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Novo livro de Caetano Galindo traz português derivado do latim vulgar

'Latim em Pó' sugere uma história social da formação da língua, que pertence mais aos feirantes do que aos gramáticos

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Alex Castro

Latim em Pó: Um Passeio pela Formação do Nosso Português

  • Preço R$59,90; (232 págs), R$29,90 (ebook)
  • Autor Caetano Galindo
  • Editora Companhia das Letras

O título pode enganar alguns leitores distraídos. Talvez pensem: "Latim? Não tenho interesse em latim". Mas o subtítulo entrega o verdadeiro assunto: "Um passeio pela formação do nosso português".

O tal "Latim em Pó" é a própria língua portuguesa, na formulação poética de Caetano Veloso na canção "Língua", do álbum "Velô", de 1984: "Flor do Lácio, Sambódromo Lusamérica, latim em pó". A citação não é gratuita: o autor, Caetano W. Galindo, só é Caetano graças ao Veloso.

Naturalmente, um passeio pela língua portuguesa precisa, se não começar, pelo menos passar pelo latim. Galindo prefere dar uns passos atrás e escolhe partir da própria ideia de língua.

Um dos focos do livro é nas mudanças e continuidades da língua portuguesa. Como testemunha e exemplo, convoca até Camões. No soneto "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", ele lamentava que era da natureza das coisas mudar sempre, mas nem tanto, pois "não se muda já como soía".

Capa do livro 'Latim em Pó', de Caetano Galindo
Capa do livro 'Latim em Pó', de Caetano Galindo - Reprodução

Mas sim, Camões, tanto as coisas, e a língua portuguesa mais especificamente, continuam mudando que para o leitor de hoje entender esse "soía" fora de uso precisamos de notas de rodapé: o que Camões queria dizer é que as coisas já não mudam como costumavam.

"Latim em Pó" é também uma história social da língua. Galindo não perde ocasião de nos lembrar que não dá para passear pela formação do nosso idioma sem passar por classe, privilégio, desigualdade.

As línguas românicas (ou seja, as derivadas do latim) derivam não do latim clássico, bem escrito pelas pessoas ricas e bem alimentadas, mas do latim vulgar, mal falado pelas pessoas pobres e trabalhadoras.

Como aponta Galindo, se o Brasil descobrisse uma ilha deserta que precisasse ser colonizada, quem estaria mais disposta a largar tudo e ir para lá? Não seriam as doutoras e concursadas, levando na bagagem a norma culta da língua.

Por isso, muitas das nossas palavras derivam não do latim culto, correto, clássico, mas do latim vulgar, pobre, rude. "Velho", por exemplo, vem não de "vetus", palavra que o douto orador Cícero teria utilizado, mas do humilde diminutivo "veclus", equivalente ao nosso "velhinho".

Como sabemos disso? Porque temos "manuais de redação" do latim clássico, que, entre outras prescrições, recomendam evitar a forma corrompida "veclus" e preferir "vetus". Mas, como sabemos, a língua pertence mais aos feirantes que aos gramáticos.

Aliás, é por isso que falamos "açúcar" e "algodão" (e não "súcar" e "cotão"), enquanto ingleses falam "sugar" e "cotton" e os franceses, "sucre" e "coton". Nas línguas da Península Ibérica, durante os 700 anos de ocupação muçulmana, as palavras vindas do árabe foram absorvidas de ouvido, pelas camadas populares, nas feiras livres, barganhando preços, e o artigo acabou vindo junto, confundido com parte da palavra.

Já no inglês e no francês, as palavras árabes entraram através das camadas mais cultas, por escrito, "em estado de dicionário", na expressão de Carlos Drummond de Andrade.

Os exemplos, sempre interessantes, poderiam continuar sendo citados até reproduzir o livro quase inteiro. Outros capítulos traçam as influências indígenas e africanas na língua portuguesa, e também as origens e características dos diferentes sotaques brasileiros.

Ao mesmo tempo em que "Latim em Pó" incorpora as últimas pesquisas da linguística e cita desde Marcos Bagno a Yara Pessoa de Castro, de Carlos Alberto Faraco a Gabriel de Ávila Othero, ele também se mantém firme no propósito de ser um passeio, informativo e cativante, não apenas para o especialista, mas para qualquer pessoa que use e ame a língua portuguesa.

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