Como Lais Myrrha ironiza escândalos de Brasília com obras de isopor e madeira

Artista exibe instalações inéditas de vergalhão em mostra com olhar corrosivo sobre a capital na galeria Millan

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São Paulo

Quem vê as fotos da construção de Brasília pensa que "em algum momento a cidade deve ter sido uma grande escultura de madeira", diz Lais Myrrha. A artista se refere aos moldes empregados para que as estruturas de concreto armado imaginadas por Oscar Niemeyer para seus palácios e ministérios pudessem subir.

Em sua exposição em cartaz na galeria Millan até sábado (24), Myrrha faz uma alusão a este método construtivo numa série de obras nas quais mistura pedaços de madeiras nobres em grades de vergalhão que servem de estrutura para o concreto armado.

Obra de Lais Myrrha na exposição 'Fundamentos da Pedra', na galeria Millan, em São Paulo
Obra de Lais Myrrha com vergalhões, madeira nobre e cimento - Ana Pigosso

É um pouco como ver Brasília por dentro, por assim dizer. Contudo, por mais que a madeira seja nobre, a imagem da capital federal proposta pela artista em sua mostra individual "Fundamentos da Pedra" é outra —de crítica, questionamento e deboche.

A série dos vergalhões aparentes, inédita, se desdobra a partir da peça central da exposição, um molde da pedra fundamental de Brasília, um obelisco de concreto, alvenaria e ferro construído em 1922 perto de onde seria erguida a capital, décadas mais tarde.

Myrrha substitui o concreto por isopor revestido de cimento e opta por deixar seu antimonumento na cor cinza do material, em vez de pintá-lo de branco, como o original. "Ele não tem o peso visual do concreto, porque as matérias pesam nos olhos. Elas não pesam só na balança", afirma, sobre seu obelisco.

Tanto nesta peça quanto nas que parecem ter saído de um canteiro de obras, a artista, filha de um gerente de obras, diz querer discutir a realidade da construção civil no Brasil, com seus escândalos ligados a construtoras e ao superfaturamento.

A arquitetura, e em específico a de Brasília, é um tema constante na produção desta mineira de 48 anos. No ano passado, ela colocou fragmentos de colunas de concreto —como se fossem as de Niemeyer— numa obra apresentada no Panorama da Arte Brasileira no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Em 2021, criou uma grande cúpula no vão livre da Pinacoteca que poderia ser vista como a do Senado Federal.

Na exposição na Millan, ela mostra também uma fotografia, colagens, guaches e dois trabalhos a caneta que trazem uma imagem fraturada do projeto um dia imaginado como a cidade do futuro. Ao sair do canteiro de obras, a artista adentra os espaços de poder com recortes sobrepostos de fotografias de jornal em que os políticos têm seus rostos ocultados e aparecem atrás de barras verticais simbolizando grades. "As colagens são como vodu. Eu apagava as pessoas que não queria que existissem", ela diz.

O tanto de energia dedicada por Myrrha para a capital do país tem também outra leitura possível —a dos pontos positivos no projeto da cidade. "Existiu um desejo de construção. Em algum ponto houve uma crença que a partir de Brasília se poderia construir uma outra ideia de Brasil. Um outro paradigma para a gente que não fosse o paradigma colonial, extrativista, que fosse alinhado com uma imagem moderna."

Fundamentos da Pedra

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