Como o Coldplay trocou tristeza intimista por pop colorido e estádios lotados

Banda inglesa, que faz 11 shows no Brasil, superou fase ruim para criar espetáculo com pulseiras de luz e interação

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Show da banda Coldplay no palco Mundo, durante o terceiro dia do segundo final de semana do festival Rock in Rio 2022, no Parque Olímpico

Show da banda Coldplay no palco Mundo, durante o terceiro dia do segundo final de semana do festival Rock in Rio 2022, no Parque Olímpico Eduardo Anizelli/Folhapress

São Paulo

Em 2007, quando o Coldplay veio ao Brasil pela segunda vez, a banda já era grande. Seus três primeiros álbuns foram sucesso ao redor do mundo, hits como "The Scientist", "Yellow" e "Clocks" estavam em alta rotação no rádio e eles já tinham sido atração principal de grandes festivais, como o britânico Glastonbury. Mas seus shows em São Paulo tiveram plateias pequenas, como as de 6.000 pessoas do extinto Via Funchal.

Três anos depois, eles voltaram à capital paulista, desta vez num espaço dez vezes maior —para os 60 mil que cabem no estádio do Morumbi. Era o início da era em que a banda viveu mudanças de humor e de ambição, deixou para trás as baladas intimistas, abraçou o pop explosivo e colorido para embalar multidões e desenvolveu um espetáculo com luzes e interação que hoje é um dos mais vistosos do mundo.

A partir desta sexta-feira, o Coldplay dá início a uma série de 11 apresentações no Brasil, com a turnê do disco "Music of the Spheres", de 2021, em estádios de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. É uma quantidade incomum de shows desse porte nesse espaço de tempo, seja para artistas nacionais ou internacionais.

Show da banda Coldplay, no palco Mundo, durante o terceiro dia do segundo final de semana do festival Rock in Rio, no Parque Olímpido, na zona oeste do Rio de Janeiro
Show da banda Coldplay, no palco Mundo, durante o terceiro dia do segundo final de semana do festival Rock in Rio, no Parque Olímpido, na zona oeste do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

Foi um processo que começou nas gravações turbulentas do álbum "X&Y", de 2005. É o que diz Mat Whitecross, cineasta que é amigo dos músicos e os acompanha desde os anos 1990, quando eram colegas de faculdade em Londres, além de já ter dirigido clipes da banda e o documentário "A Head Full of Dreams", de 2018.

"Do jeito que eles mesmos descrevem, não era uma época feliz para a banda", ele afirma. "É uma dificuldade para muitas bandas, porque eles começam fazendo algo bastante pessoal, com 20 e poucos anos, e daí, como você evolui, o que você faz quando o mundo inteiro está olhando para você?"

Era um momento difícil, depois de um segundo disco estrondoso, em que o quarteto estava cercado de expectativas —da gravadora, dos fãs, deles mesmos. Paralelamente, o vocalista Chris Martin ia a programas de TV, fazia amigos famosos e se tornava, ele próprio, uma celebridade.

"Estava começando a receber um tipo de atenção de que ele possivelmente não gostava tanto assim, que era esse lado da fama", diz Whitecross. "Ainda que eu ame aquele disco, acho que Chris não consegue dissociar o álbum da experiência ruim que teve na época em que o estava fazendo. Ele estava passando por muita coisa."

Foi nesse período de virada na carreira que a banda fez os shows em São Paulo em 2007. Vitor Babilônia, fã e um dos criadores do portal Viva Coldplay, lembra que o clima ali era diferente do atual —mais orgânico e minimalista. O público era de jovens universitários com as letras na ponta da língua.

"Lembro que fui no único show que eles tocaram ‘Trouble’, mas o Chris cantou de trás para frente, começou pelo fim", diz Babilônia. "Ele era muito mais rebelde e ousado nessa época do que é hoje. Jogou a guitarra para cima. Agora ele é muito mais bom moço."

Babilônia diz que as causas defendidas pela banda eram mais explicitamente abraçadas pelo público. Em 2007, os fãs pintaram as mãos em alusão à campanha Make Trade Fair, a favor da igualdade no comércio entre países ricos e pobres, com pessoas fazendo campanha na porta dos shows —e apoiadas pelo Coldplay.

Naquele show, todos os integrantes usavam roupas pretas, como grande parte da plateia, tênis esportivos, tinham uma atitude roqueira debochada e jovial, a estética era crua e o clima despojado —como o próprio repertório da banda. "Era uma coisa muito menos superprodução e muito mais intimista", diz Babilônia.

A mudança de rumo veio com "Viva la Vida", quando os músicos do Coldplay montaram o próprio estúdio e tentaram reencontrar o prazer de fazer música que tinham quando se conheceram, há mais de duas décadas. Quando os reencontrou para fazer o quarto disco, diz Mat Whitecross, o grupo estava num momento mais feliz.

"Eles disseram, ‘vamos só fazer um álbum do mesmo jeito que quando começamos a tocar juntos, só nós quatro num cômodo nos divertindo e tentando fazer música boa’, em vez de se preocupar com as expectativas do público ou da gravadora", diz o cineasta.

"Viva la Vida", a música que dá nome ao disco, tem coros épicos que parecem ter sido feitos para serem entoados por multidões —fórmula que a banda repetiu nos últimos álbuns—, e as cores passaram a fazer parte da estética do grupo. O disco rendeu audiência e prêmios Grammy ao Coldplay, mas fãs antigos como Vitor Babilônia, ele diz, tiveram dificuldade de aceitar as novidades.

A partir da turnê do álbum "Mylo Xyloto", de 2011, a banda adotou as famosas pulseiras de LED —hoje, uma das atrações do show do Coldplay. Os objetos são distribuídos à plateia na entrada da apresentação e piscam e mudam de cor em resposta à música tocada e a intensidade da performance.

A primeira vez que eles trouxeram a tecnologia ao Brasil foi em 2016, assim como no Rock in Rio do ano passado. "Na música ‘Charlie Brown’, quando [Chris Martin] canta ‘todos os garotos, todas as garotas’, quando você vê todo mundo junto, você sente todo mundo próximo como se fosse uma coisa só. Em outros shows anteriores, eu não sentia isso —eram grupinhos, pessoas cantando suas músicas favoritas", diz Babilônia.

Esse sentimento de pertencimento tem tudo a ver com a evolução do discurso da banda ao longo da última década, e dos cinco últimos álbuns de estúdio. "A Head Full of Dreams", de 2015, é quando o quarteto assume de maneira mais desavergonhada a faceta hippie, como Chris Martin brinca no documentário de Whitecross.

As causas passaram a ser a preservação do meio ambiente, a luta contra preconceitos, a convivência pacífica, o amor e a união. O Coldplay passou a atrair muito mais pessoas LGBTQIA+ para suas plateias, além de crianças e idosos.

Musicalmente, aprofundou a conexão com o pop, com parcerias com Beyoncé e o grupo de k-pop BTS, entre outros. Paralelamente, foi desenvolvendo um espetáculo com três palcos diferentes —para sempre estar perto dos fãs, mesmo aqueles nos lugares mais distantes—, repertório meticulosamente montado para entreter, estrutura massiva com luzes e pirotecnia e, claro, as pulseiras coloridas.

Eles quiseram, diz Whitecross, fazer um show em que não seriam mais os quatro roqueiros indie que "apareciam com qualquer roupa que estivessem usando naquela manhã e tocavam bem". Martin e os amigos estudaram os shows de gente como U2 e Bruce Sprigsteen atrás de ideias.

Show da banda Coldplay, no palco Mundo, durante o terceiro dia do segundo final de semana do festival Rock in Rio, no Parque Olímpido, na zona oeste do Rio de Janeiro
Show da banda Coldplay, no palco Mundo, durante o terceiro dia do segundo final de semana do festival Rock in Rio, no Parque Olímpido, na zona oeste do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

"Eles pensaram ‘como podemos fazer o evento que mais capta a atenção que alguém já frequentou?’", diz Whitecross.

Debs Wild, uma das pessoas que levou o Coldplay para uma gravadora nos anos 1990, além de hoje trabalhar com a banda e ter escrito o livro "Life in Technicolor: A Celebration of Coldplay", diz que os integrantes também se desenvolveram no palco. E afirma que os fãs da América do Sul são os que cantam mais alto.

"A energia do Chris é maluca", ela diz. "Ele corre para cima e para baixo em uma passarela que vai do palco principal até o palco B, que é menor. Eles fazem qualquer pessoa se sentir parte do show usando as pulseiras de luz, balões gigantes e também tocam na parte de trás dos lugares em um palco C —para que quem está atrás tenha a chance de estar na frente. Tem muita coisa acontecendo."

Hoje, o Coldplay é atração para toda a família —Babilônia vai ao show com sua sobrinha, de seis anos, e com a tia, de 60. O público não é mais alternativo ou engajado como antes, nem sabe cantar todas as letras. Quem não vai pela música ou pela mensagem, se diverte com as pulseiras.

Babilônia, que era "introspectivo e bem excluído", como diz, admite que cresceu com o quarteto. "Quando comecei a escutar Coldplay, eu era sombra e me identifiquei com o som da banda", diz. "Mas hoje, que sou luz, também me identifico. Essa coisa que o Coldplay tem, de fazer você pertencer a um lugar, é mágica."

Music of the Spheres - São Paulo

Music of the Spheres - Curitiba

Music of the Spheres - Rio de Janeiro

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