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André Conti

James Akel, antes de dizer que gibi não é literatura, já defendeu a tortura

Escritor que ataca Mauricio de Sousa em busca de vaga na Academia Brasileira de Letras usa tática comum do bolsonarismo

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André Conti

Editor, tradutor e jornalista

Por alguns anos, a pergunta "seriam quadrinhos literatura?" e seu complemento "seriam quadrinhos arte?" pareciam resolvidas, ou ao menos encaminhadas. Em algum lugar entre as primeiras tirinhas e o prêmio Pulitzer recebido por "Maus", de Art Spiegelman, em 1992, o quadrinho ocupou seu lugar, e a própria ideia de gente autorizando algo a ser arte ou literatura parecia ultrapassada.

Podemos, como o quadrinista paulistano Rafa Campos Rocha, achar que uma arte visual como o quadrinho não deve ser rebaixada a literatura. De todo modo, enquanto polêmica, parece tão candente quanto "seria funk música?" ou "seria o mar salgado?".

Um homem de terno segura os óculos pela haste e olha para a câmera
James Akel: escritor, jornalista e diretor de teatro e TV quer virar imortal da ABL - Arquivo pessoal

James Akel, o jornalista e escritor que agora busca uma vaga na Academia Brasileira de Letras, não é indiferente a uma polêmica. Antes de declarar que gibi não é literatura, falando do concorrente à vaga Mauricio de Sousa, ele já havia atacado outra instituição cultural brasileira.

Em 2017, gravou um vídeo criticando a novela "Os Dias Eram Assim", exibida pela Rede Globo. A novela seria, em suas palavras, "uma das coisas mais sujas" já feitas na dramaturgia, por querer "mostrar uma imagem ruim do regime militar".

Akel defende a tortura contra os guerrilheiros armados ("o regime militar apenas defendia a nação livre"). O vídeo "Jornalista James Akel mostra o lado podre da Globo" circulou também como fake news, sendo atribuído a Carlos Henrique Schroder, na época diretor-geral da Globo.

O ataque a Mauricio de Sousa deu notoriedade a James Akel. É uma tática comum do bolsonarismo e da nova direita: elege-se um alvo mais ou menos unânime (vacinas, urnas eletrônicas, a "Turma da Mônica") e, a partir de declarações estridentes e agressivas, ou às vezes apenas absurdas, um candidato obscuro de repente se vê dando entrevistas e sendo assunto nas redes sociais.

No caso de Akel, sobrou também para Fernanda Montenegro e Gilberto Gil, alvos fáceis para quem usa esse tipo de tática.

Desnecessário dizer que legiões de fãs vieram em defesa de Mauricio de Sousa. É uma obra monumental, única em escala e alcance, com uma influência e uma permanência profundas. Em entrevista a Veja, Akel diz que fica "assustado quando dizem que os brasileiros se alfabetizam com a 'Turma da Mônica'", e que aprendeu a ler com "livros de verdade".

Já assisti a mais de uma palestra do Maurício em que ele ou o entrevistador perguntaram à plateia quem teve a primeira experiência de leitura com a Mônica. Num país de poucos leitores e com tantas dificuldades no acesso aos livros e à educação, é sempre impressionante ver quase todas as mãos se levantarem.

Um ataque conservador ao Mauricio de Sousa soa estranho também porque ele mesmo não é exatamente um progressista. Sua empresa teve, por razões óbvias, uma postura de defesa a publicidade infantil. Seu (importante) trabalho social aborda temas abrangentes, como o meio ambiente, mas demora a aderir a causas sociais urgentes —o próprio Mauricio diz que eles não levantam bandeiras, mas escolhem pegá-las quando elas já estão andando.

Mauricio não se posiciona politicamente: recebeu a ex-ministra Damares Alves, mas também Lula e outros políticos. Ao manter-se neutro, fala com todos os públicos, o que é bom para os negócios, inclusive com o governo —em 2018, vendeu 200 mil gibis sobre defesa nacional para o Exército.

James Akel também viu passar uma bandeira: o gibi. Sua crítica não fez eco nem entre os terraplanistas, e já dá para dizer que os quadrinhos sobreviverão. A tática das declarações descabidas exige que se dobre a aposta caso a pessoa queira se manter em evidência, e sinto que fãs de cruzadinhas e sudoko devem ir se preparando.

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