Como são as festas de sexo alemãs, regadas a couro, látex e polícia de voyeurs

Eventos unem locais e expatriados com música tecno, BDSM, distribuição de camisinhas e até fiscais de consentimento

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Angelo Dias
Munique

Logo que cheguei a Munique, na Alemanha, escutei que deveria mudar para Berlim. Minha aparência de frequentador de bares alternativos da rua Augusta, em São Paulo, com tatuagens e piercings, contrasta com as roupas de marca e o ar superior dos moradores da cidade mais cara do país.

Em Munique, o aluguel custa em média €18 o metro quadrado, contra os €14 do segundo colocado, Frankfurt. "É como uma Faria Lima alemã, com gente bem vestida, conservadora e visual bastante padrão", diz a brasileira Juliana, de 28 anos, que vive em Munique desde o ano retrasado.

Ao mesmo tempo em que a cidade é a mãe da Oktoberfest, evento em que milhares de pessoas vestem roupas tradicionais e se afogam em litros de cerveja, a capital do estado da Baviera é conhecida por locais e estrangeiros um tanto quanto retrógrados.

Foi aqui, por exemplo, que Hitler deu seu primeiro discurso e o Partido Nazista se consolidou. Pelo menos esta é a ideia que Munique passa de dia: uma cidade tradicional, conservadora e familiar recheada de "expats", gíria em inglês para expatriados.

'The Cock (Kiss)', de 2002, de Wolfgang Tillmans - MoMA/Divulgação

Em busca de pessoas com mentalidade parecida com a minha, acabei em encontros periódicos de pessoas "kinky" e "expats" —gente normal, tomando cerveja normal, em um bar normal, conversando sobre o melhor método de enforcar a pessoa parceira durante o sexo ou os melhores materiais para uma surra bem dada no traseiro dos que gostam de dor, em dois ou três idiomas diferentes.

Reunido com expatriados de diversas origens, unidos sob a bandeira das experiências sexuais que não são convencionais, comecei uma interessante jornada de aprendizado, descobrindo como Munique é diferente quando o sol se põe —em torno das 21h no verão ou das 16h no inverno.

Descobri, por exemplo, que sexo em Alemão pode ser o anglicismo "sex" ou o horripilante "geschlechtsverkehr". Descobri —na prática— que nas saunas públicas ninguém usa roupas. É normal frequentá-las sozinho, com amigos, família ou até colegas profissionais, suar por horas a fio enquanto munido apenas de uma toalhinha.

Aprendi que "fetish parties" são festas para os curiosos, quem não está no mundo do fetiche e do BDSM —sigla em inglês para bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo.

Nelas, o importante é se montar e exibir a melhor roupa temática possível —de látex e besuntada em óleo, em couro adornado por correntes ou até com roupa inexistente, experimentando a nudez pública fora da tradicional sauna. As pessoas dançam, bebem, e se divertem, admirando os outfits alheios e anotando inspirações para as próximas festas.

Para quem já foi iniciado no mundo fetichista, as "play parties" são eventos direcionados à prática do BDSM por pessoas que sabem o que estão fazendo. Em locais especificamente equipados, elas podem praticar todo tipo de atividade —há o quarto hospitalar, com mesa de operação e cadeira ginecológica, a masmorra medieval, com diversos instrumentos de tortura, a sala a prova d’água, para aqueles que querem tentar brincar com fluídos inenarráveis.

Laurent , de 45 anos, é francês e mora há 22 anos em Munique. Praticante de BDSM e afiado no alemão, não vivencia a barreira de linguagem tão comum em estrangeiros, mas diz que a cultura também é um obstáculo difícil de transpor.

"Ao tentar entrar em algumas comunidades de BDSM, me disseram para preencher formulários, ler uma série de regras, descrever cada fetiche que tinha e até meu nível de tolerância de dor, de um a dez. Os alemães são extremamente processuais", diz.

Laurent prefere interagir com expatriados ou alemães que têm afinidade com a comunidade internacional. "Conheço as dificuldades de ser um estrangeiro, e eles sempre estão interessados em novos modos de pensar, independente do BDSM, de serem da Alemanha ou da França."

Para quem só quer experimentar a própria sexualidade sem se meter muito com vestimentas caríssimas e a seriedade do BDSM, existem as "sex positive parties". Para o espectador comum, elas parecem festas normais de música eletrônica —há a pista de dança, cerveja e drinks e filas gigantes para o banheiro.

Mas nelas o visitante pode descobrir os locais específicos onde é permitido fazer sexo abertamente, sem timidez ou pudor. Camisinhas, luvas e lubrificantes são distribuídos pelo espaço, onde normalmente há uma equipe especializada em consentimento e bem-estar.

Em uma dessas festas, eu observava um trio de belíssimos exemplares da espécie humana em atos para lá de libidinosos quando sinto um cutucão no braço e, em inglês, um fiscal me pergunta se eu havia perguntado se podia observá-los. Disse que não, interrompi o sexo alheio, e fiz a pergunta. Todos responderam com um "sim" sorridente e depois disso o fiscal foi buscar o próximo alvo da polícia do consentimento.

Mas não é só de fetiche que vive o alemão —ou o indiano, o paquistanês, o ucraniano, o colombiano, o brasileiro, o croata, o russo, o italiano, o turco ou o venezuelano. Durante um ano no país, conheci pessoas fetichistas dessas e de outras nacionalidades, mas também aqueles que preferem encontros românticos e aventuras sexuais a dois.

Juliana diz que suas melhores experiências sexuais foram com estrangeiros, e não com brasileiros. "Talvez os europeus tenham aulas de anatomia na escola. Eles parecem saber muito o que estão fazendo", diz, em tom de brincadeira.

Ao mesmo tempo que os europeus têm técnica, ela diz que "a química e a atitude é dos latinos, que tem uma energia incomparável". Há a parte ruim de se relacionar com quem está acostumado com um Brasil estereotipado. "Em um aplicativo, a primeira pergunta de um alemão era se eu usava fio dental", conta.

Katharina, de 32 anos, é alemã e diz não ter preferências em se relacionar com estrangeiros ou compatriotas. "Como gosto de falar inglês, acabei sempre tendo contato e me relacionando com 'expats'. Se as pessoas são amigáveis, não me importo com a origem delas."

Já Alex, ucraniana de 29 anos que mora na Alemanha desde os nove, diz gostar de pessoas com um tipo específico de experiência internacional. "Prefiro me relacionar com quem entende as dificuldades de ser um estrangeiro, os pequenos racismos do dia a dia, os problemas com visto e as burocracias adicionais para viver no país. Não consigo me conectar com pessoas que não entendam esses pontos."

Seja na busca por um relacionamento tradicional, seja ao procurar algo diferente, o estrangeiro tem mais chances de sucesso entre seus pares —ou pelo menos com aqueles que topem fugir do idioma nativo. Mesmo Munique não sendo o caldeirão cultural que é Berlim, há muitas pessoas de várias nacionalidades para se conhecer bem e, se tudo der certo, quem sabe não conhecê-las melhor ainda?

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