Professora é demitida após deputado criticar camiseta com frase de Hélio Oiticica

Docente vestia roupa com estampa 'Seja Marginal, Seja Herói', frase de obra célebre de 1968 do artista plástico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Uma professora de história da arte foi demitida após o deputado bolsonarista Gustavo Gayer (PL) classificar como petista uma camiseta vermelha que a docente usou em sala de aula na semana passada. A peça trazia na estampa os dizeres "Seja Marginal, Seja Herói".

A frase aparece em uma das principais obras do artista plástico Hélio Oiticica. Criado nos anos 1960, durante a ditadura militar, o trabalho já foi exposto em algumas das mais importantes instituições do mundo, como o Tate Modern, em Londres, e o Museu de Arte Moderna de Nova York.

bandeira estampada com corpo de homem caído e os dizeres 'seja marginal, seja herói'
'Seja Marginal Seja Herói', pintura sobre tecido de Hélio Oiticica de 1968 exibida em 'Hélio Oiticica: A Dança na Minha Experiência', no Masp - Jaime Acioli/Divulgação

"Eu não sei nem o que falar sobre isso. Professora ensinando que ser herói é a mesma coisa que ser marginal. Professora de história com look petista em sala de aula", escreveu ele na semana passada. Três dias depois da publicação, a professora diz ter sido demitida do Colégio Expressão, em Aparecida de Goiânia –cidade na região metropolitana de Goiânia.

A Folha entrou em contato com a escola, mas a instituição afirmou que não comentaria o caso e que já falou a respeito em uma nota publicada nas redes sociais.

O texto diz que o colégio tem o compromisso de oferecer uma educação de qualidade, pautada pela ética, respeito e diversidade. No entanto, afirma que "escola não é lugar de propagar ideologias políticas, religiosas e preconceituosas".

A docente diz estar sofrendo ataques nas redes sociais desde que o deputado fez a publicação, motivo pelo qual prefere não se identificar. Ela conta que foi trabalhar na manhã de terça-feira (2) usando a camisa com a frase de Hélio Oiticica. Por volta das 12h, publicou no Instagram uma imagem usando a peça em sala de aula.

Horas depois, diz ela, um dos sócios da escola entrou em contato para dizer que a camisa havia causado muita dor de cabeça. Foi nesse momento que ela soube da publicação de Gayer e dos ataques de seus apoiadores.

Postagem do deputado bolsonarista Gustavo Gayer, criticando uma professora por usar camisa com frase de Hélio Oiticica
Postagem do deputado bolsonarista Gustavo Gayer criticando uma professora por usar camisa com frase de Hélio Oiticica - Reprodução

A goiana diz que teria entrado em acordo com a escola na quarta-feira, mas que na sexta foi informada sobre a demissão. Segundo ela, o sócio justificou que a escola poderia ter prejuízos financeiros caso não a mandasse embora.

Após a demissão, ela decidiu mover uma ação por danos morais contra o parlamentar, na qual pede indenização de R$ 30 mil.

"A professora foi demitida em virtude da perseguição praticada contra ela e contra a escola. Além disso, estamos pedindo que o deputado exclua todos os vídeos e não volte a postar conteúdo que mencione a professora", diz o advogado Alexandre Amui.

De acordo com ele, Gayer tem o hábito de intimidar professores por meio das redes sociais e de promover uma espécie de patrulha ideológica em Goiás.

"Ele denuncia professores, os seguidores dele descobrem quem é a pessoa e começam a xingá-la nas redes sociais. O nosso medo é que isso saia da agressão verbal e descambe para a violência física."

A Folha entrou em contato com o gabinete do deputado para que ele comentasse as acusações. A assessoria dele, porém, enviou como resposta uma receita de bolo. A reportagem insistiu, mas não obteve outra resposta até a publicação deste texto.

A receita enviada é a mesma que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) escreveu no Twitter em 2020 ao postar um vídeo de uma troca de tiros.

Segundo deputado federal mais votado de Goiás, com 200 mil votos, Gayer é fundador do Instituto Nossos Filhos, plataforma que recebe denúncias de pais contra o que ele considera tentativa de doutrinação em sala de aula.

"Nós temos testemunhado ao longo das últimas décadas uma ideologia que sequestrou o sistema de ensino brasileiro para incutir em nossos filhos ideias abjetas e antinaturais contrárias a tudo aquilo em que acreditamos", disse ele, em um vídeo da plataforma.

Apoiador de Bolsonaro (PL), ele é investigado pelo Tribunal Superior Eleitoral por suposto uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político nas eleições do ano passado. Além de Gayer, são investigadas mais oito pessoas, como a deputada Carla Zambelli (PL) e o próprio ex-presidente Bolsonaro.

Deputados do PT apresentaram uma denúncia contra Gayer no Conselho de Ética da Câmara e no Ministério Público Federal. Na ação, eles afirmam que o parlamentar usa as redes sociais para desferir ataques contra quem tem opiniões políticas distintas das dele.

Sobrinho de Hélio Oiticica, César Oiticica Filho diz que recebeu com indignação a notícia de que a professora havia sido demitida após as críticas do deputado. "Me espanta uma escola chamada Expressão impedir a expressão artística de fluir, principalmente através de uma professora de arte."

O curador diz que a obra em nada tem a ver com o PT, uma vez que ela foi criada pouco mais de uma década antes de a sigla ser fundada. Para ele, a atitude do deputado é uma forma de censura.

"As pessoas precisam ter acesso à cultura, então esse ato é completamente inconstitucional", diz ele. "É uma tentativa de deslocar a obra do tempo e das circunstâncias em que foi criada para atacar um partido. Ela foi deturpada, censurada e desvirtuada."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.