Descrição de chapéu

Tina Turner me ensinou que amor e admiração não precisam de tempo

Cantora foi uma das primeiras artistas mulheres a se sentirem poderosas para assumir as rédeas da própria carreira

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Os fãs de Al Green acharam estranho. Quando Tina Turner teve sua carreira ressuscitada no início dos anos 1980, ou melhor, quando foi apresentada para toda uma geração de fãs que via nela uma nova voz do soul, a cantora fez uma pequena inversão na ordem dos versos da música que já era um clássico, "Let’s Stay Together". No original, o grande Al Green começava com a descarada declaração de amor, "I’m so in love with you", e seguia dizendo que faria qualquer coisa que o objeto do seu desejo quisesse.

Tina Turner achou por bem abrir lembrando que um romance verdadeiro é sempre uma grande construção: "Let me say since, baby, since we’ve been together".

A cantora Tina Turner - Instagram/tinaturner

Ou ela fazia parte das parcerias ou estava fora. Pelo menos era isso que deixava claro a artista que brilhou por duas décadas antes deste sucesso e só não foi além por uma até então pouco comentada história de abuso emocional com seu marido e parceiro musical, Ike Turner.

Ela tinha dado um basta. E renasceu. Por trás deste hit, houve um time de produtores que jamais conseguiu para si o sucesso que ajudou a construir para Tina. O British Electric Foundation —mais conhecido como B.E.F., que depois virou o genial Heaven 17— tinha uma projeção moderada no cenário da música eletrônica inglesa 40 anos atrás, quando chamou a cantora para participar de uma compilação chamada "Music of Quality and Distinction, Vol. 1".

Ali, Tina gravou "Ball of Confusion", uma música dos Temptations, e o resultado foi tão bom que Martyn Ware, do B.E.F., foi convidado a produzir outra faixa para ela, justamente "Let’s stay together". Renascia ali uma estrela.

Como uma doce vingança para o relativo caso prematuro de seu estrelato, Tina Turner pegou a onda da primeira leva de artistas mulheres que se sentiram poderosas o suficiente para assumir as rédeas da própria carreira, Madonna entre elas.

Poucas brilharam tanto quanto Tina. Numa época em que "empoderamento" ainda nem era oficialmente uma palavra, ela teve autonomia para escolher seu repertório, decidir sobre suas turnês e eventualmente até participações no cinema.

Como biógrafo de Elza Soares, só posso confirmar o paralelo que alguns obituários fizeram entre as duas cantoras maiores. E ainda reforçar que nossa diva era grande admiradora de Tina Turner.

Talvez o que as duas tivessem em comum era a curiosidade. Convencer uma dama do R&B —e do rock!— a abraçar a música eletrônica talvez tenha sido mais fácil do que se imagina, já que que ela gostava de experimentar. Pouca gente ouviu, mas em 2009 ela lançou um álbum só com orações budistas e cristãs.

Esta abertura permitiu que ela colecionasse assombrosos sucessos mundiais. E não parou de gravar nem de se apresentar até que a saúde passou a ser um obstáculo. Neste seu renascimento, minha carreira de jornalista musical não era nem um projeto. Eu era apenas um fã. Não fui à sua histórica apresentação de 1988 no Maracanã, mas vi seu show da mesma turnê em São Paulo. E a lembrança que tenho é de ter ficado completamente hipnotizado.

Na minha época de MTV, nos anos 1990, Tina estava na estratosfera da fama e eu alimentava a esperança de poder encontrá-la, se não aqui, numa das coberturas que fazíamos nos EUA. Não deu. O jeito foi seguir sendo apenas aquele fã, que via nela uma energia que poucos artistas que encontrei em centenas de entrevistas tinham. E que, também um pouco como Elza Soares, a gente achava que estaria sempre com a gente.

Se os versos invertidos de "Let’s Stay Together" me ensinaram alguma coisa, é que o amor e a admiração não precisam de uma linha do tempo. Basta alguém te fazer sentir "novinho em folha", que a promessa de uma ligação forte sempre estará lá. "People brake" e depois "turn around and make up", cantou ela. A gente briga e depois faz as pazes. Mas nunca se despede de verdade.

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