Descrição de chapéu

'O Rio do Desejo' adapta Hatoum com Sophie Charlotte à la Bovary

Atriz vive Anaíra, ribeirinha que exala sensualidade e mescla tom maternal com agente de tragédia familiar

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O Rio do Desejo

  • Quando Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Sophie Charlotte, Gabriel Leone, Rômulo Braga
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Sérgio Machado

Há muita coisa a ver em "O Rio do Desejo", embora nem sempre ao mesmo tempo, o que é uma pena. A primeira, e mais constante, é o aspecto documental. As imagens do Amazonas, ou afluentes, são de uma beleza pouco frequente. Não me lembro de ter visto cenas dessa região tão expressiva desde os tempos em que Werner Herzog filmava por lá.

Tanto as imagens exteriores —com o barco em movimento ou mesmo sem ele—, como as interiores, aquelas mais raras em que se vê o interior do Princesa Anaíra, são inspiradas.

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Sophie Charlotte e Daniel de Oliveira em cena do filme 'O Rio do Desejo', de Sérgio Machado - Divulgação

O desenvolvimento da trama é desigual por alguns motivos. O primeiro é que filme hesita ao buscar a personagem em torno de quem gravita a ação. O conto que inspira a adaptação —"O Adeus do Comandante", de Milton Hatoum— sugere pelo título que o centro seria Dalberto, papel de Daniel de Oliveira.

No filme, no entanto, Dalberto divide esse centro com os irmãos Dalmo, vivido por Rômulo Braga, e Armando, papel de Gabriel Leone. Os dois desejam, cada um a seu modo, a bela Anaíra —Sophie Charlotte—, casada com Dalberto. Então o centro da ação passa a ser Anaíra, seu modo de ser, suas reações.

Anaíra, para resumir, bela, ardente e sensual. E ambiciosa. Pretende sair desse fundão e ser aeromoça, conhecer o mundo. Mas a ambição está em seus olhos no início do filme, tão clara quanto o desejo. Então dá para pensar em uma Bovary, variante ribeirinha —assim como Manoel de Oliveira nos deu sua Bovarinha em "Vale Abraão", adaptando Agustina Bessa-Luís.

Dalberto é devotado à mulher, tanto que dá ao seu barco o nome de Princesa Anaíra. É ciumento, também. Quando um passageiro paquera Anaíra, ele se rói por dentro, mas se contém. Anaíra não dá bola para o cara. Diante do filme, pessoalmente, gostaria que desse nem que fosse para fingir o flerte. Seria um bom uso para seus belos olhos. Não mais Bovary, mas um tanto de Capitu.

Não é por aí, no entanto. Bem mais trivialmente, é a ausência de Dalberto que mobiliza os afetos e a sexualidade de Anaíra. Mas não só dela. O calado e reprimido Dalmo, o mais velho, fotógrafo, e o mais jovem e expansivo.

O equilíbrio entre a mulher e os irmãos se restabelece. Mas então o destino de Anaíra se banaliza um pouco, o que não vem em benefício da trama —ela permanece à frente, apenas, da trama um tanto incestuosa dos irmãos.

Sim, porque Anaíra será o suporte que une imaginariamente os três homens —aquela que substitui a mãe, sujeito oculto da trama. Pois foi ela que os largou quando se apaixonou por outro homem.

É preciso dizer que, no início, os três irmãos sofrem com esse abandono que, ao mesmo tempo, os liga indissoluvelmente. Na trama, a figura de Anaíra entrará para a família, e para sempre, por bem ou mal.

Será ela uma agente da tragédia familiar? Ou, ao contrário, aquela que os religará? É um ser de sensualidade forte e inocente, como a Gabriela de Jorge Amado, ou a perversa inconsciente pela ação de quem todos os laços se rompem? Essa dúvida que retorna com força ao final tensiona a trama do filme de Sérgio Machado, embora dê a impressão de ser construída um pouco às cegas.

Não seria justo omitir o papel do rio e da bela floresta que o envolve, figuras que margeiam e contêm o drama. Também não se pode negar que Machado encontrou aqui um elenco de ótimo nível, perfeito para fazer com ele a travessia das não poucas armadilhas que a trama oculta.

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