Art Basel de Hong Kong volta a atrair milionários após o fim da política de Covid zero

Evento reúne 177 galerias de 32 países e reflete expansão do mercado de arte e a retomada cultural da ilha no pós-pandemia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Hong Kong

Marco para a retomada cultural de Hong Kong no pós-pandemia, a Art Basel abriu as portas nesta terça-feira. Mas as festas para colecionadores milionários e galeristas, da cidade e de fora, patrocinadas por casas de leilões como Sotheby's, já vinham se intensificando, preparatórias para a feira.

No meio da pandemia, Hong Kong deixou Londres para trás e se tornou a segunda cidade em leilões de arte no mundo.

É uma das quatro de mesmo nome, realizadas todo ano também na Europa e nos Estados Unidos, a partir da original de Basileia, na Suíça. Visam ao lucro, mas se tornaram referência para o público de arte.

Sede da feira Art Basel Hong Kong - Divulgação

Neste ano, são 177 galerias de 32 países, mais 82 painéis de artistas, curadores e críticos, sendo que boa parte da programação de três dias, a começar pelas obras, estará acessível online. Além das casas comerciais, haverá também espaço para instituições sem fins lucrativos.

Com o tema "Este Presente, Momento", está de volta neste ano uma área de instalações maiores, que levam em conta "como ocupar o espaço, como estar presente, na precariedade deste momento", no dizer da nova diretora da Art Basel Hong Kong, Angelle Siyang-Le.

Entre as obras, chamam a atenção um Tutankâmon de dez metros de altura por meio do qual o etípiope-americano Awol Erizku questiona padrões da arte ocidental. Também chamam a atenção as projeções gigantes da suíça Pipilotti Rist, de mãos flutuantes na fachada do novo Museu M+.

"Depois do longo afastamento, a oportunidade de um espaço verdadeiramente cívico, acessível a toda a comunidade de Hong Kong, parece especialmente importante", diz uma das curadoras envolvidas com a feira, Alexie Glass-Kantor.

Entre outros artistas contemporâneos, estão no centro de exposições o sul-coreano Gimhongsok, com manequins com máscaras remetendo a trabalhadores urbanos, e a ucraniana Stanislava Pinchuk, com uma escultura de mármore sobre imigração.

Siyang-Le, a diretora da feira, quer usar o fim da pandemia também para reapresentar a cidade como eixo da arte na Ásia, papel que passou a ser ameaçado nos últimos anos por Singapura, sempre a concorrente maior, por Seul e até pelas vizinhas gigantes Shenzhen e Guangzhou, na China.

Não há risco de isso acontecer, segundo Jacob Dreyer, escritor e editor americano radicado em Xangai, outra cidade que cresceu como centro de produção e comércio de arte durante a pandemia, com Hong Kong isolada.

"Por mais que todos nós gostemos de arte, a verdade é que a Art Basel Hong Kong é motivada pelo desejo dos ricos chineses de descobrir ativos que possam evitar tributação e diversificar seus portfólios", diz. "Ou seja, Hong Kong não vai perder o lugar como mercado de arte, lugar para exposições et cetera."

O que a cidade não tem é uma boa escola de arte, diferente de Pequim, além de ser cara para os artistas viverem, acrescenta ele. "Daí a piada, você passa os seus 20 anos em Pequim, nas festas, os seus 30 em Xangai, virando burguês e vendo arte, e aos 40 você precisa fugir de imposto e se muda para Hong Kong."

Um dos indícios de que a cidade está recuperando seu papel comercial é que as três maiores casas de leilões de arte, Sotheby's, Christie's e Phillips, estão abrindo ou acabaram de abrir novas e maiores sedes em Hong Kong.

Siyang-Le, a diretora, que antes de assumir a Art Basel Hong Kong foi curadora, entre outras feiras, da Art Dubai, acredita que o ecossistema amadureceu como um todo, desde que a feira começou, há mais de dez anos.

"Em 2013, não havia museus de categoria mundial. Agora, não só temos o Museu de Arte de Hong Kong e o Tai Kwun, mas também dois novos marcos situados lado a lado em no bairro Kowloon, o M+, para arte contemporânea, e o Museu do Palácio, para antiguidades."

O M+, museu de arte visual, design e arquitetura, surgiu ligado ao projeto de Hong Kong como "Cidade Mundial da Ásia", iniciado duas década atrás. Com uma coleção de obras de valor superior a US$ 1 bilhão, seria o MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, da Ásia.

Mas acabou estreando no meio da pandemia, em novembro de 2021, e sob o impacto da lei de segurança nacional lançada após os protestos contra Pequim, iniciados em 2019.

Pior, com uma das obras de Ai Weiwei, em que o artista mostra o dedo do meio para a entrada da Cidade Proibida, em Pequim, sendo retirada do site do museu, sob pressão de políticos locais nacionalistas.

No final do ano passado, com o fim das restrições mais pesadas contra a Covid em Hong Kong e por toda a região, também o museu se relançou, com a maior retrospectiva já feita da japonesa Yayoi Kusama, que vai até maio.

"Kusama é uma das artistas mais importantes e visionárias de nosso tempo e, com a nossa ênfase como o primeiro museu global de cultura visual da Ásia, nós sentimos que ela incorpora perfeitamente essa posição asiática com perspectivas e experiências globais", descreveu a curadora Doryun Chong.

Aric Shen, que foi um dos primeiros curadores contratados pelo M+, em 2012, está de volta à cidade para o Art Basel Hong Kong. Mora há dois anos na Holanda, como diretor-geral do Nieuwe Instituut, o museu nacional para arquitetura e cultura digital. Ele está menos atento ao papel de Hong Kong e mais ao que mudou.

"Desde o início, sempre houve ceticismo com o M+", diz. "As críticas vinham de todos os lados e muitas vezes eram contraditórias, mas uma que se destacou foi que 'os moradores de Hong Kong não se interessam por cultura e você nunca terá público local, o M+ é só para turistas'."

Não mais, segundo ele. "A pandemia foi horrível, mas, com as fronteiras de Hong Kong basicamente fechadas e os turistas ausentes, isso mostrou que os moradores estão realmente interessados em cultura, porque passaram a vir em massa ao M+."

Junto com a coleção e a programação, é o público que dá ao museu uma base forte, podendo então se refletir na cidade como um todo, diante do mundo. "Haverá desafios, mas não tenho dúvida de que o M+ e Hong Kong ficarão bem."

"É quase garantido que haverá algum escândalo sobre censura", diz Jacob Dreyer, em relação à Art Basel. "A notícia será 'grande recuperação econômica, mas China ainda está ruim, diz Ai Weiwei' ou algo assim. Mas as galerias europeias e de Nova York farão grandes vendas."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.