Com Badsista e Nick Léon, latinidade é cobiçada no festival de eletrônica Sónar

Tendência no mercado de música pelo mundo, ritmos são destaque em maior evento do gênero na Europa

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Barcelona

Talvez fosse arriscado dizer, em 1993, que o festival espanhol Sónar viraria, 30 anos depois, um dos mais importantes faróis da música eletrônica. Mas poucos diriam que sua 30ª edição, em 2023, seria tomada por diversos gêneros de música eletrônica latino-americana.

Hoje, o Sónar tem lugar de destaque como um dos mais relevantes eventos de música no mundo — colecionando edições no Brasil, em 2012 e 2015—, e são as batidas de gêneros como reggaeton, dembow, cumbia, guaracha e baile funk que dão a tônica dos quase dez palcos do evento, que ocorre neste final de semana em Barcelona.

Apresentação no Festival Sónar 2023, em Barcelona - Divulgação

"A ideia do Sónar é ser esse ponto de encontro da cultura digital e eletrônica", diz Enric Palau, coordenador do festival. "E em nível global, houve uma grande conexão das músicas latinas. Essa eclosão vem de algum tempo. Em 2003, o DJ americano Diplo tocou 'Gasolina' aqui e foi a primeira vez que se escutou reggaeton no festival. Anos depois, trouxemos de Porto Rico o Bad Bunny e aqui da Espanha já tivemos C. Tangana e nesse ano temos a Bad Gyal."

O festival espelha uma tendência que ganha força no mundo todo: a ascensão mundial de gêneros de fora da Europa e dos EUA, ao menos em suas origens, com destaque para o que vem do Caribe e da América do Sul. Esse é um movimento puxado pelas duas pontas da indústria da música, de produção a escuta.

Quem faz música no pop parece cada vez mais voltado a transitar entre gêneros. O ano de 2023 é o primeiro em que nenhum disco de rap chegou ao topo da lista da Billboard. Isso não significa que o hip-hop morreu —pelo contrário, ele se dilui entre estética e discurso para além do rap.

Já quem escuta música parece cada vez mais representativo de países abaixo da linha do Equador. Em seu último relatório anual, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica confirmou uma década de crescimento do mercado de música na América Latina, uma curva seguida pela África subsariana —a próxima menina dos olhos dos serviços de streaming.

"Este ano tem um enfoque maior nos híbridos de latinidade eletrônica e queer, na mensagem de reivindicação com questões sociais e questões de gênero", explica Palau. "É algo que nos leva a pessoas como Badsista e Cashu."

Em formato de duo para o festival catalão, os dois nomes compõem junto dos DJs Marky e Mochakk o plantel de artistas brasileiros do evento. O número de latino-americanos não passa de uma dezena numa seleção de mais de cem nomes, com prioridade para artistas espanhóis. Enquanto estes surgem cada vez mais influenciados pelas aspereza rítmica do reggaeton, a presença reduzida daqueles bota em xeque esse contato norte-sul do mundo pela música.

A artista Badsista - Divulgação

"Ainda acho que artistas brasileiros são poucos nesses festivais", diz Badsista, um dos principais nomes da atual música eletrônica do mundo. "Falta uma ponte mais bem estabelecida entre o cenário underground e grande com o Brasil, esse ir e vir. A Cashu e eu, a gente vem, faz turnê, mas o resto da galera não consegue fazer uma turnê bem estabelecida."

Para tocar em países europeus ou na América do Norte, DJs brasileiros estão sujeitos a custos nem sempre atraentes a contratantes locais: passagens de avião, hospedagem, documentos. O caminho inverso geralmente é simples. Muitos DJs europeus sequer precisam de visto de trabalho para tocar no Brasil —exigência para brasileiros que vão ao Reino Unido, por exemplo.

"Vejo que eles querem a nossa música, mas não querem nossa música pelas nossas mãos", diz Badsista. "Precisamos de um rolê de respeito e admiração pelo trabalho de quem está fazendo aquele som. Por isso a gente da cena sul-americana tem se comunicado mais. Toquei na Colômbia, o Evehive tocou na Argentina."

Essas conexões já vêm mostrando fruto em eventos como o Sónar. Um dos principais nomes da última edição da Mamba Negra, rave urbana que é uma das maiores do gênero no Brasil, o colombiano Nick Léon também foi escalado para esta edição do festival espanhol.

"Vejo com bons olhos que esse público entenda as músicas latino-americanas como música eletrônica de pista", diz o artista. "Mas o maior problema é não chamarem mais artistas latino-americanos aqui. Os contratantes europeus deveriam pagar a esses artistas o que eles merecem."

Eleito como um dos principais artistas da música eletrônica atual, Léon é conhecido por reconstruir a percussão quebrada de gêneros latino-americanos em temas do chamado quatro por quatro da pista.

Uma de suas composições mais recentes, "Xtasis", é uma potente amostra da sua rítmica de tambores feita em parceria com o DJ venezuelano Babatr —precursor do raptor house, versão da house music que teve sucesso em Caracas nos anos 2000.

Léon foi criado em Miami e passou boa parte de sua vida entre México, Colômbia e Estados Unidos. Seu trabalho é também próprio do atual momento da música eletrônica, um ecossistema em que o Sul global ganha força a despeito da potência política e econômica do Norte.

"Como explicar para um jovem britânico de 12 anos que escutou Badsista ou Babatr que não faça esse tipo de música? Isso não me parece um problema. O problema seria se ele se tornasse um produtor de reggaeton, mas de Londres."

Festival Sónar

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