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Artes Cênicas

Peça 'Ubu Rei' tem bom jogo humorístico, mas é superficial e repetitiva

Clássico do dramaturgo francês Alfred Jarry causou escândalo e cancelamento quando estreou em Paris no final do século 19

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Ubu Rei

  • Quando Sex. e sáb., às 20h, dom., às 18h. Até 12 de março
  • Onde Sesc Consolação - r. Dr. Vila Nova, 245, São Paulo
  • Telefone (11) 3234-3000
  • Preço R$ 40
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Carolina Delduque, Ciça de Carvalho, Douglas Novais, Everton Gennari, João Fernandes, Julia Cavalcanti, Gabriel Sobreiro, Gileade Batista, entre outros
  • Direção Gabriel Vilella

A peça "Ubu Rei", de Alfred Jarry, se transformou em um clássico do teatro ocidental alguns anos depois da morte precoce do autor francês, aos 34 anos. Não deixa de ser uma contradição. Afinal, é uma obra que parece ter sido moldada não para agradar, mas para provocar.

Para além da sátira de um autoritarismo ridículo e depravado, há na peça também um desprezo dos clássicos e da própria ideia elevada de cultura, de beleza, de bom gosto, de obra-prima e outros valores ideológicos que ainda organizam o juízo estético sobre arte.

Elenco da peça 'Ubu Rei', de Gabriel Vilella
Cena de 'Ubu Rei', sob a direção de Gabriel Vilella - João TK

Quando estreou em 1896, no teatro simbolista Théâtre de l'Oeuvre, causou um grande escândalo —gritos e vaias do público, várias interrupções e, por fim, o cancelamento da temporada da peça em Paris. Durante a vida de Jarry, ninguém mais se aventurou a pôr a obra em cartaz.

O fato pode ser lido como incompreensão moralista de uma peça "avant la lettre", à frente de seu tempo. Mas, na verdade, o escândalo dá a ver algumas das mais importantes características de "Ubu Rei" —sua natureza destrutiva, iconoclasta, irreverente, que buscava abalar a instituição artística e provocar os seus entusiastas. O fracasso na estreia da peça é também um tipo de sucesso do material.

Não por acaso, no início do século 20 o autor passou a ser lido com ávido interesse pelos vanguardistas interessados nesse mesmo tipo de abalo e ruptura. Antonin Artaud, por exemplo, deu o nome de Alfred Jarry ao teatro que fundou com Roger Vitrac em 1926. O crítico Otto Maria Carpeaux dizia que "Jarry é o grande percursor" do dadaísmo.

O processo de transformação em clássico da obra de Jarry, é, paradoxalmente, tanto um reconhecimento de sua força criativa como uma neutralização de suas características mais incendiárias.

Algo dessa contradição é visível na montagem atual do grupo Os Geraldos, com direção de Gabriel Vilella. A impactante força imagética do espetáculo, o bom jogo humorístico entre os atores ou os movimentos corais e musicais cheios de vida —algo que se tornou um estilo recorrente de Vilella— se sobrepõem e desativam a raiva, a afronta ou a energia experimental e destrutiva que um dia mobilizaram o jovem Jarry.

Acontece que, emoldurado pelo palco clássico de um teatro à italiana e sem aquela potência destrutiva do material, "Ubu Rei" se torna uma sátira superficial, repetitiva e de menor potencial reflexivo.

São notáveis os vários pontos de conexão explorados pelo grupo entre a realidade brasileira atual e o universo terrivelmente grotesco da peça.

O conjunto das personagens aparece como um antro de ratazanas a todo instante associadas à falência civilizacional do Brasil. É mostrado também o lado ridículo e tosco que, sabemos bem, sempre está lá a conviver com as mentes autoritárias.

Só que as múltiplas referências e conexões vão se empilhando em cena de forma algo desorientada, quase aleatória, como uma coleção de memes no feed de uma rede social.

Falta o elemento inflamável que faria a peça explodir sobre o presente. No século 19, Jarry confrontou com violência a expectativa de um público ilustrado. Aqui, as incontáveis referências satíricas a Bolsonaro e ao bolsonarismo criam um código de cumplicidade junto ao público.

A provocação cede lugar à comunhão. O escândalo dá espaço à exibição dos recursos musicais do grupo. E o grotesco se torna um tipo de beleza.

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