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Série 'O Caso Escola Base' impede o público de esquecer o trauma

Série dialoga com filme sobre Valmir Salaro e constrói painel amplo sobre tratamento de histórias policiais na imprensa

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Rio de Janeiro

"Eu morri, mas estava viva." É assim que uma das donas da escola Base define, quase três décadas depois, como se sentiu logo após o escândalo midiático envolvendo o seu nome e de mais um grupo de pessoas, em 1994, em um dos casos policiais mais marcantes e injustos da história do Brasil.

A série documental "O Caso Escola Base", dirigida por Paulo Henrique Fontenelle revisita a história que se tornou um dos pontos baixos do jornalismo brasileiro, já que a mídia teve larga propensão a condenar os suspeitos. Após despertar a fúria do público, as investigações mostraram que eles eram inocentes.

Cena da série 'O Caso Escola Base', dirigida por Paulo Henrique Fontenelle - Divulgação

A série se junta ao filme "Escola Base – Um Repórter Enfrenta o Passado", de Caio Cavechini e Eliane Scardovelli, do ano passado, para um amplo painel sobre o tema. Mas os focos são distintos. A série procura uma visão mais abrangente do caso, enquanto o longa era sobretudo um mea culpa do repórter Valmir Salaro pela sua própria conduta jornalística há 29 anos, quando cobriu a história pela Rede Globo.

A Base era uma escola modesta no bairro paulistano da Aclimação, voltada para crianças bem pequenas. A paz no colégio acabou quando duas mães de alunos acusaram os proprietários do local e mais um motorista de van escolar de abuso sexual de seus filhos.

O caso chocou a opinião pública, sobretudo após a história ganhar divulgação no Jornal Nacional. A escola fechou, e os acusados se tornaram inimigos públicos. O colégio e a residência de uma das donas foram invadidos e depredados por uma turba com sangue nos olhos, que deixou ofensas de todo tipo pichadas nas portas.

Para piorar, o caso era investigado por um delegado midiático, que apesar de ser cheio de convicções, não tinha provas. Os suspeitos só seriam considerados inocentes após sua substituição. A mãe de uma das crianças tinha superdimensionado falas fantasiosas do filho, chegando a estimular o garoto a narrar abusos horríveis.

A mancha sobre a reputação dos acusados abriu caminho para que tivessem problemas de saúde física e mental, dificuldades com dinheiro e para achar empregos.

Mesmo Salaro não saiu ileso. Era necessário um acerto de contas pessoal com os envolvidos —e com o público. Em "Um Repórter Enfrenta o Passado", ele encontra alguns dos acusados e ouve coisas terríveis resignadamente.

Mas, até que ponto é justo com o repórter se entregar a esse autoflagelamento diante das câmeras, matando no peito toda a culpa por uma história em que várias outras pessoas também erraram? O filme tem uma função de autoterapia.

Já na série do Canal Brasil, há um instigante clima de thriller documental. Até pela duração mais extensa, consegue expor o caso com mais clareza do que o filme, que por vezes se perde na narrativa, tanto pela complicação do caso quanto por precisar retomar a expiação do repórter.

São dois produtos, porém, que comprovam uma certa sanha do audiovisual brasileiro recente de desvelar escândalos policiais do passado com a pretensão de reinterpretá-los. Até conseguem fazer isso em alguma medida, mas também reforçam um voyeurismo sensacionalista não muito diferente do que esses casos despertavam na sociedade da época.

Ainda assim, é importante não deixar certos traumas como o da escola Base caírem no esquecimento. Se algumas lições foram aprendidas, ainda há desleixo no tratamento de temas policiais em alguns veículos, tanto pela atual precarização do jornalismo, com profissionais pouco qualificados, quanto pelo caminho fácil de buscar público por meio do choque e do impacto.

Tampouco a polícia deixou de cometer erros. Ela continua, inclusive, espancando e torturando pessoas —culpadas ou não—, conforme os acusados de 1994 revelam.

E por fim há o público: com a eclosão das redes sociais e a cultura do cancelamento, a sociedade parece ter dentes cada vez mais afiados.

Rever a história da escola Base joga a questão: para além da polícia e da mídia, será que nós, enquanto opinião pública, aprendemos alguma coisa?

O Caso Escola Base

  • Quando No Canal Brasil: Sex. (9), às 22h30 (dois episódios em sequência). Sáb. (10), às 14h30, e dom. (11), às 11h
  • Onde Disponível no Globoplay + Canais
  • Classificação Livre
  • Direção Paulo Henrique Fontenelle
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