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Rita Lee virou poeta do rock e falou com crianças em livros espirituosos

Cantora foi além da música para escrever sobre a sua forte vontade de defender os direitos dos animais em obras infantis

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São Paulo

Rita Lee, morta nesta segunda-feira (8) aos 75 anos, encarou o rock como diversão. Sua longa produção de canções bem-humoradas nunca foi considerada uma aposta de mercado. Sua fusão de rock, pop e música brasileira foi construída para encaixar versos divertidos, com jogos de palavras como "fazem altas baixarias", ou resgate de antigos provérbios e piadas, do tipo "se a Deborah Kerr que o Gregory Peck".

Neste ambiente engraçado, os personagens surgiram rapidamente, criando uma fauna em suas canções que inclui Miss Brasil 2000, ovelhas negras, doces vampiros e até um tal de Roque Enrow. Então, usar tipos assim para escrever ficção nem pode ser apontada como uma virada radical no trabalho da cantora. Mas a Rita escritora precisou de uma motivação extra para dar as caras.

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A cantora Rita Lee em evento de autógrafos da sua autobiografia na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo - Bruno Poletti/Folhapress

Não foi uma motivação muito grande. Na verdade, bem pequena. O empurrão de Rita para os livros foi dado por um ratinho de laboratório, que Rita adotou para sua diversão e a dos filhos. Alex foi o nome escolhido para o roedor. Se Rita já tinha uma forte vontade de defender os direitos dos animais, um ativismo que ganhou cada vez mais espaço em sua vida, a ideia de um livro infantil veio com Alex.

Dr. Alex é o protagonista de quatro livros lançados entre 1986 e 1992: "Dr. Alex", "Dr. Alex e os Reis de Angra", "Dr. Alex na Amazônia" e "Dr. Alex e o Oráculo de Quartz". Trata-se de um cientista alemão que se transforma em rato de laboratório para fugir de seus perseguidores. O propósito de Alex é declarar a independência completa dos animais.

Nos romances, Rita costura as aventuras do personagem com questões ecológicas, mas segue uma trilha bem distante do engajamento nada atraente de outros autores. Se existe uma coisa que Rita definitivamente não foi, sob qualquer aspecto, é uma pessoa careta. Seu espírito livre e rock and roll está espalhado pelas histórias do Dr. Alex.

Existem várias edições dos livros do ratinho, com ilustradores diferentes. Toda a série ganhou nova versão em 2019, em lançamento Globinho, selo infantil da Editora Globo.

Um pouco mais difícil de encontrar nas livrarias é "Storynhas", lançado pela Companhia das Letras em 2013. O volume reúne 76 pequenas narrativas que Rita publicou anteriormente em sua conta no Twitter, ilustradas pela cartunista Laerte.

O tom dos textos é de puro delírio, e Laerte embarca na onda de Rita para imagens que às vezes flertam com psicodelia e pop art. Um bom exemplo é a historinha sobre um secador de cabelo chamado Maycon Welligton. Vale muito a pena procurar pelo livro em sebos.

Em 2016, Rita Lee surpreendeu muita gente com "Uma Autobiografia", da Globo Livros. A franqueza dos relatos é imensa, com episódios de abuso sexual aos seis anos, experiências com drogas, altos e baixos da carreira e delicadas questões familiares, sempre narrados com inusitada leveza.

O lado espirituoso da Rita poeta do rock e ficcionista infantil permeia suas memórias, e isso resulta uma leitura irresistível. Por enquanto, é a autobiografia mais fascinante na música popular brasileira, vencedora do prêmio Jabuti.

Talvez o sucesso da autobiografia tenha impulsionado o projeto literário de Rita no ano seguinte. "Dropz" é uma coleção de textos curtos, tão díspares e contundentes que as definições de conto, crônica ou ensaio não servem para essa mistura de ficção e reflexão que a cantora reuniu no livro.

Os gêneros de memórias e de livros infantis ganharam mais dois títulos de Rita Lee antes da pandemia. "FavoRita", de 2018, é um livro de mesa, grande, com uma retrospectiva de imagens da vida da cantora. Com muito empenho da própria Rita, a seleção de fotos é generosa em imagens até então inéditas.

No maior diferencial da obra, "FavoRita" traz reproduções de documentos da censura do governo militar com observações e recomendações para vetos de canções de Rita gravadas nos anos 1970. Entre o risível e o abominável, é um retrato delicioso para um período tenebroso.

Já "Amiga Ursa", de 2019, definida por Rita como uma história triste com final feliz, conta a vida da ursa Rowena, que veio para o Brasil nas mãos de traficantes de animais. Com ilustrações de Guilherme Francini, parceiro em algumas edições de histórias de Dr. Alex, é o resultado mais bem-acabado da literatura infantil de Rita, confirmando seu justo lugar neste gênero.

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