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Sequência de 'Menino do Pijama Listrado' mantém problemas do original

Estudiosos apontam que livros podem alimentar estereótipos que tendem a perpetuar a imagem do judeu enquanto mártir

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Por Lugares Devastados

  • Preço R$ 79,90 (440 págs.)
  • Autoria John Boyne
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Luiz A. de Araújo

Recém-lançado no Brasil, "Por Lugares Devastados" é o mais novo livro de John Boyne, autor de "O Menino do Pijama Listrado", um romance infanto-juvenil inspirado em temas relacionados ao Holocausto, que desde a sua publicação, em 2006, já vendeu cerca de 11 milhões de cópias e foi traduzido para 58 idiomas, além de ter ganho recentes adaptações cinematográficas e musicais.

"O Menino do Pijama Listrado" conta a história da amizade entre duas crianças, Bruno, filho de um oficial nazista, e Shmuel, um menino judeu, prisioneiro em Auschwitz. Apesar do sucesso, estudiosos da Shoah alertam para o fato de que o livro é impreciso em suas descrições da realidade dos campos de concentração, além de alimentar uma série de estereótipos que tendem a perpetuar certa imagem do judeu enquanto mártir.

O ator Jack Scanlon como Shmuel, em cena de 'O Menino do Pijama Listrado', com direção de de Kevin Smith
O ator Jack Scanlon como Shmuel, em cena de 'O Menino do Pijama Listrado', com direção de de Kevin Smith - Divulgação

Esse tema foi abordado pela escritora Dara Horn em um longo ensaio intitulado "People Love Dead Jews", de 2021, no qual ela procura entender o motivo do Holocausto ser comumente usado por autores como Boyne para fazer com que os seus leitores se sintam moralmente redimidos.

Igualmente problemático, "Por Lugares Devastados" começa onde termina a história de Bruno. Dessa vez, no entanto, a personagem principal e narradora da trama é a irmã do menino, Gretel, que foge da Alemanha com a mãe quando o país é derrotado na guerra. As duas ficam inicialmente escondidas na França até serem reconhecidas e linchadas por membros da Resistência. Depois disso, Gretel parte sozinha para a Austrália onde reencontra Kurt, o jovem oficial nazista que fez parte da equipe do seu pai.

Após uma malfadada tentativa de fazer com que Kurt confronte a própria responsabilidade sobre o que aconteceu em Auschwitz, Gretel se muda para a Inglaterra, onde, sem ter consciência disso, mantém um caso com um rapaz judeu cujos pais foram mortos pelos nazistas.

Ao descobrir a verdadeira identidade da amante, o jovem fica tão horrorizado que resolve deixar o Reino Unido. Gretel então se casa com um inglês, historiador da Segunda Guerra Mundial, e passa a viver em um prédio do qual não pensa em se afastar jamais, pois lá ela mantém guardado um dos seus principais segredos.

O romance alterna entre as lembranças de juventude de Gretel e a descrição das questões que marcam a sua experiência da velhice em Londres. Aos 91 anos, Gretel está convencida de que conseguirá passar os seus últimos dias em paz, mas a chegada dos seus novos vizinhos, um casal com um filho pequeno, Henry —que em tudo lembra o seu irmão— faz com que ela se sinta novamente insegura.

Gretel se afeiçoa ao menino e tenta remediar o quadro de violência doméstica que ele e a mãe sofrem nas mãos do pai, um famoso produtor de cinema que logo tenta afugentar a personagem, ameaçando soltar para o público tudo que sabe sobre ela.

Neste ponto o livro é confuso, pois, ao abordar a problemática da violência doméstica, bem como temas relacionados ao etarismo e à maternidade, ele demonstra estar buscando abarcar muito mais assuntos do que o seu autor aparenta ser capaz de lidar, de modo que, durante a leitura, sentimos que nada parece estar sendo discutido com a devida atenção.

No entanto, a principal fraqueza de "Por Lugares Devastados" permanece sendo a ausência de foco no tratamento de questões relacionadas à culpa e à responsabilidade. Durante toda a história, Gretel sente-se culpada pelo papel desempenhado pelo pai durante guerra; ela também questiona até que ponto estaria moralmente implicada na morte do irmão e no envolvimento da família com o regime nazista, mas Boyne não consegue emprestar força às reflexões da personagem.

Concordo com o autor quando ele escreve em uma nota ao final do livro que toda história merece ser contada, mas "Por Lugares Devastados" cai na mesma armadilha que ele armou para si em "O Menino do Pijama Listrado". Pois, em um romance de inspiração histórica, a falta de apego aos fatos geralmente empobrece a narrativa e transforma os dilemas das suas personagens em algo carente de substância.

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