficar calada", diz. "Me distanciei de pessoas, voltei a falar com outras, mas fiquei num estado de ‘muito emputecida’. Tipo ‘mona, olha quem vai nos seus shows’. ‘Tu não faz show para rainha, não, é para sapatão, veado, travesti, gente preta, pessoa de comunidade.’ Não é isso que tu prega?’"

É uma consciência política que vem antes da vida artística, do senso de coletividade que diz ter aprendido quando viveu num assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, em Uberlândia, em Minas Gerais. Hoje, ela diz que não sonha com grandes conquistas na carreira, mas em se manter relevante, abraçar as causas que são caras e, em especial, não se perder de si mesma.

"Sonhos? Hoje sonhei que botava aparelho", diz, em tom de brincadeira. "Só quero me manter centrada, não perder minha essência. Quando isso acontecer, acabou tudo. O complicado é se manter em equilíbrio. Agora que achei esse controle, quero manter."

Noitada

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  • Autor Pabllo Vittar
  • Produção Brabo Music Team
  • Gravadora Sony
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