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Paulina Chiziane mostra que mulher sofre sendo monogâmica ou não

Novo romance 'Balada de Amor ao Vento' desvela os anseios amorosos das moçambicanas como uma procura pela vida

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Fernanda Silva e Sousa

Crítica literária e doutora em letras pela Universidade de São Paulo

Balada de Amor ao Vento

  • Preço R$ 59,90 (176 págs.); R$ 37,90 (ebook)
  • Autoria Paulina Chiziane
  • Editora Companhia das Letras

"Tens fortuna, mas não tens amor. O ser humano não pode ter tudo aos seus pés", diz a consciência, povoada por vozes ancestrais femininas, da moçambicana Sarnau. A protagonista de "Balada do Amor ao Vento", primeiro romance da premiada escritora Paulina Chiziane, vive numa sociedade marcada pela poligamia.

mulher negra sorri em retrato em preto e branco
A escritora moçambicana Paulina Chiziane, vencedora do prêmio Camões em 2021 - Divulgação

Publicado em 1990, o livro marca o início de uma produção literária que foi honrada com o Camões em 2021 e é atravessada por uma profunda meditação sobre os dilemas e anseios das mulheres moçambicanas, como em "Niketche: Uma História da Poligamia" e "O Alegre Canto da Perdiz".

Se o ser humano não pode ter tudo, o que Chiziane parece revelar em sua obra inaugural é que a mulher pode ter menos ainda, sobretudo "ser livre para amar livre, sem leis nem tradições".

De uma velhice decadente, Sarnau reconstitui seu passado a partir da sua experiência trágica do amor, indo da paixão desenfreada pelo jovem cristão Mwando, que "queria ser padre, pregar o Evangelho, batizar, cristianizar", ao casamento poligâmico com Nguila, futuro rei, que se torna seu "marido", "senhor" e "soberano".

Esbarrando nos limites dolorosos impostos pelos efeitos do colonialismo no país e pelos valores tradicionais que objetificam as mulheres, Sarnau se questiona se é verdade que o amor existe.

No entanto, há várias vozes que se encontram, se irmanam e se tensionam num processo narrativo em que as histórias do passado são ainda também as histórias do presente, e os vivos coexistem com os "defuntos".

Nesse sentido, vozes ancestrais irrompem no romance, bem como a consciência atormentada e culpada de Mwando, interditando uma perspectiva única sobre um passado em que o peso da história e da tradição é como um vento a sacudir uma trama em que a natureza é a maior soberana.

A natureza se destaca como testemunha do amor proibido entre Sarnau e Mwando, como artifício que suspende, ainda fugazmente, o tempo e o espaço de um relacionamento amoroso que não está imune à força de tradições, sejam elas ocidentais ou africanas, em que a "fome de amor" das mulheres nunca é saciada.

Não à toa, é como se os pássaros, os peixes, os rios, livres e belos, animassem a coragem de Sarnau de dizer sim à "voz do coração", como tantas mulheres queriam ter dito.

Sarnau, ao contar sua própria história, se torna também uma contadora de histórias de outras mulheres, narrando "os golpes da vida" que "a mulher suporta no silêncio da terra". Mas, ao propor uma viagem ao mundo da mulher que vai muito além do trabalho reprodutivo —afinal, "como é que uma mulher jovem pode aguentar-se, alimentando-se somente com arroz, milho e mandioca?"—, Chiziane desvela os anseios de amor que figuram também como uma procura pela vida.

Declarando sem pudor que "não fui eu quem inventou o amor e a poligamia" e que "com a poligamia, com a monogamia ou mesmo solitária, a vida da mulher sempre é dura", Sarnau, em vaivém com Mwando e em seu triste casamento com Nguila, leva a pensar na impossibilidade de um amor sem sofrimento na vida das mulheres.

Por isso, diante das "noites frias de solidão e dos desamores", quando trata do adultério, pergunta "mas que mal há nisso?". "A situação é que nos obriga a cometer adultério."

Com "Balada de Amor ao Vento", Chiziane se torna a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique e transforma seu pioneirismo na escuta de vozes femininas que, muito antes de sua obra, já falavam "do amor com os olhos embaciados", "da vida com os corações dilacerados" e "do homem pelas chagas desferidas no corpo e na alma".

É também nesse livro que se vê a força e a fragilidade do desejo de mulheres insurgentes que agem como se um dia fosse possível não apenas o amor, mas também uma vida desvinculada das tramas coloniais e sexistas.

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