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Filmes

Robert Bresson e Chris Marker dividem mostra na Cinemateca Brasileira

Cineastas franceses de gerações distintas iluminaram os caminhos do cinema com títulos como 'Sem Sol' e 'O Dinheiro'

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Porto Alegre

O que há em comum entre os cineastas Robert Bresson e Chris Marker, tirando o fato de serem franceses? Bresson costumava ser associado à direita. Marker, à esquerda. Mas as inclinações políticas podem separar o que a forma cinematográfica aproxima.

Talvez o mais elucidativo encontro entre os dois seja que parte considerável do cinema contemporâneo deva a eles algumas de suas escolhas estéticas. Uso de atores não profissionais, novos enfoques para o documentário ou para a maneira como o documentário invade a ficção e rigor absoluto no trabalho com o som, por exemplo.

Hélène Châtelain em cena do filme 'La Jetée', de Chris Marker
Hélène Châtelain em cena do filme 'La Jetée', de Chris Marker - Divulgação

Essas características não são necessariamente comuns aos dois, exceto pelo rigor. Juntas, porém, indicam caminhos predominantes no cinema dos últimos 30 anos.

Entre eles pesa uma diferença de idade de quase 20 anos, o que vai marcar profundamente o início cinematográfico de suas obras e a influência que teriam sobre os futuros cineastas.

Pensando nessas influências, nas diferenças e similaridades de percursos, a Cinemateca Brasileira programou a mostra Bresson-Marker, com três filmes do primeiro e cinco do segundo. Com a exceção de dois de Marker, os curtas "A Pista", de 1962, e "A Sexta Face do Pentágono", de 1967, este codirigido por François Reichenbach, são todos longas.

Obviamente, não é uma mostra ampla, que nos dá um retrato mais apurado de cada cineasta. Todos os filmes de Bresson e Marker compõem um quadro muito rico e surpreendentemente variado de seus estilos, mesmo que sejam considerados rigorosos e fechados, até mesmo difíceis.

Tampouco é uma mostra representativa do que esses realizadores fizeram de melhor. Faltam, para isso, filmes essenciais como "O Batedor de Carteiros", 1959, e "Mouchette: A Virgem Possuída", 1967, de Bresson, e "O Encantador Mês de Maio", que Marker realizou com Pierre L'Homme em 1963.

Mas é um punhado de filmes valiosos, que nos permitem entender parte da história do cinema francês e do cinema moderno dos anos 1950 aos anos 1990, com suas rupturas e maneiras inventivas de se apoiar nas convenções. Como todo recorte, é um estímulo a associações pouco óbvias e aproximações elucidativas, como as que a própria mostra faz em sua programação.

Bresson representa o cinema francês que a geração da nouvelle vague aprovava. Com Jean Renoir, era o principal modelo para os chamados "jovens turcos", críticos da Cahiers du Cinéma que logo passariam à realização de filmes —Godard, Truffaut, Rohmer, Chabrol e Rivette.

Filmava ficções de preferência sem atores profissionais. A partir de "Um Condenado à Morte Escapou", seu quarto longa, de 1956, passou a se interessar por tipos naturais, que não representassem a não ser suas próprias verdades.

Nos três filmes que o representam na mostra, encontramos essa mesma ambição, desde "A Grande Testemunha", de 1966, uma espécie de ancestral do recente "Eo", de Jerzy Skolimowski, pelas perambulações de um burrico, até "O Dinheiro", de 1983, com o qual encerrou sua carreira, passando pelo atribulado "Lancelot du Lac", de 1974, cuja gestação remete aos anos 1950.

Se no primeiro reencontramos um rosto conhecido, o de Anne Wiazemsky, foi porque Godard se encantou por ela e a filmou em "A Chinesa" e "Week-End à Francesa", ambos de 1967, e porque depois a veríamos em dois filmes de Pasolini, entre outras obras. Bresson a descobriu e ela então se tornou uma atriz.

Se a maioria de seus filmes foi um fracasso de público na época, e alguns também foram mal-recebidos pela crítica, hoje ninguém de bom senso negaria a ele um lugar no olimpo cinematográfico.

Chris Marker já é da geração da nouvelle vague, responsável, com os primeiros curtas de Agnès Varda e Alain Resnais, pela faceta documental, situada na margem esquerda do Sena, a "rive gauche". Eram cineastas que a crítica mais engajada da época, os anos 1950, defendia, por vezes em contraponto aos jovens "formalistas" da Cahiers, que já rodavam seus primeiros curtas.

Com "Carta da Sibéria", de 1958, torna-se reconhecidamente um ensaísta de imagens poderosas, para quem "filmar o real" significava muito mais do que observar uma realidade de maneira objetiva. Marker, como Varda e Resnais, fazia poemas cinematográficos com a roupagem do documentário.

"Sem Sol", de 1983, e "Nível Cinco", de 1997, surgiram muitos anos depois para lembrar aos jovens cineastas de então que é possível pensar em estética quando se filma documentários.

Bresson e Marker são cineastas incontornáveis para entendermos dois dos caminhos mais luminosos entre os que nos trouxeram ao cinema contemporâneo.

Mostra Bresson-Marker

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