Descrição de chapéu

Juca Chaves foi crítico sarcástico da política e um trovador romântico

Cantor e humorista morreu neste domingo depois de passar 15 dias internados por causa de problemas cardiorrespiratórios

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Rodrigo Faour

É jornalista e autor do livro 'História da Música Popular Brasileira Sem Preconceitos'

Rio de Janeiro

Certa noite, durante um dos inúmeros shows de humor e música de Juca Chaves, o Brasil estava saindo do malfadado Plano Collor, em que a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello confiscou a poupança de todos os brasileiros, logo depois se casando com Chico Anysio.

O músico Juca Chaves - Folhapress

Ele não perdoou. "O Chico é pai de todos os humoristas, que todos nós tanto admiramos. O problema é que ele acabou se casando com a própria piada." Assim era o humor de Chaves. Sem apelação, sarcástico, certeiro. Brincava até consigo próprio.

Com o tamanho de seu nariz avantajado (um de seus álbuns se chamava "Ninguém Segura Este Nariz", brincando com o slogan da ditadura) ou com o próprio ordenado. "Vá a meu show e ajude o Juquinha a comprar seu caviar." De família abastada, chegou a ter 38 carros esportivos na garagem.

A carreira de Chaves começou pela música, em 1958, pouco antes de completar 20 anos. Ele já estudava harmonia e composição com o maestro Guerra Peixe e, inspirado em Dorival Caymmi, que considerava junto com Luiz Gonzaga e Lamartine Babo a santíssima trindade de nossa música, começou a compor canções praieiras, como "Águas de Saquarema".

Sua mãe, que era amiga de Leny Eversong, fez a ponte com a cantora, que decidiu gravar a música. Como intérprete, em 1959, já viria seu primeiro 78 RPM, e em 1960, o LP de estreia, satirizando Juscelino Kubitschek e a construção de Brasília, com o sucesso "Presidente Bossa Nova", que de cara foi proibida pela censura.

Com a situação política ficando cada vez mais complicada, entre 1963 e 1969, ele se exilou em Portugal e na Itália, onde também teve grande êxito. Seu LP "Pequena Marcha para um Grande Amor", gravado em italiano, passou de 1 milhão de cópias por lá. Na volta satirizou o sucesso de Wilson Simonal em "Paris Tropical", de 1970, dois anos depois, o de Paulo Diniz em "Take Me Back to Piauí".

Dando uma trégua no humor, influenciado por compositores eruditos e poetas brasileiros, como Álvares de Azevedo, Cassiano Ricardo, Olavo Bilac, Paula Ney, Catulo e os parnasianos, criou modinhas românticas, com aura de eternas, que entoava descalço, sempre acompanhado de seu alaúde, como "Por Quem Sonha Ana Maria?", de 1960, e "A Cúmplice", de 1974.

"Eu quero uma mulher que seja diferente/ de todas que eu já tive/ de todas tão iguais/ que seja minha amiga, amante e confidente/ a cúmplice de tudo que eu fizer a mais", dizem os versos. Um de seus últimos sucessos foi "Sentir-se Jovem", sobre o homem ao envelhecer.

Nos anos 1970, fez shows de sucesso como "O Pequeno Notável", em que se comparava a Carmen Miranda, já que também era baixinho. Nem a crítica negativa ao espetáculo escapava de seu humor, estampada ao lado da bilheteria. "Sucesso total. Toda a crítica contra."

A propósito, Chaves sempre dizia que foi muito censurado não só pela política (ele foi preso várias vezes), como pela própria mídia nativa. "Havia um quadro na TV Bandeirantes chamado ‘Nós na Cama’, e a produção me disse que não dava para continuar por causa dos custos. Então criei a expressão ‘censura econômica’."

Até na contracapa do programa do show "Socorro!", de 1998, o sarcasmo prevalecia. "Patrocínio cultural? Não. Patrocínio financeiro. Cultura eu já tenho." Também sempre deu desconto aos professores em suas apresentações, pois eram seus ídolos.

O menestrel maldito, epíteto dado a ele por Vinicius de Moraes, sempre satirizou os costumes, o imperialismo americano e todos os presidentes —o ataque ao general João Figueiredo era uma joia. "Upa, upa, upa cavalinho sem medo/ leva pra Brasília o presidente Figueiredo." Sem música, também era imbatível nesse mote. "Sabe como se mede um burro? Médici, dos pés à cabeça."

"Falo mal do rei enquanto todo o povo se diverte. Os reis se sucedem rapidamente, mas o menestrel fica, e sempre amigo do rei, atuante em todas as épocas, as sátiras e as baladas de amor divertiram a corte", disse o artista, certa vez. "Eu divirto a nossa, que é tão ridícula quanto todas as outras. Mas, enfim, cada bobo tem a corte que merece."

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