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Julian Barnes tenta encaixar temas vastos no curto 'Elizabeth Finch'

Romance sobre professora morta é enxurrada de informações que pensa os efeitos do tempo na percepção do passado

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Iara Machado Pinheiro

Crítica literária, tradutora e pesquisadora na Universidade de São Paulo

Elizabeth Finch

  • Preço R4 59,90 (188 págs.); R$ 29,90 (ebook)
  • Autoria Julian Barnes
  • Editora Rocco
  • Tradução Léa Viveiros de Castro

Uma professora discreta, elegante, irônica e ilegível: esta é Elizabeth Finch, a personagem que dá título ao mais recente romance do escritor britânico Julian Barnes –ganhador do prêmio Booker de 2011 com "O Sentido de um Fim".

Enquanto tenta dar conta da existência enigmática dessa mulher, o narrador, que fora um deslumbrado aluno de Finch, divaga sobre a falta de contiguidade entre amor e felicidade, a memória e a morte, os efeitos da passagem do tempo no modo de encarar uma vida, entre outros questionamentos existenciais.

Os assuntos são vastos, a dimensão do romance, com as suas 188 páginas, é reduzida: uma incongruência que nem sempre é muito bem resolvida.

O escritor Julian Barnes - Luke MacGregor/Reuters

O livro é dividido em três partes. Na primeira, Finch é inicialmente apresentada como professora, momento em que fragmentos de suas aulas são transcritos e intercalados a reações de um grupo de alunos às pílulas de sabedoria. Eventualmente essas reações tendem a certo esquematismo —como uma mulher emotiva mais interessada em sua vida pessoal que em filosofia ou um homem prepotente que contesta o conhecimento da professora.

Em seguida, conhecemos a encarnação seguinte de Finch: como a amiga metódica do narrador, com quem almoça regularmente. Após a morte da mestra, o protagonista acessa a vida da antiga professora através de seus cadernos e anotações.

A segunda parte é uma espécie de ensaio sobre o imperador romano Flavius Claudius Julianus, o "último imperador pagão", segundo a história reconstruída pelo narrador, antes da consolidação do poder da Igreja Católica. O interesse por ele surge da leitura dos cadernos de Finch, nos quais constam menções não só à figura em si mas também às diversas representações e releituras da vida e da obra do imperador ao longo da história.

Um capítulo em que, embora se deva reconhecer a erudição e o trabalho de pesquisa, não há generosidade em termos de transmissão: é como uma lista de informações, citações e referências. A linguagem é sempre clara, mas rígida e escassa de figurações, as articulações são mais factuais do que alusivas: em certos momentos o tom geral remete a anotações de estudos, não a um ensaio.

De todo modo, alguns nexos vão se esboçando: uma vida não é unívoca, a assimilação de uma herança pelas gerações posteriores depende de intrincadas relações de forças do presente de quem interpreta o passado, e tudo fica ainda mais complexo se pensarmos na longuíssima somatória de ontens que forma o nosso hoje.

Há também uma sugestão de aproximação entre a professora, cujos métodos de ensino destoavam da didática canônica, e o imperador, em termos de singularidade e consenso. Isto é: o elo delineado pelo narrador entre as histórias privadas e a história com "H" maiúsculo estaria na tensão entre a adesão àquilo que é convencionado e a possibilidade de enunciar livremente um pensamento.

O impasse é anacrônico e incontornável, os elementos que o caracterizam variam de acordo com as transformações da sociedade: assim o narrador insinua a descrença em relação a uma suposta tendência de aprimoramento moral da humanidade.

Na terceira parte, voltamos ao narrador e às suas impressões de leitura dos cadernos da professora. Nesse momento, ele decide procurar antigos colegas para conversar sobre a finada e se detém em reflexões sobre as dificuldades em conhecer uma pessoa, invariavelmente percebida de modo diferente a depender do olhar.

Nada em "Elizabeth Finch" é desinteressante. Aliás, a clareza da linguagem e a autoconsciência eventualmente irônica enriquecem a voz do narrador. Entretanto, os rodeios e as idas e vindas por vezes são excessivos.

Seria possível justificá-los? Talvez, afinal não deixam de ser artifícios para relatar a variedade de uma vida e os efeitos do tempo na percepção do passado —do mais recente ao mais remoto.

Ao fim, porém, resta a sensação de que não é tanta coisa assim que poderá ser retida na memória: a enxurrada de informações passa e pouca coisa realmente fica.

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