Show de Chico Buarque vê o Brasil em fotos de Sebastião Salgado e Thereza Eugênia

Turnê 'Que Tal um Samba?', ao lado de Mônica Salmaso, chega à capital paulista nesta quinta com cenografia de Daniela Thomas

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Rio de Janeiro

A foto, projetada em escala enorme no fundo do palco, mostra uma revoada de pássaros reluzindo um vermelho vivo. Em segundo plano, a presença humana se manifesta acinzentada, numa instalação industrial emoldurada por uma enorme nuvem de poluição.

O que se ouve em cena é "Passaredo", de Francis Hime e Chico Buarque —"Te esconde colibri/ Voa, macuco/ Voa, viúva/ Utiariti/ Bico calado/ Toma cuidado/ Que o homem vem aí". Imagem e canção dialogam, se complementam e se enriquecem de sentidos.

Chico Buarque durante show da turnê 'Que Tal um Samba?'
Chico Buarque durante show da turnê 'Que Tal um Samba?' - Leo Aversa/Divulgação

A foto de Araquém Alcântara é a primeira a ocupar o palco no show "Que Tal um Samba?", que Chico Buarque apresenta ao lado de Mônica Salmaso. Ao longo do espetáculo, que chega a São Paulo nesta quinta-feira (2), são exibidas 25 imagens de fotógrafos brasileiros, uma para cada canção.

A escolha das fotos —e a forma como elas interagem com o que se ouve ali— é um elemento central na construção do show e também um dos que mais chamam a atenção do público, que tem lotado casas de espetáculo Brasil afora desde a estreia da turnê, que ocorreu em setembro de 2022, em João Pessoa.

Responsável pela seleção das imagens e por toda a cenografia de "Que Tal um Samba?", Daniela Thomas diz que usou seu olhar de cineasta para compor o aspecto visual do espetáculo.

"Tenho uma teoria de boteco: a música do Chico é um quadro de um filme", diz. "Não que haja um filme necessariamente dentro da cabeça de Chico, mas, pela forma como descreve personagens e situações, ele estimula você a criar esse filme. Foi isso que propus: pôr no palco, a cada canção, o quadro do filme que ele me provocava imaginar."

Para dar conta da diversidade de personagens, cenas e filmes sugeridos pelas canções de Chico, a cenógrafa se valeu de obras de artistas de diferentes estilos e gerações.

De Thereza Eugênia —82 anos, autora do retrato de Gal Costa que ilustra "Mil Perdões", que Chico canta em homenagem à baiana— a Marina Juppa —60 anos mais jovem, responsável pela imagem imponente e algo onírica do morro Dois Irmãos, que aparece exatamente no momento em que "Dois Irmãos" é cantada.

Além dos já citados, a lista inclui ainda Paulo Vainer, Sebastião Salgado, Ricardo Teles, Fernando Costa Neto, Julio Bittencourt, Caio Reisewitz, Walter Carvalho, Marcelo Pallotta, Roberto Wagner, Renato de Cara, Rogério Reis, Luiz Braga, Mauro Fainguelernt, Cristiano Mascaro, Antonio Saggese e Bruno Veiga.

Uma das fotos não tem autoria identificada. É exatamente a que se refere à canção que dá título à turnê, "Que Tal um Samba?". Pertencente ao acervo do jornal Última Hora, é uma imagem de Tijolo da Portela —tido como o mítico primeiro passista— dançando na rua, observado pelas pessoas, ao que parece durante um desfile carnavalesco.

A cenógrafa explica, porém, que a cena, com toda sua carga de história, é uma fotomontagem. "A foto dele foi feita em estúdio, e depois o jornal recortou e botou como se estivesse naquele lugar. É interessante pensar a foto nesse lugar da construção de uma realidade para além de simplesmente um registro."

"Que Tal um Samba?", o show e a canção, são exatamente a proposição de uma realidade —ou, mais especificamente, de um país. Um Brasil solar e capaz de superar o outro, sombrio, que também aparece ali em momentos como "As Caravanas" —"Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria/ Filha do medo, a raiva é mãe da covardia".

Daniela quis refletir esse país buarqueano nas fotos que escolheu. Como em "Paratodos", uma cena clicada por Sebastião Salgado num casamento no interior do Brasil. "Tem rostos para não esquecer jamais. É o brasileiro de quem Chico fala", avalia Daniela.

Como as imagens de quilombolas feitas por Ricardo Telles, que aparecem em "O Velho Francisco" e "Sinhá". Ou a do adolescente negro olhando, imponente, de um ponto de vista alto, a Baía de Guanabara — imagem feita por Bruno Veiga que é usada em "Caravanas". Ou ainda a dos integrantes do MST em "Assentamento", outra de Salgado.

A cenógrafa destaca ainda a foto de Paulo Vainer que ilustra "Beatriz". "É a imagem de uma sombra dupla de uma mulher sobre uma parede. Não queria dar um rosto à Beatriz. E essa foto é mágica e forte. Como na canção do Chico, o personagem nunca a alcança. Ela está sempre além da possibilidade de compreensão dele", diz.

Uma das fotos à qual Chico reagiu com mais entusiasmo, conta ela, é a que ilustra "Tua Cantiga". A imagem clicada por Antonio Saggese revela uma casa de casal com os lençóis e travesseiros desarrumados.

"Você sabe que um casal esteve ali", diz a cenógrafa. "Uma cama desfeita é o quadro de uma relação, de um amor." Um exemplo nítido, portanto, do muito que cabe nos limites exíguos de uma foto. Ou de uma canção.

Turnê 'Que Tal um Samba' em São Paulo

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