Cildo Meireles tem lado sexual e violento iluminado em exposição em São Paulo

'No Reino da Foda' traz desenhos e obras críticas à classe média brasileira feitos durante os anos de ditadura militar no país

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São Paulo

O artista Cildo Meireles, de 74 anos, fez-se notório com grandes instalações conceituais, como a provocadora "Desvio para o Vermelho", no qual uma sala vermelha, repleta de objetos da mesma cor, remetia à violência de uma classe média cercada por bens de consumo e alheia ao que acontecia durante os anos de chumbo.

Outro trabalho de projeção do artista, também dos anos 1970, é a série "Inserções em Circuitos Ideológicos", cujas edições "Projeto Coca-Cola" e "Quem Matou Herzog?" faziam circular nas garrafas do refrigerante e em notas de dinheiro mensagens desaforadas à ditadura.

Obra de arte sem título de Cildo Meireles
Obra sem título de Cildo Meireles exposta em 'No Reino da Foda', em São Paulo - Edouard Fraipont/divulgação

Mas o carioca desenha —e sempre desenhou— compulsivamente. Agora, a exposição "No Reino da Foda", na Galeria Luisa Strina, em São Paulo, traz à tona este que é um aspecto menos conhecido da obra do artista, mas tão importante quanto, diz o curador Ricardo Sardenberg.

"São imagens muitas vezes monstruosas, violentas e eróticas, quase antagônicas ao que vimos nas instalações", diz.

"No Reino da Foda" mostra obras feitas por Meireles do início da ditadura militar, em 1964, até 1987, dois anos após o fim do regime. Dentro desse recorte temporal, o único período no qual o artista não desenhou —pois estava imerso na arte conceitual e ampliando a carreira internacional— foi de 1968 a 1973.

A exposição conta com dois exemplares da série homônima de 1965; obras figurativas das duas décadas seguintes, que evocam o grotesco e a violência; e outras nas quais Meireles aborda o espaço euclidiano e a figuração.

O artista tinha apenas 17 anos quando começou a produzir esses desenhos, que também trazem um quê de onírico e de crônica jornalística bem-humorada.

O comentário social foge da literalidade, explica o curador, e é sugerido por meio de traços expressionistas em que se nota movimentos gestuais com as mãos.

Apesar do título provocador da exposição, o sexo é mais aludido do que mostrado explicitamente. Há, por exemplo, uma obra na qual um homem acaricia a virilha de uma mulher, e outra de cunho homoerótico, em que dois homens parecem estar prestes a se beijar. Um veste uma camiseta regata e o outro usa óculos escuros e chapéu —este, para Sardenberg, representa um agente secreto do SNI, o Serviço Nacional de Informação.

Esses desenhos foram colocados pelo curador logo na entrada, enquanto os mais "limpinhos" ficaram nos fundos da mostra. Um corredor abriga as obras a que Meireles se refere como premonitórias. Elas trazem abstrações fantasiosas e oníricas —"não-lugares" mentais que também podem ser representados pela palavra "foda".

"Não é uma imagética tão clara para falar contra a ditadura. São desenhos com referências a situações ou sensações desse período."

"Muitos deles têm uma violência ou monstruosidade embutidos neles, até os que estão ligados ao erotismo. Remetem a uma classe média urbana doente que está surgindo e é muito problemática no lugar que ocupa, de destruição ou de apoio à ditadura", diz.

O recorte temporal se limita a 1987 porque, a partir daquela época, o estilo do artista tem uma inflexão, e ele passa a adotar linhas limpas. Por outro lado, segundo o curador, o que torna a exposição contemporânea é o fato de que a sociedade brasileira não teve uma inflexão como Cildo.

"Passamos pelo governo Bolsonaro, mas como se vê, os efeitos desses quatro anos não acabaram. A violência continua muito presente no cotidiano brasileiro", defende.

Para Sardenberg, "No Reino da Foda" remete ao que se vê no cotidiano de qualquer cidade brasileira de médio porte.

"A arte não precisa ser necessariamente sobre o belo. Falar de nós mesmos, às vezes, é uma coisa agressiva."

No Reino da Foda

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