Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Não tremo mais quando estou com Chico Buarque', diz Mônica Salmaso

Cantora fala sobre turnê com o artista carioca, comenta comparações com Elis e Gal e diz que remuneração de serviços de streaming é 'medieval'

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A cantora Mônica Salmaso na sala de seu apartamento, no bairro da Aclimação, em São Paulo Eduardo Knapp/Folhapress

Mônica Salmaso assistia a uma aula de artes plásticas quando ouviu "Beatriz", composição de Edu Lobo e Chico Buarque, pela primeira vez. Na escuridão de um dos auditórios do Museu de Arte de São Paulo (Masp), enquanto pinturas eram projetadas sobre uma tela, a voz de Milton Nascimento, que gravou a música, se impôs sobre a demonstração e fisgou os ouvidos atentos da paulistana de 16 anos. "Ali, eu tive a sensação de que ia explodir de beleza", relembra.

Mais de 30 anos depois, é Mônica quem captura as atenções ao interpretar a faixa, do álbum oitentista "O Grande Circo Místico", na turnê em que se apresenta como convidada de Chico Buarque. As seis primeiras músicas do espetáculo são cantadas por ela. "Quando eu vi que tinha que cantar ‘Beatriz’ de quinta a domingo, por quatro semanas seguidas, falei: ‘Não posso cair na gandaia, não posso ir em lugar cheio em que a gente conversa falando alto’", conta, aos risos, sobre os cuidados com a voz durante a recente temporada no Rio.

"Tenho tido uma rotina muito rigorosa de fono, de aquecimento e desaquecimento vocal, de não comer e de não beber certas coisas, de me cuidar para poder dormir e descansar. Estou uma santinha, quase operando milagres", brinca. "E estou sem drogas de nenhum tipo! Eu sou careta ‘pacas’ porque sou fraca, mas nem um vinhozinho [estou tomando]. Só às vezes, no último dia de show em uma cidade, tomo uma taça."

A cantora Mônica Salmaso na sala de seu apartamento, no bairro da Aclimação, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

A turnê "Que Tal um Samba?", que em cinco meses já passou por nove capitais, aterrissa na cidade de São Paulo na próxima quinta-feira (2). Em abril, será a vez de Salvador, parada final da caravana que ainda reúne os músicos Luiz Claudio Ramos, João Rebouças, Jorge Helder, Jurim Moreira, Chico Batera, Bia Paes Leme e Marcelo Bernardes. Apesar das centenas de quilômetros rodados com o grupo, Mônica diz faltar palavras para descrever o que tem vivido.

"Eu jamais, nem alucinando, podia imaginar que um dia aconteceria um convite como esse. Ao mesmo tempo em que é imenso e ‘cinderélico’ —eu brinco falando que sou a Cinderela do show—, por um outro lado, é estranho dizer, mas é familiar. Porque essa caneta do Chico, a criação poética e musical dele, é também a minha própria formação."

A relação entre os dois começou a ser desenhada muito antes daquela aula no Masp. Ainda criança, Mônica explorava os discos de seus pais enquanto aprendia a manusear o aparelho de som. De "Os Saltimbancos" a "Construção" e "Meus Caros Amigos", ela conta que muito do repertório do carioca foi absorvido precocemente.

"O Chico é, provavelmente, o compositor que eu mais ouvi na vida. Eu, pequena, passava muitas horas ouvindo. Às vezes, perguntava para a minha mãe: ‘O que quer dizer revés de um parto [verso da música ‘Pedaço de Mim’]?’. Mesmo sem saber o sentido daquelas palavras, aquele banco de emoções já ia morando em mim."

"Esse lugar [inspirador] que o Chico ocupa na minha formação não diminuiu uma vírgula [com a convivência nos últimos meses]. Nem quero que diminua. Porque, se isso acontecer, vou ter perdido uma coisa muito importante para mim. O Chico é de um tamanho na cultura brasileira, como a Fernanda Montenegro e como certas pessoas são, que isso não desgruda mais. Não tem como. E ele tem que lidar com isso também."

Não que a aproximação profissional entre os dois tenha se desenrolado sem maiores embaraços. "Eu não tremo mais quando estou do lado dele", diz Mônica à coluna, gargalhando. "A [atriz] Ana Beatriz Nogueira, que passou vários Natais com ele, me falou assim: ‘Demorei dez anos para falar ‘Chico, passa a salada?’. Porque não tem jeito, essa pessoa nunca vai ser alguém comum, embora possa ser familiar. Mas eu já falo ‘passa a salada’", emenda, rindo.

"Agora, ele não tem nada a ver com isso. É uma coisa nossa em relação a ele. Ele é muito generoso, muito educado, muito sério no que faz, no que gosta de fazer. Quando canta um verso que é um achado, ele comemora. Você vê que ele canta e saboreia aquele verso. Não do tipo ‘nossa, arrasei’, mas ‘é bom mesmo esse verso’. E isso é bonito de ver. Às vezes, é uma coisa desse tamaninho, é um sorrisinho, mas você está ali, pertinho, e vê."

Mais do que a pressão e o encantamento de trabalhar ao lado de alguém a quem há muito admira, ela conta à coluna que a imersão na turnê foi marcada, principalmente, pela disputa eleitoral deflagrada no país em 2022. Desde o palco, ela viveu o pré, o durante e o pós-pleito —e também os ataques golpistas ocorridos em Brasília em 8 de janeiro.

"Antes das eleições, para a maioria das pessoas, era a primeira vez que elas saíam de casa para ver um show [após a pandemia de Covid-19]. O que acontecia era uma celebração da ordem do religioso. As pessoas choravam juntas e se abraçavam sem nem se conhecer. Era surreal! É maior do que a gente. ‘É maior até do que você, Chico’, eu brincava. Eu segurava a onda até acabar o show, porque não consigo cantar chorando, fazer aquela cena bonita [risos]. Fecha a minha garganta, o meu olho, eu fico horrorosa, toda inchada. Mas no bis, para ir embora, eu já estava chorando."

"Depois, veio o segundo turno. Muito provavelmente, se fosse outro o resultado, a turnê ia parar", diz, sobre uma eventual derrota de Lula (PT) para o então presidente Jair Bolsonaro (PL). "Não tinha como. Ia ter que mudar ‘só’ tudo. E tem uma coisa humana de você conseguir fazer, de ‘o que a gente vai falar para essas pessoas?’. Nem chegamos a isso. A gente só chegou à agonia de pensar: ‘Será que continua?’."

Mônica Salmaso recebeu a coluna em seu apartamento no bairro da Aclimação, em São Paulo, onde vive com o marido, o músico Teco Cardoso, e com o filho, Théo, que em breve completará 16 anos. Filha de uma professora e de um engenheiro, ela cresceu no bairro do Jardim Paulista, em um sobrado que passou a receber saraus e noitadas de violão depois que sua mãe se aventurou em aprender a tocar o instrumento musical.

Apesar da influência que rondava o teto em que vivia e da voz afinada que desde cedo lhe rendia elogios, Mônica quase "cometeu" um vestibular para o curso de jornalismo aos 18 anos. Foi salva por uma professora de canto. "Fui fazer aula para ser cantora? Não, mas para ser minimamente feliz. Até que eu perguntei para a professora: ‘Quando você vai assinar um formulário para comprar uma geladeira, o que você escreve como profissão?’. E ela falou: ‘Cantora’."

"As placas tectônicas estavam andando e tinham se aberto para coisas que diziam que existiam outros lugares para viver, para fazer música. Eu só nunca tinha me perguntado se eu queria ser isso porque, antes de tudo, tinha essa sensação de que era um sonho muito estratosférico, de que a chance de queda era imensa. Não queria fazer isso comigo."

A cantora Mônica Salmaso na sala de seu apartamento, no bairro da Aclimação, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Dois meses após iniciar as aulas de canto, Mônica anunciou que deixaria o cursinho pré-vestibular para se dedicar à música. Mais do que aos pais, a decisão pegou de surpresa uma amiga —que, por acaso, convivia com a atriz Rosi Campos. "Ela contou para a Rosi que uma amiga dela tinha abandonado o cursinho e ia ser cantora: ‘Lembra da Mônica? Então, vai ser cantora!’. Meio perplexa assim", lembra, rindo.

Mesmo sem ter ouvido nem uma nota sequer saindo da boca de Mônica, Rosi Campos indicou o seu nome para o diretor de teatro Gabriel Villela. Ele procurava por uma cantora que não fosse atriz para fazer o Canto de Verônica, típico de procissões cristãs, na peça "O Concílio do Amor". "A Rosi falou assim: ‘Gabriel, eu tenho a pessoa. Nossa, ela é demais! Canta muito bem, lê partitura’. Ela inventou uns troços", conta, rindo.

"Foi um privilégio, porque cantor é um bicho que já nasce em um lugar de destaque. Nasce na frente, com um monte de luz em cima. E eu nascia, num primeiro trabalho profissional, no meio de um elenco de teatro, sem atuar. Eu era apenas uma Verônica. Mas, com isso, eu ganhei."

Enquanto fazia a peça, que ficou por um ano em cartaz no Centro Cultural São Paulo, Mônica se embrenhou por bares e pegou gosto por "dar uma canja" naqueles espaços. Eram os anos 1990. "Eu cantava de tudo. Trocava o músico, ‘agora é choro’, eu cantava choro. Aí trocava, era samba, ‘posso cantar?’ Cantei por uns dois, três anos. Dali, conheci gente para começar o meu trabalho."

Com mais de uma dezena de álbuns lançados nos últimos 25 anos, a cantora já foi comparada a Elis Regina, Maria Bethânia, Nana Caymmi e Gal Costa pelo compositor Dori Caymmi, com quem lançou o álbum "Canto Sedutor" no ano passado. Mônica se diz honrada com o elogio, mas expressa cautela.

Ela afirma se ver como parte de uma geração que ascendeu num momento em que as gravadoras já não estavam mais no auge e em que o modelo da indústria musical passou por significativas transformações. "Quando o Dori fala isso, eu fico superfeliz. É como um presente que você ganha. Mas não é ‘colocável’ uma coisa no lugar da outra, porque a realidade é muito diferente."

"Mesmo a Elis, a Bethânia, o Chico e o Milton não teriam o desenho de carreira que eles tiveram se eles nascessem e começassem a trabalhar nos anos 1990. É outra realidade", diz ela, que sempre esteve associada a selos menores. "Fazendo o que eu faço, o lugar onde estou é dos melhores neste momento. ‘Ah, mas não é um lugar da fama’. No meu planeta, esse lugar é o máximo. Tenho autonomia sobre o meu trabalho, vivo dele e tenho um público formado, bonito."

Mônica se diz contrariada com o modelo de negócios atual baseado na predominância dos serviços de streaming. E defende que ele seja repensado. "A realidade da remuneração é medieval", afirma.

"Aquela assinatura ridícula de R$ 30 para seis contas no Spotify... Para muita gente, a percepção de que aquilo [a música] é um produto pelo qual você paga, é nula. Isso não equivale a comprar um CD. Já é uma desvalorização, é uma pirataria oficial. Tem sobrinho meu falando: ‘Mas você compra música?’. E eu respondo: Claro! Porque ele não compra, não paga nem aqueles R$ 30 [da assinatura em família]."

A coleção de DVDs e VHSs na estante da sua sala de estar e o robusto diário de sonhos do cineasta Federico Fellini que repousa sobre o seu piano de cauda não escondem o apreço de Mônica pelo cinema. Recentemente, ela assistiu a "Tár", longa protagonizado por Cate Blanchett que disputa o Oscar deste ano. "Como é que pode cancelar Bach? Não pode cancelar Bach", dispara, em referência a uma cena em que um aluno denuncia a misoginia de Johann Sebastian Bach.

Detalhe de livros sobre piano na sala do apartamento de Mônica Salmaso, no bairro da Aclimação, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

"O cancelamento é um instrumento político, mas também um instrumento que pode vir a ser diminuidor das nossas possibilidades de conhecimento", diz. "Se você acha que tem restrições a Bach, legal, mas você vai achar um jeito de situar essas suas restrições. Deixar de ouvir Bach? Você vai perder uma coisa meio importante da história da música. Que vai fazer com que você seja uma pessoa mais curta na sua formação. Há coisas para serem vividas ouvindo Bach."

Na véspera de completar 52 anos —ela faz aniversário na segunda-feira (27)—, a artista se diz contente ao olhar para o caminho que trilhou até aqui. "Meu trabalho sempre foi no braço. Foi tijolinho em cima de tijolinho, em selos menores, nunca tive uma exposição que fizesse uma coisa de grande alcance. E eu gosto disso."

"[Passar dos 50 anos] é uma espécie de vira-curva", afirma à coluna. "Simbolicamente, parece que até fazer 50 anos você constrói um eu ali. Você compra um disco e fala: ‘Olha, esse disco é para a minha coleção’. Você acumula coisas que desenham quem você é. Agora, estou nesse lugar de ‘quem eu sou daqui pra frente?’."

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