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Artes Cênicas

Ópera de Mozart no Municipal explora ambivalências do texto

Interação camerística das vozes solistas fez a diferença na estreia da primeira ópera do ano apresentada pelo teatro

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Così Fan Tutte

  • Quando Até 1º de abril; ter., qua. sex., sáb., 20h; dom, 17h
  • Onde Theatro Municipal - pça. Ramos de Azevedo, s/nº
  • Preço R$ 12 a R$ 158
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Laura Pisani, Josy Santos, Anibal Mancini, Michel de Souza, Saulo Javan, Chiara Santoro
  • Direção Julianna Santos

"Será que elas saberiam desde o início quem são eles? Descobrem em algum outro momento? O que estamos dispostos a enxergar ou não?" As perguntas da diretora cênica Julianna Santos, formuladas em texto que integra o programa da ópera "Così Fan Tutte", de Mozart, ainda ecoam, após a estreia da montagem, que ocorreu na última sexta-feira, no Theatro Municipal de São Paulo.

A soprano Gabriella Pace, que reveza seu papel com Laura Pisani na ópera 'Così Fan Tutte', de Mozart, em cartaz no Municipal - Divulgação

A história pode ser resumida assim —soprano, Fiordiligi, e barítono, Guglielmo, formam um casal, assim como mezzo soprano, Dorabella, e tenor, Ferrando. Instigados pelo velho Don Affonso, baixo, com ajuda da criada Despina, soprano, os dois homens vão se disfarçar no melhor estilo das comédias shakespearianas —cada qual será desafiado a seduzir a noiva do amigo.

Pode parecer pouco, mas não é. Estreada em 1790 em Viena, "Così Fan Tutte", ou assim fazem todas, é a última parceria de Mozart com o libretista Lorenzo da Ponte, com quem o compositor, que morreria no ano seguinte, aos 35 anos, havia feito anteriormente "As Bodas de Fígaro", de 1786 e "Don Giovanni" de 1787.

Tal como a maior parte das relações amorosas de verdade, a história é temperada por ironias, ambivalências e elipses. Afetos revelam suas componentes —a piedade pode ser o primeiro estágio do amor, e uma tênue linha parece separar o ciúme passivo da positividade que promove aceitação e tolerância.

A montagem assinada por Julianna Santos trabalha com poucos elementos cênicos —formas geométricas precisas, o pareamento entre lilás e verde, e mesas e cadeiras, que desenvolvem a ideia da "Escola dos Amantes", o subtítulo da obra. Um ótimo uso da luz, a cargo de Wagner Antônio, faz o restante.

Mozart compõe uma música incrivelmente variada, que pontua, contorna, aprofunda e refina ainda mais a trama. A orquestração é extremamente criativa, e os cantores solam sobre diferentes combinações instrumentais, com destaque para trompas e madeiras. Antes de tudo, a escrita vocal beira o extraordinário.

Para além das árias solo das personagens, é na combinação grupal que se dá o virtuosismo —o compositor desfila duetos, trios, quartetos, quintetos e sextetos de alta complexidade musical-teatral, e ainda usa pontualmente o coro para encher o teatro com a voz das multidões.

Na estreia, tudo começou um tanto frio, mas pouco a pouco ganhou brilho e luz. A Sinfônica Municipal, regida por Roberto Minczuk, foi ficando mais leve e ágil, e as vozes solistas começaram a mostrar suas qualidades.

Saulo Javan põe sua voz poderosa a serviço de um Don Affonso muito divertido, que combina bem com a versátil Despina, de Chiara Santoro; Josi Santos dá autenticidade e profundidade psicológica à sua Dorabella, enquanto Michel de Souza dota Guglielmo de uma extraordinária veia cômica. Aníbal Mancini imprime delicadeza a Ferrando, e Laura Pisani ganhou o público já na primeira ária de Fiordiligi, "Come Scoglio", ou como um rochedo.

Antes que nos valores individuais, está na interação camerística dos cantores —o elenco entendido como grupo— a força da montagem, e aqui há um detalhe sobre a acústica do Municipal que pode fazer toda a diferença. É incrível como a projeção da maior parte das vozes pode ser maximizada pelo espaçamento dos cantores no palco. Bastam dois ou três passos adiante, na direção do público, para mudar —para melhor— o efeito sonoro e o equilíbrio com a orquestra.

A Sustenidos, organização social que gere o Municipal, foi recentemente posta em xeque pelo Tribunal de Contas do Município. Mais uma vez, esse tipo de crise não parece afetar o profissionalismo dos corpos artísticos, e tampouco diz respeito à relação com o público, que lotou o teatro na estreia, como tem ocorrido, a despeito das mudanças de gestão administrativa ocorridas ao longo da última década. No mais, basta dar vida às melodias de Mozart.

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