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Márcio Sampaio

Fiquei 24 horas na sauna gay, experiência que a pandemia fez impossível

Vida ficou mais fácil com os aplicativos de pegação, mas perdeu um pouco a graça de novas descobertas

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São Paulo

São indiscutíveis a facilidade e a liberdade que as gays têm hoje com os aplicativos de pegação, mas digo que perderam, e muito, a fase da descoberta de uma boa sauna —esse ambiente que batizou gerações e que hoje, com a pandemia, enfrenta uma decadência ainda mais acelerada.

No auge dessas casas em São Paulo, mesmo já sendo uma gay sambada, eu tinha aquele medo de bicha do interior de não sair vivo dali. Vivo eu até saí, mas isso demorou um dia para acontecer —sim, fiquei 24 horas numa sauna gay.

Eu sempre começava a noite na rua Augusta, revezando entre um drinque no Ecléticos e uma ferveção na menor pista da cidade, no Bar do Netão. Mas o rolê nunca terminava sem dar uma passadinha n'A Lôca , que reunia as mais bafônicas da noite. Lá se podia fazer quase de tudo —tinha o famoso dark room onde todos terminavam na pegação depois de vários Toddynhos, bebida com vodca e chocolate.

Pintura 'Tok Stok', obra do artista Daniel Lannes, de 2021
Pintura 'Tok Stok', obra do artista Daniel Lannes, de 2021 - Bruno Leão/Reprodução

Mas aquilo era o fim da balada, e não da caça ao boy definitivo. Já eram quase 7h da manhã quando, numa quarta-feira, passei em frente a uma sauna no caminho para casa.

Fumando um cigarro do outro lado da rua, o porteiro gritou para que eu entrasse. Como era dia de jogo, o lugar estava cheio —reza a lenda que é o dia frequentado pelos héteros casados. Resolvi entrar.

Na entrada, onde recebi a chave do armário para guardar as minhas roupas, um kit de toalhas e duas camisinhas, o recepcionista me avisou que, devido à lotação, a menor opção de chinelo era tamanho 43. Sem possibilidade de calçar o meu tradicional 38, tive de encarar um par gigantesco de Havaianas verde-limão.

Já dentro do fervo, após passar por uma placa que anunciava que o banheiro era o único lugar onde era proibido fazer sexo, caminhei para a piscina e dei de cara com boys se pegando. Meu olho foi direto para uma bichinha sarada porém pequena —eu sabia que ela estaria com o chinelo do meu tamanho e eu não queria desfilar com um pé de pato.

No momento em que a bonita deu um mergulho, disfarcei e troquei o meu gigante par pelo dela e corri para o bar para recomeçar a caça.

Comecei a minha aventura procurando o espaço físico da tal sauna propriamente dita. Quando finalmente encontrei, percebi que ela não era o principal ambiente do lugar. Quem fica no vapor quente sendo que o local era uma grande balada com homens pelados? Mesmo assim resolvi dar aquela espiada. Completamente cego no meio da fumaça, acabei sentando sem querer em cima de um cara que estava deitado ali. Assustado com o grito dele e com medo de ser agredido, saí correndo sem olhar para trás e voltei para o bar.

Eu já tinha passado muitas horas, não tinha mais noção de quanto tempo estava ali, quando dei uma cochilada e acabei dormindo por horas.

Acordei e não tinha mais noção de onde estava. Ao me virar para o lado, dei de cara com um boy que se apresentou com o apelido de Salsicha.

Naquela hora percebi que deveria ir para casa. Na saída, dei de cara com uma mulher que gritava "Jean Marcelo, sai daí, desgraçado". "Eu só quero que você assine a porra deste divórcio. Depois você pode dar para quem quiser."

Apavorado e debaixo daquele sol forte da manhã, parecia que o tempo havia parado desde que eu tinha entrado na sauna, mas não. Eu acabei passando 24 horas ali dentro.

Fui para casa ainda muito tonto e dormi de novo. Quando acordei, ainda antes de abrir os olhos, rezei apenas para que não tivesse levado ninguém para casa e prometi que nunca mais iria àquele lugar. Percebi que haviam ouvido minhas preces, já que eu estava sozinho na minha cama. Mas não completamente.

Quando fui até a cozinha para tomar 800 litros de água, dei de cara com um frango cru de padaria cercado de batatas numa embalagem plástica em cima da mesa.

Sem ter a menor ideia de como aquilo foi parar ali, até porque na época eu não tinha forno, comecei a procurar pistas e dei de cara com uma evidência ali perto —o chinelo 38 que eu havia roubado. Sim, esqueci meu sapato na sauna, então me senti "obrigado" a voltar lá atrás dele.

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