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Teté Ribeiro

Por que Rihanna fez do anúncio da gravidez um show no Super Bowl

Exibir o barrigão em vez de se envergonhar é avanço, mas estrelas que espetacularizam gestação soam fora do mundo real

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São Paulo

Antes que atirem a primeira pedra: em 2013 nasceram minhas filhas. Três anos depois lancei um livro chamado "Minhas Duas Meninas", que não por acaso trata do nascimento delas.

Eu não tive a oportunidade de revelar meu barrigão (até porque não teve barrigão nenhum, o que é outra história) num look todo vermelho descendo de um palco suspenso no intervalo do Super Bowl, como é chamada a final do campeonato de futebol americano, o maior evento esportivo dos EUA, assistido por um número perto de 100 milhões de pessoas só naquele país.

Rihanna no Super Bowl - Mark J. Rebilas/USA TODAY Sports

Foi Rihanna quem fez isso, na noite deste domingo, a primeira vez que se apresentou em público em cinco anos, desde quando cantou na entrega do Grammy de 2018.

O espetáculo do intervalo da final do campeonato de futebol americano é tradicionalmente feito por uma grande estrela da música pop, completamente consagrada, e que tem 13 minutos para mostrar a um público que em geral não é o seu, o público de eventos esportivos, por que, afinal, ela é a estrela que é.

É quase um portfólio VIP, em que quem é convidado dá o melhor de si. São 13 minutos para mostrar tudo o que a pessoa tem, sejam hits, sejam passos de dança, seja o acesso a convidados especiais, seja uma música inédita, seja uma ideia genial.

Não tem cachê para os artistas, mas a NFL, a liga de futebol americano, banca toda a produção do pocket show. Desde os anos 1990 esse espaço é disputado por empresas que fazem comerciais caríssimos e inéditos para esse intervalo, considerado o momento mais importante e prestigioso da TV americana. Neste ano, a marca Dunkin Donuts contratou Jennifer Lopez e Ben Affleck por milhões de dólares para um comercial que só foi exibido uma vez.

Entre os nomes que já se apresentaram no intervalo do Super Bowl estão Madonna, U2, Paul McCartney, Rolling Stones, Prince, Lady Gaga, Beyoncé, Bruno Mars, Michael Jackson, Red Hot Chilli Peppers, Coldplay, Bruce Springsteen. No ano passado, o show reuniu grandes nomes do rap na única apresentação múltipla até hoje, com Mary J. Blige, Eminem, Dr. Dre, Snoop Dogg e Kendrick Lamar, que ainda convidou 50 Cent para cantar sua música mais famosa, "In Da Club".

Rihanna, que canta e dança como poucas, veio só. Trouxe apenas uma enorme trupe de dançarinos e ela mesma cantou quase sem mexer os músculos faciais, muito menos o corpo. Sua atração principal, a grande surpresa da apresentação de Rihanna estava dentro de sua barriga: o bebê que está sendo gestado.

Rihanna não é exatamente uma pessoa da classe trabalhadora, mas também não faz parte de uma família real numa monarquia, ou seja, seu filho ou sua filha não será um herdeiro de um trono nem nada, será apenas uma criança. Sim, vai ser uma criança bem rica, mas uma criança como outra qualquer. A beleza, o talento e o tino para os negócios não são traços que a genética garante.

A cantora e empresária de 34 anos nascida em Barbados tem uma fortuna avaliada em US$ 1,7 bilhão, cerca de R$ 8,77 bilhões. Parte desse valor aparentemente surreal foi conquistado com os inúmeros sucessos de sua carreira musical, que começou 20 anos atrás e a colocou no livro dos recordes como a artista mais vendida digitalmente da história.

Mas ela também ganhou muito dinheiro com sua autobiografia, "Rihanna", lançada em 2010, seus perfumes, sua empresa de cosméticos, a Fenty Beauty, criada em parceria com a LVMH, uma holding francesa especializada em produtos de alto luxo e sua linha de lingerie, "Savage Fenty".

A gravidez revelada ao mundo ontem à noite já é a segunda da cantora com seu parceiro, o rapper nova-iorquino A$AP Rocky, também de 34 anos. O casal teve o primeiro filho em 19 de maio do ano passado. Até hoje não se sabe qual o nome do bebê, que já tem nove meses e é chamado pelos fãs da cantora de "Baby Fenty".

Ou seja, não é que Rihanna teve que revelar aos seus superiores que, veja bem, não sabia como dar essa notícia, está muito feliz mas mais ainda surpresa, foi um descuido e acabou ficando grávida, não estava planejando, então vai ter que sair mais cedo alguns dias nos próximos meses para fazer o pré-natal e depois, se não for causar nenhum problema para a empresa, gostaria de tentar juntar os 30 dias de férias a que tem direito por lei aos quatro meses de licença-maternidade.

Isso tudo, aliás, um luxo de quem trabalha com carteira assinada, uma realidade cada vez mais rara no mercado profissional. Para grande parte das mulheres que trabalham, a gravidez, desejada ou não, é um obstáculo que terá que superar na carreira.

A espetacularização da gravidez das celebridades parece, à primeira vista, uma postura que tem a ver com o tal do empoderamento feminino, mas, no fundo, está mais para uma falta de afinidade com o mundo real e com o egocentrismo comum a quem faz muito sucesso e vive rodeado de seus próprios funcionários, que acham sempre o máximo cada opinião de seus empregadores.

A atriz Claudia Raia, que deu à luz a seu terceiro filho, Luca, no último dia 11, um dia antes da grande revelação de Rihanna, foi outra que fez da gravidez um acontecimento público. E decerto lucrativo, já que o anúncio em que confirmava que ela e o parceiro estavam esperando um bebê foi feito em forma de publipost no Instagram, em que a atriz fazia um comercial de uma marca de testes de gravidez.

Aos 56 anos, Claudia Raia tem razão de ter ficado contente com a chegada do terceiro filho, afinal nessa idade quase todas as mulheres do mundo inteiro já entraram na menopausa.

As pesquisas científicas na área da fertilidade só fazem avançar, mas o corpo humano é o corpo humano, tem seus ciclos, seu ritmo e, infelizmente, começa a decair com o passar do tempo. E a produção de óvulos femininos não costuma chegar aos 50 anos com o mesmo viço do rosto das atrizes, cantoras e celebridades que não têm medo de agulha. Não existe botox nem preenchimento para os ovários.

O mundo tem hoje mais de 8 bilhões de pessoas. Em toda a história, calcula-se que já tenha passado pelo nosso planeta entre 105 e 106 bilhões de seres humanos. Todos eles, assim como eu, você, o Chico Buarque, a Dercy Gonçalves, os donos da boate Kiss e até Jesus Cristo nasceram porque uma mulher engravidou.

É muito injusto que a continuidade da raça humana, que até agora só tem esse caminho para continuar existindo, cause tanto constrangimento para as mulheres das classes baixas e médias no mercado de trabalho. Que afete o corpo, a autoestima e a psique de todas as mulheres também é uma enorme sacanagem da natureza, mas não é disso que trata este texto.

A maternidade, assim como a criação, a educação e os cuidados com as crianças são uma das obrigações fundamentais de toda a sociedade. E isso está longe, muito longe de acontecer. Quase tudo cai nas costas das mulheres, que vivem exaustas, irritadas, com a sensação constante de que não conseguem fazer tudo o que precisam. Tem que mudar, e todo movimento nessa direção é bem-vindo.

Claro que exibir a barriga grávida, em vez de esconder e se envergonhar da silhueta rechonchuda, como já foi a prática, é um avanço importante e precisa ser reverenciado como tal.

Mas aí quem merece o crédito é Leila Diniz, a atriz brasileira que chocou a sociedade conservadora brasileira em 1971, 52 anos atrás, quando foi fotografada grávida, de biquíni, na praia de Ipanema. Leila morreu no ano seguinte, 1972, em um acidente aéreo, quando sobrevoava a cidade de Nova Déli, na Índia.

Após o acidente, um parente da atriz foi à Índia trazer os seus restos mortais e encontrou um diário que ela estava escrevendo na época, com várias anotações. A última frase ficou incompleta, e dizia "está acontecendo alguma coisa muito es...".

Muito provavelmente Leila estava se referindo ao acidente. Mas certamente teria continuado chacoalhando o senso comum da época com sua disposição para viver a vida do jeito que bem entendia, sem dar bola para os preconceitos de sua época. No caminho, quem sabe, teria mudado o mundo.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmava que a licença-maternidade durava cinco meses. A duração correta é de quatro meses. O texto foi corrigido.

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