Um diálogo entre prosa e poesia, amarrado pelo denominador comum da violência, encerrou a sexta-feira (9) na Feira do Livro em um dos debates mais informais do evento.
O escritor fluminense Geovani Martins, autor de "Via Ápia", e a poeta Luiza Romão, autora de "Também Guardamos Pedras Aqui", ambos nascidos nos anos 1990, discutiram como trazer estupro, guerra, abusos do Estado sem reproduzir a estética que reforça tais práticas.
"A literatura por muito tempo foi um locus de cristalizar a violência, os estereótipos", diz Romão.
"Como todo morador de favela da minha geração, cresci ouvindo que 'não é porque tu mora em favela que tu tem que ser favelado'. Era minha mãe querendo afastar o meu corpo de um corpo matável", afirma Martins.
Ele diz que demorou para entender que falar da sua realidade de pobreza era literatura e que o ajudaram a reconhecer o valor em sua obra, permeada pela cadência do rap e do samba, como a de Romão é pelo ritmo da slam poetry.
A oralidade é outro aspecto que marca as obras dos jovens autores. Martins diz que se sente um tradutor por acessar a o cânone e arte de rua —caso do rap, do pixo— e que esse olhar, pertencente a uma geração de jovens pobres e negros que agora acessam o mercado editorial, vai mudar a literatura brasileira.
As gírias e palavrões se tornam, assim, mais do que apenas uma marca de estilo e fazem parte da construção de personagens, diz o autor.
Ele, que ressalta não ter completado o ensino fundamental, e diz que foi uma conversa com um professor em sua escola na Gávea, bairro nobre do Rio de Janeiro, que o incentivou a largar a instituição.
O docente disse que, sem esforço, o destino dos jovens da escola pública seria trabalhar para os alunos da escola ao lado, uma particular de elite.
"Eu não suportava aqueles playboys", diz Martins. Aquilo o motivou a largar a instituição —para ter mais tempo de estudar.
Ele louva os professores do ensino público e diz, ainda, que são eles que moldaram as mentes que hoje transformam a literatura. Mas não deixa de alfinetar o Ministério da Educação por não adotar seus livros nas escolas.
O desaparecimento de corpos foi um tema que permeou o debate, assim como a morte. "A sensação de que não deu merda agora, mas pode dar a qualquer momento é muito mais recorrente que o assassinato", diz Martins.
Ele busca criar essa sensação de expectativa de morte no leitor —mas, insiste, sem cair nas imagens que reforçam violências.
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