Peça discute uberização e envelhecimento em crítica à falência previdenciária

'Andaime' volta aos palcos com texto reformulado para falar sobre a nova cara do trabalho braçal depois da pandemia

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São Paulo

Durante o período mais duro de isolamento causado pela pandemia de Covid-19, "Andaime", peça de Sérgio Roveri sobre dois limpadores de janelas em um edifício na cidade de São Paulo, voltou à memória do ator e diretor Cláudio Fontana 16 anos após sua primeira montagem.

Percebendo um aprofundamento na relação de invisibilidade de trabalhadores braçais do dia a dia com a cidade, o ator viu no momento a chance perfeita de retomar o projeto e voltar os holofotes para a discussão. "Do porteiro ao entregador de aplicativo, são pessoas para quem não se dá nem bom dia."

Elias Andreato e Claudio Fontana em cena de 'Andaime'
Elias Andreato e Claudio Fontana em cena de 'Andaime' - João Caldas/Divulgação

O espetáculo é a resposta do artista para o que considera ser um dos resultados do aumento do conservadorismo no Brasil. "Evoluíamos, mas voltamos à estaca zero."

"Andaime" narra a história de dois limpadores de janela de um grande edifício de São Paulo que, solitários em uma altura imensa, discutem suas vidas, condições sociais e a solidão de se sentir uma figura invisível na grande metrópole.

Encenada originalmente em 2007, a montagem discutia ainda temas como a xenofobia e o preconceito social, que ganham um novo contorno nesta nova montagem com a adição do etarismo e da crise previdenciária no país.

"Eu achei que seria ridículo. Quem vai içar um velho num andaime?" questiona, não sem uma dose de humor, Elias Andreato, que não só assina a direção como entra em cena nesta nova montagem substituindo Cássio Scapin, que coestrelou a produção original.

Reticente em aceitar a empreitada, Andreato mudou de ideia ao ver em seu dia a dia a quantidade de pessoas da terceira idade trabalhando em obras, supermercados e em todo tipo de serviço braçal, num movimento que considera ser um dos sinais da falência previdenciária no Brasil.

"Nós não cuidamos dos nossos aposentados, eles não sobrevivem, daí voltam ao trabalho e a vida se resume a isso, apenas a trabalhar", explica. Tendo essa situação em vista, o diretor pediu que Sérgio Roveri fizesse adaptações pontuais ao texto para que ele abarcasse mais essa discussão.

A montagem retorna aos palcos quando o processo de invisibilidade já toma outros contornos. Tanto Fontana quanto Andreato enxergam com horror a onda de agressões a entregadores de aplicativo num movimento que eles enxergam como mais um preconceito contra aqueles que, nas palavras do diretor, eram "heróis durante a pandemia e se tornaram alvo de ataques incompreensíveis."

Embora se permita discutir assuntos graves com a seriedade que pedem, "Andaime" é uma comédia que fez sucesso na segunda metade dos anos 2000 e que ressurge agora também como uma forma de Fontana homenagear não apenas o amigo Elias Andreato, mas também Gabriel Vilela, com quem também desenvolveu parceria profícua nos palcos.

"Essa peça entra em cena comigo dizendo a eles que sem eles eu talvez não estivesse aqui fazendo esse trabalho de formiguinha para tentar fazer com que o público reflita. E é esse o nosso trabalho. Se eles refletirem no caminho até o ponto de ônibus ou o estacionamento, já valeu", diz.

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